Por via de regra quando se aborda o papel dos géneros alimentícios na alimentação humana atende-se à sua composição nutricional, sem ter em conta o hedonismo alimentar; a vida, porém, não é só alimentação, esta deve constituir um prazer.
Quando se trata de alimentos de origem animal (carne, leite, ovos, pescado) é dado particular relevo à sua composição em aminoácidos essenciais (que o Homem não consegue sintetizar, mas que se encontram presentes nos referidos alimentos em proporções adequadas às necessidades do Homem).
Essa a razão por que as proteínas de origem animal apresentam elevado valor biológico, sendo que os seus aminoácidos desempenham importantes funções vitais para o funcionamento do organismo, incluindo a formação de novos tecidos no corpo humano, nomeadamente favorecem o crescimento e o desenvolvimento cerebral das crianças, aumentam a massa muscular e evitam a perda da mesma nos idosos.
No caso da carne importa também realçar a sua composição em minerais, com destaque para o zinco e, em especial, o ferro heme ou orgânico, que é bem absorvido (a sua biodisponibilidade é de 15 a 35%, enquanto a do ferro férrico, presente nos vegetais, varia entre 2 a 20%) e faz parte da constituição da hemoglobina, principal proteína dos glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte do oxigénio para todos os tecidos do corpo; a anemia ferropriva é mais fácil de acontecer em mulheres com menstruação abundante ou pessoas com hábitos vegetarianos (afeta 17% da população portuguesa adulta).
De assinalar também a presença das vitaminas do complexo B, com destaque para a vitamina B12, dado que não está presente nos vegetais e a sua deficiência pode provocar anemia perniciosa, responsável designadamente por alterações neurológicas.
Mas, quando nos referimos à relevância da presença da carne na alimentação humana, importa destacar que a primeira vantagem decorre do elevado consumo que os nossos ancestrais praticaram desde há cerca de 2,6 milhões de anos, após iniciarem o processamento mecânico da carne, recorrendo ao uso de ferramentas de pedra. Até então a alimentação dos hominídeos era provavelmente análoga à dos atuais chimpanzés, incluindo designadamente elevadas quantidades de vegetais, cuja mastigação ocupava longas horas do dia e consumia muita energia. O maior consumo de carne veio precisamente diminuir a energia despendida na mastigação pelos hominídeos, passando o cérebro a consumir mais energia, contribuindo assim designadamente para a evolução cognitiva dos seres humanos. Como recordou recentemente o Professor Manuel Sobrinho Simões: «Ficámos espertos porque comíamos muita carne».
Nesta evolução o homem sempre se esforçou por ser feliz e sentir prazer; sem dúvida que para a esmagadora maioria das pessoas os alimentos de origem animal, devido às suas propriedades organoléticas, especialmente textura e sabor, são uma fonte de prazer. A palatabilidade é um fator determinante para muitas escolhas alimentares por parte dos consumidores, para além, obviamente, do respetivo preço.
Entre nós são inúmeros os restaurantes com denominações apelativas ao consumo de carne: “Os Prazeres da Carne”, “O Solar dos Leitões”, “O Solar dos Presuntos”, “Frango Real”, etc. A propósito deste último, recorde-se que o Rei D. João VI comia dois ou três frangos ao almoço e guardava na algibeira da casaca os famosos franguinhos assados que comia no intervalo das refeições; tratava-se de uma predileção familiar, que vinha de D. João IV e se revelou também em D. Pedro II, fanático por canja de galinha.
Cabe recordar que, por outro lado, até meados do século passado, a generalidade dos Portugueses comia galinha apenas em ocasiões especiais; o consumo de carne era muito baixo, sendo a capitação diária de proteína animal de apenas 23 g/dia em 1950.
Entretanto deu-se a conjugação de duas situações que iriam favorecer o consumo de carne: por um lado ocorreu um aumento substancial e crescente do rendimento disponível das famílias e, por outro lado, verificou-se um decréscimo dos custos de produção da carne, devido à implementação de sistemas de produção mais eficientes, decorrentes dos avanços científicos alcançados principalmente no melhoramento genético animal, na profilaxia e na nutrição animal – esta última área do conhecimento científico viria a favorecer a expansão da indústria de alimentos compostos para animais, contribuindo assim de modo relevante para a prática da alimentação animal de precisão – de modo a satisfazer com eficiência as necessidades nutricionais do animal e minimizar os efeitos poluidores, tudo concorrendo assim para diminuir o impacto no ambiente.
Como corolário do que precede – valor nutritivo, hedonismo alimentar e preço – nas últimas décadas o consumo de carne per capita em Portugal elevou-se de forma expressiva atingindo um máximo em 2019: 119,9 kg por habitante/ano, com destaque para os consumos de carne de suínos (44,7 kg), de aves (44,3 kg) e de bovinos (20,8 kg).
Longe vão os tempos em que na primeira Balança Alimentar elaborada para o Continente Português, relativa a 1948-49, se assinalou que as despesas com alimentação, em relação ao total das despesas dos consumidores, se situavam acima dos 60% (hoje representam cerca de 22%), concluindo-se então que, apesar da elevada proporção dos rendimentos das famílias destinada à alimentação, as maiores deficiências alimentares registavam-se no consumo de alimentos de origem animal.
Atualmente e em particular no que respeita ao consumo de carne – que o prazer tem elevado consideravelmente, à medida que aumentam os rendimentos das famílias – importa considerar o seu teor de gordura, que é muito variável e rico em ácidos gordos saturados (recorde-se que as gorduras têm elevada densidade energética e mais de metade dos Portugueses adultos apresenta excesso de peso), sugerindo-se que se removam peles e gorduras visíveis da carne; no caso das carnes grelhadas recomenda-se que se removam as partes carbonizadas, porque são muito ricas em carbono e por isso patogénicas, pelo que, para minimizar este risco, o Professor Nuno Maulide (2021) aconselha que se use um grelhador que permita colocar a carne na vertical; acresce que o uso de sal deve ser parcimonioso.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Do Prado ao Prato na perspetiva de um fruticultor português – Manuel Chaveiro Soares