Tenho aprazada uma conversa com pessoas que respeito bastante, que sabem bem mais que eu de fogos e gestão de fogos, que me querem puxar as orelhas por eu desvalorizar a questão das ignições.
Pode ser que, nessa altura, eu mude de opinião.
Enquanto isso não acontece, escrevo este post a manifestar a minha estupefacção pelo alargamento da situação de alerta, com o argumento, extraordinário, de que como com a situação de alerta anterior as ignições diminuíram, o melhor é insistir no erro.
O erro não é diminuir as ignições, em tese, isso é bom, na prática, tem um interesse relativo porque a área ardida (e, já agora, o número de ignições) depende essencialmente da meteorologia e do tempo que passou desde o último fogo (80% e 20% da importância, respectivamente).
O erro é considerar que o método usado para diminuir as ignições (proibições generalizadas) não tem custos reais e pode ser usado discricionariamente.
Um empresário que todos os dias trabalha na gestão florestal e gere combustíveis finos em muitos hectares usa o facebook para expressar a sua irritação com esta decisão de pôr o país todo em Estado de alerta: “De Santa Comba Dão a Leiria, 18°C, nevoeiro e escovas do carro sempre ligadas. Há centenas ou milhares de pessoas que não podem trabalhar na floresta por causa do risco de incêndio. Não está correto!!!”.
À noite telefona-me um amigo, noutra região do país, e no meio da conversa fala-me na quantidade de homens pelos cafés, com o dia ganho, mas sem poder ir cortar eucaliptos ou outra actividade qualquer de gestão florestal, apesar da humidade e mesmo nevoeiro (umas pingas escassas de chuva num dos dias, inclusivamente) que qualquer pessoa sentia.
E no meio da conversa diz: “sabes como é, aqui o que as pessoas pensam logo é que os tipos de Lisboa que tomam estas decisões não fazem a menor ideia do que é a vida deles e, na verdade, se estão nas tintas para eles, de maneira que dizem que vão votar no Chega, acham que se é para partir, então o melhor é partir a sério, estão fartinhos, fartinhos dos que estão lá há anos”.
Tirando estas questões sociais reais, a do sentimento de injustiça relativa, dos mais corrosivos ácidos sociais que conheço, racionalizando a discussão, é estraordinária a ligeireza com que se tomam decisões que afectam direitos fundamentais das pessoas, como o direito de circulação, o direito ao trabalho, etc., e que, ainda por cima, têm custos sociais que valeria a pena avaliar.
O país tem um problema sério de abandono de gestão dos territórios marginais, daí resulta um padrão de fogo socialmente destrutivo e com efeitos negativos de retorno estudados (o risco de incêndio é dos maiores travões ao investimento no sector) e o que decide o governo?
Como alguns modelos teóricos dizem que seria útil reduzir ignições para que os meios de combate não colapsem (lembram-se dos confinamentos para evitar o colapso dos serviços de saúde? A lógica é exactamente a mesma, diga a Constituição o que disser, como dizia o então primeiro-ministro, perante a complacência de um Presidente da República que resolveu não remeter nada para o tribunal constitucional que, à posteriori, veio confirmar que havia graves inconstitucionalidades no que então foi decidido), o Governo não acha nada melhor que agravar as condições e custos das actividades de gestão de combustíveis finos, agravando o problema de base da competitividade da gestão florestal.
E nem quero falar do papel do ministro da economia, que se está nas tintas para isto e acha que o ideal é andar a substituir-se às seguradoras criando apoios às actividades que, vivendo da gestão da paisagem que outros fazem, não gastam um tostão na defesa do seu recurso base.
Há quem se lembre de ir dar de beber à dor, eu lembro-me mais frequentemente do Cansaço de Amália Rodrigues “Tudo o que faço ou não faço/ Outros fizeram assim/ Daí este meu cansaço/ De sentir que quanto faço/ Não é feito só por mim”.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.