O Presidente da República considera que no atual Governo houve um adiamento das reformas estruturais, do que resultou ter-se chegado a 2019 a debater “de afogadilho” questões que podiam teoricamente ter ocorrido mais cedo.
Em entrevista à Lusa por ocasião do terceiro aniversário da sua eleição, Marcelo Rebelo de Sousa explica que esse adiamento resultou, em parte, porque as reformas eram vistas pelo Governo como mudanças progressivas e graduais e, em parte, porque a conjuntura a isso o obrigou.
“Chegamos a 2019 e é por isso que no final da legislatura estão pendentes os debates sobre a transparência do sistema político, que durou uma legislatura”, afirma. De facto, sublinha, “chegamos a esta fase de afogadilho quanto a debates que teoricamente podiam ter sido feitos mais cedo”.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, a questão das reformas estruturais colocou-se sobretudo a partir de 2018, porque 2016 foi um ano de “sarar feridas” na sociedade portuguesa, de resolver o problema bancário e a questão orçamental com a Europa, e 2017 o das “tragédias dos incêndios e de Tancos”.
“As tragédias trouxeram o regresso de questões políticas e financeiras muito pesadas ao Governo, porque eram precisos novos recursos para o repensar da política florestal, para a aposta na prevenção e na resposta àquele tipo de tragédias, tudo num momento já muito avançado de elaboração do orçamento para 2018”, afirma o Presidente.
Quando se chega a 2018, destaca Marcelo Rebelo de Sousa, numa altura em que “parecia haver uma nova acalmia” e em que a ideia seria “começar a equacionar certas reformas estruturais” – que não a segurança social, ressalva – “mas porventura a justiça e a saúde (…) as expectativas suscitadas em muitos setores, o começo da campanha eleitoral muito cedo e a subida da conflitualidade social deram um segundo semestre muito agitado”.
“Portanto, de alguma forma, aquilo que se discutia quanto a reformas estruturais, os grandes debates sobre a saúde, educação, justiça, ou a reforma do Estado ou a segurança social ficaram um bocadinho entre parêntesis”, diz.
Visita ao Seixal?
Nesta mesma entrevista, Marcelo admitiu a possibilidade de ir ao bairro da Jamaica, no Seixal, onde se registaram os incidentes violentos com a polícia no passado domingo.
“Não é uma impossibilidade lá ir mais dia menos dia, como tenho estado em inúmeros bairros na Área Metropolitana de Lisboa e do Porto”, diz Marcelo Rebelo de Sousa, reafirmando que não se deve generalizar incidentes como o de domingo, porque há “factos singulares que merecem investigação e responsabilização, nomeadamente criminal”, que deve ser feita, “quanto mais rápido melhor”.
Na entrevista que concedeu por ocasião do terceiro aniversário da sua eleição, a 24 de janeiro de 2016, o Presidente da República recorda que estando Portugal em período eleitoral, este é um tema que “obviamente entra no debate eleitoral”, pelo que “deve estar presente primeiro uma preocupação, que nesse debate não [deve] haver generalizações”.
Lei de Bases da Saúde “fixista”
O Presidente da República rejeita uma Lei de Bases da Saúde “fixista” e que represente “o triunfo de uma conjuntura”, seja de quatro ou oito anos, contrapondo que esta deve ser “uma lei de regime”.
Marcelo considera que nesta matéria não deve haver “grande clivagem entre PS e PSD” e argumenta que a instabilidade legislativa “não é compatível com investimentos a médio e longo prazo na saúde”.
Questionado se uma lei aprovada sem o PSD tem o seu veto garantido, o chefe de Estado avisa que “não acharia muito feliz” uma lei que seja revertida noutro contexto político e manifesta “interrogação” e “curiosidade” em relação ao diploma que sairá do parlamento.
O Presidente da República quer ver se a solução “é uma realidade que busca um equilíbrio, na base de uma fórmula flexível, que seja passível de durar para além de um Governo”, ou se, pelo contrário, “é uma fórmula que representa o triunfo de uma conjuntura – seja ela quatro anos, seja oito anos – e que depois é questionada na próxima conjuntura”.
Se for a segunda opção, adverte: “Isso eu não acharia muito feliz, andarmos a ter leis no domínio da saúde que mudassem ao sabor das maiorias de cada período político”.
Marcelo Rebelo de Sousa opõe-se também a “uma solução fixista”, defendendo que deve haver um quadro legal com “flexibilidade” na forma como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) é gerido, em função das circunstâncias e da evolução científica e tecnológica.