Durante largos meses, Fábio Inácio percorreu a pé mais de oito mil quilómetros em cinco continentes, sempre com um sorriso no rosto, num percurso realizado fora de estrada, passando por montanhas, florestas e ultrapassando todo e cada obstáculo. Sozinho, com tudo às costas e um objetivo bem definido: caminhar o mundo para transformar a natureza em Portugal, contribuíndo para um país mais selvagem. Angariou mais de 8.000 euros para apoiar o trabalho da Rewilding Portugal e terminou a caminhada exatamente no Grande Vale do Côa.
Fábio Inácio, natural de Torres Vedras e apaixonado pela natureza e fã incondicional do trabalho da Rewilding Portugal, percorreu a pé alguns dos trilhos mais desafiantes do planeta, atravessando cinco continentes e enfrentando altitudes extremas, florestas densas, intempéries e estradas intermináveis. Fê-lo em nome de um ideal: angariar fundos para tornar Portugal um lugar mais selvagem.
O resultado dessa jornada épica foram mais de 8.300 km a pé e 8.817 euros angariados, que esta semana foram oficialmente entregues à Rewilding Portugal, organização que trabalha no restauro ecológico do Grande Vale do Côa. O último troço foi percorrido no coração da área rewilding do Ermo das Águias, acompanhado por amigos, familiares e pelo diretor executivo da organização, Pedro Prata, que se juntou para este último momento de caminhada. O Centro Rewilding de Vale de Madeira foi mesmo a meta final deste desafio.
“Talvez seja um bocado normal acharem isto uma loucura… agora que estou a caminhar, até eu acho”, dizia-nos o Fábio no arranque da aventura. Mas a loucura cumpriu-se, por uma causa maior.
Um passo atrás do outro — com um propósito
A ideia nasceu depois de Fábio ter concluído, em 2019, o Pacific Crest Trail (PCT), nos EUA, com 4.300 km percorridos em 108 dias. Sonhava, desde então, com algo maior e mais exigente, que unisse o desafio físico a uma causa ambiental. Encontrou essa missão ao conhecer o trabalho da Rewilding Portugal.
“No fim de 2022 conheci a Rewilding Portugal e fiquei apaixonado pelo trabalho… tão apaixonado que decidi que era esta a causa mais importante para mim neste momento”. Durante a caminhada, Fábio criou uma campanha de crowdfunding — ativa até 20 de julho — e reuniu mais de 300 contribuições de todo o mundo.
A jornada começou em outubro de 2024 no Nepal, onde Fábio enfrentou um revés imediato: “No primeiro dia, o único percurso que fiz foi até ao hospital… Fui diagnosticado com dengue e tive de ficar mais 10 dias em repouso”. Mesmo assim, optou por fazer a aproximação ao campo-base do Evereste desde Catmandu a pé, superando altitudes extremas sem dias de aclimatização. Seguiu-se a Nova Zelândia, onde atravessou o Te Araroa Trail, com cerca de 3.000 km, enfrentando terrenos difíceis e clima imprevisível.
“Muito tempo em florestas, que adoro, mas quase sempre com muita lama onde cheguei a fazer 1 km por hora, muita chuva, atravessar rios onde é preciso esperar pela hora certa, muitos km em estrada que me rebentaram os pés… Mas é o trilho. Por isso, é aceitar e caminhar.”
Já na ilha Sul, percorreu a via alpina das Richmond, num dos trechos mais duros da viagem: “Fiz mais de 250 km com mais de 9 mil de acumulado positivo. Tenho passado por muita gente que demora entre 10 a 14 dias para fazer isto, e muitas delas apanham boleia na parte da estrada”, dizia-nos na altura.
Mais tarde, nos EUA, completou o Appalachian Trail, passou pela Patagónia chilena, pelo Atlas marroquino e, por fim, regressou a Portugal — como sempre quis, terminando no coração da causa que apoiou, o Grande Vale do Côa.
Entre superação, frustração e maravilhamento
Sem preparação detalhada, Fábio confiou na sua experiência e capacidade de adaptação: “A minha preparação foi vir, vir e começar. E pelo meio ir adaptando-me ao terreno, às circunstâncias, a tudo”, sendo que a caminahda foi também um teste psicológico, já que a solidão de um percurso destes quando combinada com dores e cansaço tenta sempre encontra formas de fazer desistir, mas o Fábio resistiu a todos esses desafios.
Na memória, guarda imagens poderosas que aumentaram ainda mais o seu vínculo com o mundo natural: “Os momentos que mais me marcam são os que eu chamo de National Geographic, aqueles em que sinto que sou parte da natureza… como quando cheguei ao topo do Nangkartshang, a mais de 5 mil metros de altitude, sozinho, só eu e montanhas de picos brancos em volta”. Foram mais de 8.000 quilómetros recheados de encontros inusitados e especiais com vida selvagem. A observação de urso em estado selvagem foi um daqueles momentos que o Fábio guarda agora para a vida toda.
Donativo com impacto real no terreno
A Rewilding Portugal aplicará os 8.817 euros angariados num sistema inovador de fotoarmadilhagem com deteção automática de espécies, que permitirá: detetar automaticamente espécies captadas por câmaras de fotoarmadilhagem; acelerar a resposta em casos de identificação remota de espécies ameaçadas ou até extintas localmente por exemplo; reduzir o esforço manual na análise individual de milhares de imagens e assim reforçar de forma significativa a capacidade de monitorização ecológica no Grande Vale do Côa por parte da equipa da Rewilding Portugal.
A motivação de Fábio para apoiar o movimento de rewilding é clara: “Eu acredito que nós somos parte da natureza e que ela tem inúmeros benefícios em nós, físicos e mentais… Quero muito ver Portugal mais verde e selvagem. E vocês estão a fazer um trabalho muito bom sobre isso”, disse no momento da entrega deste valor.
A campanha de crowdfunding está ativa até domingo, 20 de julho, e ainda é possível contribuir aqui: https://www.gofundme.com/f/por-um . Depois desse dia, Fábio Inácio vai juntar todo o valor doado na plataforma ou diretamente para si e fazer então a entrega definitiva à Rewilding Portugal.
Fonte: Rewilding Portugal