O sector agroindustrial tem, ao longo dos últimos 50 anos, sofrido importantes transformações. Arrisco-me a dizer se há sector que, nos últimos 20 anos, tem conseguido “responder à chamada” é este onde me incluo. Em momentos de crise e recuperação económica é resiliente, tal como referido no “estudo Covid-19 – Impacto na economia portuguesa” elaborado pela Informa D&B e que conclui que este “está pouco exposto à crise Covid-19”.
Para entendermos o presente e preparar o futuro é preciso estudar o passado (e não repetir erros). Nos anos 70 do século passado, Portugal caracterizava-se por uma forte componente agrícola “tradicional”, mas em áreas específicas era uma referência. Em muitos casos éramos autossuficientes e os centros de investigação estatais eram fontes do saber em sintonia com o interesse empresarial. Com a revolução de abril de 1974, e a reforma agrária consequente, deu-se o início dum período conturbado.
Com a entrada na CEE (1986), e apesar de uma primeira fase desorganizada (onde alguns sectores e estruturas produtivas/industriais/investigação foram abandonados), a realidade é que os dinheiros “Comunitários” e o correspondente “Apoio Estatal” permitiram a concretização de investimentos estruturantes (sendo a “bandeira” o “Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva” que transformou 150 mil hectares de sequeiro em regadio) e a modernização do sector. O peso da agricultura nacional em 1970 andava nos 12% do PIB, em 1999 em cerca de 2% do PIB encontrando-se atualmente nos 4%.
Existe hoje em Portugal uma agricultura rigorosa, competitiva, criadora de emprego, exportadora e sustentável. Em algumas áreas somos referências, como na do azeite, tomate, pequenos frutos, hortícolas de especialidade, frutos secos, entre outras. Temos empresários dinâmicos, orientados para o mercado e com uma forte formação em gestão. E técnicos preparados, muitos de uma nova geração e que seguramente vão criar ainda mais valor. Acrescento que fixa população no interior, evitando a sua desertificação e ajudando na prevenção de incêndios e defesa do ambiente e ecossistemas.
Relativamente ao futuro, começo pelo estudo do Eng.º António Costa e Silva “Visão Estratégica 2020-2030”. Na minha opinião é um contributo muito válido, generalista é certo, mas que deve ser considerado um princípio e servir de base para a reflexão urgente que o País necessita (quer se concordem ou não com as ideias). Não percamos mais tempo com outros estudos nem com protagonismos. Aprofundemos este com espírito de Equipa e Missão, porque é nossa responsabilidade para com as próximas gerações. No que respeita à agricultura há ideias a meu ver correctas, sendo agora urgente trabalhar com as associações sectoriais para a definição de prioridades, planos de acção, execução e monitorização.
Vêm 68,7 mil milhões de euros para Portugal, estando aqui incluídos os apoios relacionados com a PAC – Política Agrícola Comum da União Europeia que para o período de 2021-2027 terá um “envelope” de 9,8 mil milhões de euros para pagamentos diretos, medidas de mercado, desenvolvimento e investimento.
Temos uma oportunidade única que não podemos desperdiçar e, desta forma, deixo as medidas que considero imprescindíveis para os próximos anos, dividindo-as em estratégicas (relacionadas com políticas) e empresariais (relacionadas com os investidores):
Medidas estratégicas:
- Não mudar o que está a correr bem;
- Aprofundar as linhas de investimento em parceria, como a atual linha FEI – Fundo Europeu de investimento/Bancos Comerciais;
- Apoiar sem reservas a agricultura responsável, com rastreabilidade, competitiva, de escala, de desenvolvimento social e que mitigue as alterações climáticas;
- Apoiar os projetos de aquacultura de elevado potencial, com uma avaliação rápida, séria, imparcial e sem fundamentalismos;
- Tal como Eng.º António Costa e Silva refere, “Explorar as sinergias com outras áreas e identificar novas atividades de potencial crescimento económico, apostando nas cadeias curtas que asseguram criação de valor entre a agroindústria, o turismo, a restauração e a gastronomia, criando polos dinamizadores do desenvolvimento local”;
- Definição clara do papel do Banco Português de Fomento e que seja, de facto, de apoio directo às empresas (e sua capitalização), de apoio às obras públicas estruturantes (exemplo perímetros de rega) e de apoio às exportações e internacionalização;
- Sem água não há agricultura competitiva e é por isso que são tão importantes os investimentos em perímetros de rega que levam água às explorações agrícolas. Muitos deles são do tempo do “Estado Novo”, alguns a necessitar de investimento urgente de modernização e que evite o desperdício de água. Acrescento que há casos de subaproveitamento em termos de utilização, isto porque a dimensão da exploração não o permite, tendo o Estado a obrigação de delinear uma estratégia de maximização destes investimentos públicos;
- Formação do Talento do Ministério de Agricultura e dotá-lo de meios para que possam estar mais preparados no momento de avaliação dos projectos de investimento;
- Fomentar a investigação pública em estreita conexão/parceria com as necessidades empresariais;
- Apoios à contratação e retenção de Talento: o sector agrícola não está abrangido, por exemplo, pela iniciativa “+CO3SO” que permite a contratação para os “territórios do interior”;
- Que os Ministérios se integrem, comuniquem e decidam rápido. Há situações “arrepiantes” em termos de interpretação de legislações (e burocracia) que criam total entropia na hora de investir;
- Naquilo que se considera a “redução parcial do movimento de globalização” é necessário o “reforço da cooperação no espaço da lusofonia” como bem diz o Eng.º António Costa e Silva. Na minha opinião, e no contexto em que vivemos, o País deveria delinear uma estratégia global de abastecimento aproveitando estas sinergias;
- Em termos de produção, logística e mercado, transformar Portugal num player não só europeu, mas atlântico;
- Responsabilização clara de quem atribui os dinheiros públicos/comunitários e os utiliza.
Medidas empresariais:
- Ser inflexível relativamente aos parâmetros de segurança e qualidade alimentar, social e ambiental;
- Aproveitar para ter operações excelentes e imbatíveis em termos de execução. Criar condições para fazer melhor, mais rápido e mais barato;
- Desenvolver uma política de comunicação proactiva e integrada do que de tão bem se faz e produz em Portugal;
- Continuar com o processo de inovação, evolução tecnológica e do desenvolvimento de know-how e Talento dentro das empresas;
- Aproveitar o espaço da Lusofonia para o desenvolvimento das actividades;
- Pragmatismo e pensamento a médio longo prazo.
Termino com uma citação do Professor Daniel Bessa relativa aos Fundos que virão e que merece reflexão (Jornal Expresso): “Uma Pátria ditosa, esta, que se permite celebrar 68,7 mil milhões de euros recebidos sem, por um momento, se interrogar sobre quem os pagará”. Completo que cada euro que se investir tem de ter retorno. Não deve ser um custo. Tem de ser monitorizado e responsabilizado. As gerações futuras merecem isso!