João Carvalho, secretário-geral da ANPC lamenta que não se aposte na caça, que está muito aquém do seu potencial. Enquanto atividade, na produção de carne e no turismo, mas também na coesão. Lembra o papel da cinegética na biodiversidade e enquanto parceiro de organizações que promovem a natureza, como a WWF. E faz o retrato do setor.
Fala-se muito de coesão social, regresso ao interior e valorização do país. A caça podia ter um papel nessas ambições?
Já tem, é uma atividade com enorme peso nas zonas rurais. Sendo mais os caçadores que vivem em grandes cidades e no mundo litoral, que se transferem para estes territórios e trazem valor. É extremamente importante para estas regiões este fluxo sazonal. E é uma forma de a população que tem raízes neste mundo rural e as suas famílias regressarem.
Devia haver um movimento que potenciasse esse regresso?
Nos últimos 20 anos, os caçadores no país reduziram-se em 65%, por dificuldades que vão dos custos no licenciamento aos da atividade. Mas há um potencial enorme e isso vê-se até por comparação com outros países, como Espanha, em que se faz um reconhecimento da realidade e do recurso da caça. É um setor que devia ser aproveitado não só pela coesão territorial – sendo desígnio nacional combater a desertificação, com pessoas que valorizem esses territórios – mas também para aproveitar um recurso subexplorado. Tendo nós tantas dificuldades económicas, não faz sentido que não tiremos partido deste recurso muito significativo. E há outros planos fundamentais de influência, como combate aos incêndios, preservação de biodiversidade e gestão de habitats, controlo de populações que dão enormes prejuízos à agricultura.
A caça tem um papel na gestão ambiental?
Sim, é um regulador e potenciador de espécies. A reintrodução do lince ibérico foi feita em territórios de caça. Mértola é a capital nacional da caça, e isso fez-se pelas condições naturais e gestão de território, que é vocacionada para a preservação dos habitats. E é um caso de sucesso mundial: passou de zero a 200 exemplares entre 2015 e 2021, com crias de terceira geração já nascidas em estado selvagem. Em toda a Península Ibérica, há mais de mil exemplares. O lince ibérico já não é uma espécie em risco de extinção.
As políticas públicas têm respondido a esses desafios?
Tem havido grande falta de investimento e planeamento estratégico. Não por falta de propostas ou de promessas políticas, há pessoas em cargos administrativos com boa vontade, mas nunca se avaliou a caça. E poucos sabem mas é daqui que vem a maior receita do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Mais de metade do orçamento vem da caça. Mas depois há dificuldade em reinvestir no setor e em áreas fundamentais como a monitorização de populações.
Mas as pessoas não veem esse lado do setor cinegético…
A perceção da sociedade em relação a esta atividade é errada, fruto de demagogia e má informação, de mentiras repetidas até serem entendidas como verdades. E que resultam em decisões…
Como a passagem da tutela dos animais de companhia da Direção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV) para o Ambiente?
Essa mudança foi fortemente contestada por todas as áreas e está muito ligada ao que vemos na atual arquitetura política, em que o PAN é bengala do governo para a aprovação do Orçamento do Estado. O governo que criou a pasta da Coesão tem políticas que não são pró-coesão, segue caminhos contrários ao que deviam ser desígnios nacionais. Os animais passarem para a tutela de Ambiente e ICNF é uma originalidade portuguesa, cujos efeitos que auspiciamos não são nada bons – é um instituto que tem três veterinários. Três. E por pressão de um partido animalista.
A visão do PAN não corresponde à realidade?
As propostas vistas à lupa são até contra os eleitores de base, muitos dos quais não são vegan, mas deixam-se iludir por esta aparente defesa dos animais. E fazem propostas como a esterilização massiva de cães e gatos ou para mudar a sua alimentação natural – estes animais têm caninos, que não servem para ruminar mas para dilacerar a carne das presas… Há um crescendo de imposição destas correntes, muito potenciada pelos media e figuras que influenciam a opinião pública, por profundo desconhecimento.
Já tentaram mostrar a realidade a esses partidos, aproximar-se?
Fazemos esse trabalho com os