Um estudo científico analisou, de forma sistemática, a relação entre pessoas e florestas entre 1975 e 2020, nas grandes regiões do mundo. O objetivo? Compreender se as populações humanas estão mais afastadas ou mais próximas das florestas, para saber como e onde atuar para que possamos beneficiar destes ecossistemas, protegendo-os e reduzindo riscos.
A relação entre pessoas e florestas tem vindo a alterar-se significativamente há várias décadas, fruto das mudanças demográficas e das dinâmicas de uso do solo, nomeadamente da urbanização e dos processos de desflorestação ou reflorestação.
Vários estudos têm abordado este tema, mas esta investigação, apoiada pelo Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia e publicada na revista Nature Communications Earth & Environment, propôs-se fazê-lo a partir de três métricas: Área Florestal por Pessoa, Proximidade Física à Floresta e um novo indicador Nexo Floresta-Humanos.
Trata-se de uma análise espaciotemporal abrangente, que engloba as várias macrorregiões do mundo e um período de 45 anos. Denominado “45-year global analysis of the spatial human forest nexus”, o estudo confirma que existiram alterações significativas nas três métricas na maioria das grandes regiões do globo desde 1975, com vincada heterogeneidade de realidades entre locais.
A métrica mais abrangente (Nexo Floresta-Humanos) é reveladora destas clivagens, que retratam uma evolução mais favorável na proximidade dos europeus às florestas, mas um afastamento crescente em várias regiões tropicais e em desenvolvimento, as quais contam historicamente com vastas áreas de florestas:
O Sul e o Ocidente da Europa foram as duas zonas do globo em que as populações se tornaram mais próximas das florestas, o que é consistente com um conjunto de dinâmicas, já antes documentadas, onde se incluem estratégias de reflorestação e de planeamento de áreas verdes urbanas, bem como de regresso de partes da população a zonas rurais (mais florestadas). Também com tendência positiva, da aproximação à floresta, estão a Oceânia e o Sul da Ásia.
Em sentido inverso, a África Central, o Sudeste Asiático e a América do Sul são as grandes regiões em que se observou um maior distanciamento entre populações humanas e florestas. Rápida urbanização, conversão de zonas florestais em campos agrícolas e aumento populacional concentrado em zonas costeiras e periferias urbanas (mais do que em áreas florestais) são fenómenos igualmente documentados e consistentes com os padrões identificados.
Nestas regiões tropicais o afastamento é reflexo de inúmeros fatores de stress e sublinha a necessidade de intervenções locais, pensadas e implementadas à medida.
Área Florestal por Pessoa reduz-se globalmente – Europa é exceção
O estudo indica um declínio global representativo da Área Florestal por Pessoa entre 1975 e 2020, que reflete, em geral, o efeito combinado do aumento da população e da desflorestação em muitas regiões.
Contudo, as tendências diferem muito entre zonas do globo.
Por exemplo, o Centro, o Oeste e o Este africanos registam as maiores reduções (-77,8%, -74,0% e -73,6%, respetivamente). Ainda assim, a África Central mantém-se como uma das regiões que tem maior área média de floresta por habitante.
Já o Sul europeu destaca-se como a região do mundo com o aumento mais consistente de Área Florestal por Pessoa ao longo dos 45 anos (24,5%). A Europa Ocidental segue a mesma tendência, mas com um acréscimo muito modesto (1%). Na Europa, é a combinação entre uma população estável ou a decrescer e o aumento da área florestal que permitem este retrato mais positivo.
Pessoas mais próximas das florestas pelo aumento populacional
A métrica Proximidade Física à Floresta analisa quantas pessoas vivem em localizações até cinco quilómetros de zonas florestais, distância que tem sido considerada facilitadora do acesso à vivência da floresta.
Globalmente, observou-se um aumento médio consistente da proximidade física das populações à floresta, padrão que o estudo atribui ao aumento da população mundial mais do que à expansão das florestas ou à deslocação de populações para zonas florestais.
Contudo, também neste indicador são observados padrões diferenciados entre macrorregiões, que se tornam mais vincados se for descontada a variável relativa ao aumento populacional. Por exemplo:
– Na Europa, a fração das pessoas que vivem mais próximas das florestas aumentou 40%, o que poderá refletir a expansão urbana junto de áreas florestadas e a maior valorização dos espaços verdes, com o planeamento urbano a criar mais cinturas verdes e parques florestais.
– Em África registou-se 40% de decréscimo, com a desflorestação de grandes áreas e o aumento de zonas urbanas e campos agrícolas a não compensar os esforços de conservação e expansão das áreas florestais.
Nexo Floresta-Humanos: populações europeias mais próximas das florestas
Ao contrário das métricas anteriores, que foram já aplicadas noutros estudos científicos, o presente trabalho introduz o indicador composto Nexo Floresta-Humanos, que integra o número de pessoas a viverem perto da floresta, a área de floresta per capita e a distância média das populações à floresta mais próxima, proporcionando uma perspetiva mais completa sobre as relações entre as pessoas e as florestas.
Esta análise suplementar confirma trajetórias regionais divergentes na relação floresta-humanos ao longo destes 45 anos e a análise destes padrões sublinha a necessidade de implementar abordagens de sustentabilidade e conservação individualizadas e adaptadas aos contextos socioecológicos de cada perfil regional.
