Vou repetir, como faz o Papa com as coisas importantes. Comeu vitela. Também comeu outras coisas, produtos nacionais e variados, confecionados pelo Chef Vítor Sobral. Podia ter optado por peixe, como eu costumo fazer ao jantar. Sublinho esta parte da notícia do Expresso: “Sabe-se apenas que a única exigência do Papa Francisco foi a de serem servidas pequenas doses, à semelhança do que aconteceu em todas as refeições realizadas em Portugal, uma vez que o Sumo Pontífice não gosta de desperdício, nem de que se estraguem alimentos.”
Porque é que isto é importante? Porque alguns dias antes da JMJ começar, o mesmo jornal publicou um artigo sob o título “O impacto da Jornada Mundial da Juventude no ambiente”, onde se dizia, citando o “Manual da Pegada de Carbono” do evento, que “uma viagem de avião de ida e volta entre Atenas e Lisboa gera 1746 kg CO2e”. (…) Para anular esta pegada, numa lógica de compensação e já depois do evento, a organização recomenda aos peregrinos: 1) Realizar a viagem casa-trabalho de comboio ao invés de carro pessoal durante 2 anos, para um percurso de 10km; 2) Responder ao desafio de ser vegetariano durante um ano; 3) E apoiar programas de conservação de árvores durante um ano, correspondente a 65 árvores.”.
Li, mas decidi não fazer publicidade ao assunto. Alguns dias depois, nova notícia a partir da mesma base puxava a parte “picante” para o título: “JMJ sugere aos peregrinos serem vegetarianos”; No mesmo dia, à segunda ou terceira partilha da notícia nas redes sociais, subiram a parada, colocando a foto do Papa e o título “Tornem-se vegetarianos e bebam água da torneira”. Mas o papa nunca disse isto, nem qualquer responsável da JMJ. Parece-me que houve uma tentativa de passar a mensagem da “religião vegetariana” através da JMJ. Entretanto, após o protesto público de CONFAGRI e CAP, a Revista Agricultura e Mar esclareceu que “A organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 não sugere aos peregrinos serem vegetarianos para compensar viagem de avião”. Ponto.
No antigo testamento os judeus atiravam pedras a uma cabra a simbolizar os pecados. O bode expiatório levava culpas. Na idade média, quando foi preciso dinheiro para as cruzadas e para construir catedrais, alguém inventou o pagamento das indulgências para compensar os pecados. Agora é deixar de comer carne para compensar as viagens de avião. No século XXI, as referências da sociedade já não são os santos da Igreja, mas os influencers e estrelas de Hollywood que viajam em jatos privados, tentando convencer-nos a trocar a proteína animal pelos produtos de base vegetal ou produzidos em laboratório por empresas em que investiram.
Na Igreja e na sociedade deve haver espaço para todos, omnívoros, vegetarianos e também para o resto do mundo que passa fome e não discute estas coisas. Os problemas ambientais e o aquecimento global são um problema de todos e devem ser preocupação de todos. Trocar carne por qualquer coisa para compensar viagens de avião é um erro, porque as alternativas têm sempre emissões e a diferença é insignificante. O carbono que as vacas, cabras e ovelhas libertam foi captado pelas pastagens e forragens produzidas pelos agricultores. Se essa terra for abandonada, mais cedo ou mais tarde haverá incêndios e o carbono vai todo para a atmosfera no meio de desgraças. É possível reduzir as emissões na agricultura e em toda a cadeia alimentar com mais eficiência, mas sobretudo menos desperdício. Uma agricultura com plantas e animais. Se o problema são as viagens de avião, façamos menos viagens de avião. Depois, a pé ou de avião, façamos uma alimentação variada, local, da época, em pequenas doses, para reduzir o desperdício.
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.