João Nicolau de Almeida preside à comissão organizadora do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Enólogo e profundo conhecedor da região do Douro, João Nicolau de Almeida foi escolhido por Marcelo Rebelo de Sousa para presidir à comissão organizadora das celebrações do 10 de Junho que, este ano, estão centradas na África do Sul e no Peso da Régua, promotora da região Capital Europeia do Vinho em 2023. Credor de um legado de várias gerações ligadas ao vinho e ao Douro, defende que é imperioso acabar com as guerras do passado entre produtores e exportadores e olhar para um futuro que passe por produção biológica, em menor escala, e com o dedo da ciência.
Como soube que ia presidir à Comissão das Comemorações do Dia de Portugal, Camões e das Comunidades?
Foi um espanto. Estava num supermercado e, de repente, toca o telefone e ouço: “Aqui fala o presidente, Marcelo Rebelo de Sousa”. E eu pensei cá para mim: “Estão a brincar comigo?”. Mas depois reconheci-lhe a voz. E disse: “Sr. presidente, fala João Nicolau de Almeida, estou aqui disponível”. O Presidente disse que queria convidar-me para fazer um discurso no dia 10 de junho. E eu fiquei paralisado, sem saber o que fazer. Como tinha as duas mãos com pesos, estava em alta voz. Olhei à volta e as pessoas da fila estavam todas a assistir. Foi um convite especial, mas claro que aceitei logo, porque, sendo eu uma pessoa que sempre viveu do Douro, e agora os meus filhos também, recusar uma coisa dessas era impensável. Agora, fazer é muito mais difícil…
Imagino que na altura tenha sentido um orgulho imenso.
Não tive tempo de ter orgulho, só tive tempo de ficar atrapalhado. Mas claro que cada vez tenho mais orgulho e mais responsabilidade, porque estou a falar para o país. Nos vinhos, fazemos muitos discursos, até porque o vinho facilita o discurso. Mas um discurso para a nação é coisa que nunca pensei.
Considera que este 10 de Junho vai projetar a região do Douro?
Espero que sim. Primeiro, vamos à África do Sul e gostaria de contar aos nossos compatriotas o que é que se passa aqui, porque muitos já não vêm cá há uns tempos e pensam que Portugal está no século passado. E, portanto, a minha grande ideia é tentar passar a mensagem da modernidade, sobretudo da região do Douro e do vinho do Douro. Não só o vinho do Porto, que é conhecido mundialmente – suponho que, em Portugal, não há uma marca que seja tão conhecida como o vinho do Porto -, mas também os chamados vinhos DOC Douro, os vinhos de mesa que se desenvolveram nesses últimos anos, de uma maneira fantástica. E tudo isto foi muito rápido, foi uma explosão que eu tive a sorte de acompanhar. Trata-se de uma região muito antiga, do tempo da formação de Portugal, que se desenvolveu com a vinda dos monges de Cister, grandes especialistas na agricultura e na vinha.
O Douro é a Capital Europeia do Vinho em 2023, fruto da iniciativa conjunta de 19 presidentes de Câmara. Há unidade entre os autarcas da região?
Eu cheguei de França em 1976 e comecei a trabalhar. E havia uma grande separação entre os chamados exportadores, que estavam em Gaia, e os chamados produtores, que estavam no Douro. E ninguém se entendia. No Douro, como são muitos municípios, era muito difícil haver uma ideia conjunta. Até que aconteceu uma coisa que, para mim, foi fantástica: a declaração de património mundial da região do Douro. Isso veio unir os municípios do Douro. E agora, com a CIM [Comunidade Intermunicipal] do Douro, ainda mais. Em Gaia, era a mesma coisa. Um exportador puxava para um lado, outro puxava para outro, e todo este mundo do vinho do Porto, na altura era só o vinho do Porto, era de muita guerra verbal, de muito pouca unidade. Os de Gaia sabiam de vinho, os do Douro sabiam de vinha. Até à geração dos meus pais, a coisa passou-se assim. Lembro-me de ir, desde pequenino, para as vindimas com o meu pai e o meu irmão gémeo, e era uma epopeia. Íamos até Quinta do Vale Meão, em Foz Côa, que tinha um monte à frente, e, para nós, para lá daquele monte, era o fim do mundo. Acabava ali.
Voltando ao 10 de Junho no Peso da Régua, pensa que vai ter uma importância meramente simbólica ou que terá impacto real nas pessoas e no desenvolvimentos da região?
Espero que tenha. O Douro está a transformar-se, mas vive num impasse. As tais guerras institucionais, quem manda aqui, quem manda ali – isso já é passado. Para a nova geração, a geração dos meus filhos, isso já não conta.
O Douro tem a importância que deveria ter, em termos de projeção política e desenvolvimento regional?
Acho que sim, mas é preciso uma mudança radical: meter a ciência no trabalho e nas instituições.
Num setor como o vinho, como é que […]