Os dados identificados permitem traçar um percurso evolutivo mais consistente do afastamento ou aproximação às florestas, região a região, entre 1975 e 2020:
– Regiões europeias: todas as regiões europeias registaram uma evolução positiva, ou seja, as populações humanas europeias ficaram mais próximas das florestas ao longo do período em análise. A alteração mais substancial registou-se no Sul da Europa (55,20%), seguindo-se Europa Ocidental (25,14%), Norte da Europa (8,21%) e Leste europeu (5,81%). A evolução poderá ser explicada por “uma combinação entre populações estáveis ou a decrescer, aumento de áreas florestais e maior integração do planeamento urbano-florestal”, refere a informação suplementar que acompanha a publicação.
– Regiões asiáticas: a maioria das regiões asiáticas apresentaram um percurso favorável. O Sul da Ásia (18,3%) foi aquela em que as pessoas se tornaram mais próximas das florestas, mas houve aproximações também na Ásia Central (12,95%), no Oeste da Ásia (9,47%) e no Este asiático (5,56%). A exceção vai para o Sudeste asiático, com uma tendência negativa acentuada (-31,2%), sugerindo “uma severa degradação da acessibilidade às florestas nesta região, associada provavelmente à desflorestação rápida, conversão em plantações agrícolas e elevadas taxas de aumento populacional”.
– Regiões africanas: a maioria das regiões africanas revela tendências negativas, com a África Central a registar o declínio mais acentuado (-33,66%) e também o mais preocupante, “dada a sua importância como sumidouro global de carbono florestal e hotspot de biodiversidade”. Também com percursos de afastamento estão a África Ocidental (-6,44%), a África Oriental (-6,39%) e a África Austral (-0,92%), refletindo, provavelmente, a conjugação de pressões diversas, nomeadamente aumento populacional, expansão da agricultura e da extração de recursos. Neste continente, a exceção vai para o Norte de África, que apresenta uma tendência positiva (2,82%).
Regiões americanas: Norte e Sul da América apresentam padrões negativos, embora a diferentes intensidades. A América do Sul evidencia um afastamento entre pessoas e florestas mais significativo (-17,55%), reflexo das pressões contínuas de desflorestação da Amazónia e de outras áreas tradicionalmente muito florestadas, associadas a alterações na distribuição populacional. Na América do Norte, a tendência é mais ténue (-1,84%), sugerindo relações floresta-humano em ligeira deterioração.
Oceânia: encontrou-se uma forte tendência positiva (25,88%), comparável à da Europa Ocidental, indicando melhorias nas relações floresta-humano, o que pode refletir práticas eficazes de gestão florestal, padrões populacionais estáveis e, possivelmente, esforços de reflorestação.
Em várias das regiões, as mudanças neste Nexo Floresta-Humanos aconteceram de forma gradual, mas há vários casos de pontos de viragem acentuados, que podem fornecer pistas importantes para compreender dinâmicas históricas e prever futuras trajetórias. Por exemplo:
– No Sul da Europa, as pessoas começaram a estar mais próximas das florestas desde 1985-90, período em que um modesto Nexo Floresta-Humanos começou a transformar a região naquela que apresentava, em 2020, a mais robusta conexão entre as pessoas e as áreas florestais.
– A África Central registou um ponto de inflexão crítico entre 1995 e 2000, quando um afastamento moderado se agudizou dramaticamente. No Norte deste mesmo continente, o ponto de viragem deu-se mais tarde e em sentido inverso: já em torno de 2010, passou-se do declínio à recuperação da proximidade entre pessoas e florestas, sugerindo recentes alterações nas políticas ou nos padrões de uso do solo.
– A trajetória mais incerta, com mais pontos de viragem (em 1985, 1990, 1995, 2005 e 2015) observou-se no Sul da Ásia e acabou por se saldar numa tendência positiva. Já a Ásia Central conseguiu inverter uma situação de afastamento e transformá-la num caso de forte aproximação à floresta por volta de 1985.
Proximidade à floresta: colher os benefícios prevenindo os riscos
Ao oferecer uma análise espaciotemporal detalhada, com uma métrica dedicada a compreender as interações entre humanos e florestas, este estudo procura apoiar decisores políticos, conservacionistas, profissionais de desenvolvimento e investigadores na promoção de relações mais sustentáveis entre as comunidades humanas e os ecossistemas florestais.
Esta quantificação pode, assim, apoiar o planeamento dos territórios, ajudando a determinar as intervenções que devem ser consideradas para equilibrar as necessidades humanas e a conservação das florestas, assegurando a sustentabilidade das paisagens florestais para as futuras gerações.
Fazê-lo requer promover a proximidade à floresta para que mais pessoas usufruam destes espaços e dos múltiplos benefícios que proporcionam os seus serviços de ecossistemas: das madeiras e alimentos silvestres à retenção de carbono, purificação da água e ar ou regulação do clima, passando pelo lazer e bem-estar. Em paralelo, uma maior proximidade às florestas pode ainda aumentar a consciência ecológica entre os cidadãos e fomentar iniciativas de conservação.
Contudo, esta aproximação pode também comportar aspetos negativos, que devem ser considerados e prevenidos, em particular quando decorrem da interferência humana na estrutura e saúde das florestas: pela construção de áreas urbanas onde antes existiam zonas florestais ou pela instalação de campos agrícolas às custas da sua fragmentação, por exemplo.
Nestas situações, podem existir riscos para ambas as partes: por um lado, os riscos de desflorestação, fragmentação e degradação das florestas e dos seus habitats, com perda de biodiversidade e serviços de ecossistemas; por outro, os riscos para o bem-estar e saúde humana, tanto os que decorrem das perdas de serviços de ecossistemas, quanto os que estão associados às potenciais doenças transmitidas pelo contacto com a fauna selvagem (zoonoses), que tendem a aumentar pela perda de habitat e pelo avanço humano em zonas de floresta primária.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.