Das que pessoas que conheço, e são muitas, que sabem mais que eu sobre gestão florestal, penso que não haverá uma única que ligue menos que eu aos problemas da estrutura da propriedade florestal quando se discutem os problemas do sector.
Não é porque eu ache que seja irrelevante ter 2 mil metros quadrados ou dois mil hectares para gerir, é apenas porque me parece um assunto menor face à gravidade do problema da falta de rentabilidade da exploração florestal.
Claro que conheço o argumento de que parte desses problemas de rentabilidade resultam exactamente da escala das intervenções, mas nunca vi isso demonstrado: a maior parte do VAB florestal é proveniente de regiões de minifundio e o que não faltam são grandes propriedades sem gestão por ser muito difícil retirar rendimento dessas propriedades.
Em igualdade de circunstâncias é melhor ter mais área para gerir que menos, mas a questão de fundo é bem ilustrada pelo que disse sobre o VAB florestal: não é porque o minifundio facilita a gestão florestal que a maior parte do VAB florestal vem das zonas do minifúndio, é porque o minifundio coincide com as zonas de maior produtividade.
Se a falta de rentabilidade da gestão florestal fosse sobretudo uma questão de dimensão da parcela de gestão, todos os baldios geravam rendimentos substanciais e haveria um mercado de compra de terrenos para emparcelar, como aconteceu nos anos 80 na fileira do eucalipto.
O facto de haver terrenos que ninguém reclama não é um factor relevante na gestão florestal, é antes um sintoma de dificuldade do sector produzir riqueza em muitos sítios.
Nas actuais circunstâncias, a produção de cortiça pode ser um negócio razoável, a produção de eucalipto nas regiões de melhores produtividades é um negócio viável, e a exploração de pinho (quer para pinhão, resina ou pau) está no limite da viabilidade nas melhores regiões que não coincidam com regiões interessantes para o eucalipto (o pinhal poderia ser interessante em algumas áreas, mas o eucalipto é um bocadinho mais).
Lembrei-me disto quando estava a ler, por estes dias, o livro “Trancas à porta, desfazendo mitos sobre a crise da habitação”, de Carlos Guimarães Pinto, Juliano Ventura, André Pinção Lucas e Filipa Osório, editado pela Aletheia e Instituto +Liberdade.
O livro lê-se muito bem, tem uma opção política de base clara (é um livro feito por liberais) mas não me parece que tente vender gato por lebre, centrando-se muito em factos verificáveis.
E o capítulo que me fez pensar nesta história dos terrenos sem dono foi o capítulo sobre as famosas 700 mil casas devolutas, que são usadas frequentemente para dizer que não é preciso construir mais e que os mediadores encartados dos jornais raramente desmontam como os mediadores que escrevem este livro desmontam.
Se os jornalistas que escrevem sobre habitação tivessem mais atenção aos factos e ao que se pode verificar que aos soundbytes produzidos por quem tem interesse em vender medidas de política, e bastar-lhes-ia ler este livro, quase todo o programa Mais Habitação seria ridicularizado nos jornais, dia sim, dia não, por se basear muito mais em pensamento mágico e preconceito que na realidade verificável.
Quando os mediadores que deviam mediar não o fazem competentemente, outros mediadores aparecem, como é o caso do Instituto +Liberdade, que se farta de apresentar factos (não apenas neste livro, é mesmo uma das suas actividades principais), com o objectivo de permitir discussões de políticas públicas bastante mais racionais.
Os senhores que estão no Congresso dos Jornalistas bem podiam dedicar cinco minutos a este assunto, em vez de, mais uma vez, se fazerem de vítimas de um processo de contornos obscuros que põe em perigo a Democracia.
Mais factos e menos treta era mesmo um excelente mote para todo o congresso.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.