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Divulgado esta segunda-feira, este é o relatório mais extenso algum dia produzido sobre os impactos negativos da atividade humana na natureza: segundo a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistema (IPBES), da ONU, há um milhão de animais e plantas sob ameaça de extinção no planeta e o ritmo está a acelerar.
A natureza está condenada ao declínio, a menos que os modelos de produção e de consumo sejam alterados, avisa o mesmo documento, da autoria de um grupo de especialistas que traça um futuro sombrio para a espécie humana, dependente da natureza para beber, comer, respirar, aquecer-se e até curar-se.
“Estamos a desfazer as próprias fundações das nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”, alerta Robert Watson, presidente da IPBES, citado pela agência France-Presse (AFP).
O estudo foi feito por 145 cientistas de 50 países, com a contribuição de 310 outros investigadores. Baseia-se na pesquisa da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e na lista das espécies ameaçadas. Durante o trabalho de três anos, foi feita uma revisão de mais de 15 mil investigações científicas e consultadas fontes governamentais.
Os cientistas destacam cinco principais causas para o atual impacto na natureza:
- perda da habitat natural
- exploração das fontes naturais
- mudanças climáticas
- poluição
- espécies invasoras
De acordo com o relatório das Nações Unidas, 75% do meio ambiente terrestre “foram severamente prejudicados” pelas atividades humanas – desde desflorestação, a agricultura intensiva, pesca excessiva ou urbanização desenfreada.
No mar, 66% do ambiente também foi afetado.
Estima-se que existam no planeta perto de oito milhões de espécies animais e vegetais. Um milhão está ameaçado de extinção, “muitas dessas espécies nas próximas décadas”.
A primeira “extinção em massa” da responsabilidade do Homem
Desde 1960 que pelo menos 680 espécies de vertebrados foram extintas. Segundo o relatório da IPBES, desapareceram 559 raças domesticadas de mamíferos usados para alimentação, refere a agência Associated Press.
Mais de 40% das espécies de anfíbios do mundo, mais de um terço dos mamíferos marinhos e cerca de um terço dos tubarões e peixes estão ameaçados de extinção.
Em março, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) calculou que existem 27.159 espécies em perigo, ameaçadas de extinção ou extintas na natureza, entre quase 100 mil espécies analisadas em profundidade por estes biólogos.
Neste grupo estão 1.233 espécies de mamíferos, 1.492 espécies de aves e 2.341 espécies de peixes. Quase metade das espécies ameaçadas são plantas.
Dados que vão ao encontro daquilo para que muitos cientistas alertam há vários anos, ou seja, o início da sexta “extinção em massa” – que não é mencionada no relatório – e a primeira pela qual o homem é responsável.
“Não é tarde demais para agir, mas só se for já” e através de “uma mudança transformadora” na sociedade que faça desacelerar os “motores” da perda de biodiversidade que ameaça o homem pelo menos tanto como as mudanças climáticas, defendeu Robert Watson.
Os “culpados”
No documento, em que 450 especialistas trabalharam durante três anos, estão claramente identificados os cinco culpados por ordem de importância, a começar no uso da terra (agricultura, desflorestação), exploração direta dos recursos (pesca, caça), alterações climáticas, poluição e espécies invasoras.
Se o Acordo de Paris, que define a redução da emissão dos gases de efeito de estufa, pretende diminuir o aquecimento global em 2º, fosse cumprido, as alterações climáticas poderiam descer no ‘ranking’, agravando os outros fatores.
No entanto, outras ações para reduzir as emissões de CO2 também poderiam trazer benefícios diretos para a natureza, ajudando a quebrar este círculo vicioso.
O relatório da ONU refere como primeiro alvo o sistema agroalimentar, apontando que alimentar cerca de 10 mil milhões de pessoas em 2050 de forma sustentável implica uma transformação da produção agrícola (agroecologia, melhor uso da água), mas também hábitos de consumo (dieta, desperdício).
De acordo com a AFP, que teve acesso a um primeiro relatório preliminar, houve uma suavização na abordagem à questão da produção e consumo de carne, provavelmente por pressão dos vários países produtores.
Apesar de este relatório apontar muitas pistas, a questão agora é saber se os países membros da Convenção das Nações sobre a Diversidade Biológica vão estabelecer na agenda da próxima reunião, na China, em 2020, os objetivos esperados pelos defensores do meio ambiente por um planeta sustentável em 2050.
O relatório do IPBES apresenta outras ferramentas que os países poderão adotar para melhorar a sustentabilidade do sistema económico, tal como quotas de pesca efetivas ou uma reforma nos apoios públicos e na fiscalidade, defendendo mesmo que se abandone o dogma do crescimento.
Citado pela AFP, um outro autor do relatório, Eduardo Brundizio, defendeu que é preciso definir como objetivo a qualidade de vida e não o crescimento económico, mas recusou que esteja em causa a possível extinção da espécie humana, apesar de depender da natureza para viver.
O documento das Nações Unidas destaca também que a qualidade de vida irá degradar-se ainda mais entre os mais pobres e nas regiões onde vivem populações autóctones muito dependentes da natureza.