A Estratégia Nacional dos Territórios Inteligentes (ENTI) foi publicada através da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) nº 176/2023 de 18 de dezembro. Nela se refere não apenas a definição da estratégia propriamente dita, como, também, o plano de ação da ENTI (anexo II) e a arquitetura de referência para as plataformas de gestão urbana, ARPGU (anexo III). Este é um bom pretexto para apresentar aqui um território inteligente, o parque agroecológico municipal e/ou intermunicipal, que pode reunir todas as características de um novo lugar central na economia da rede urbana das áreas de mais baixa densidade.
O conceito de parque agroecológico inscreve-se na linha dos ecossistemas de base territorial que podem ser definidos e observados em várias escalas territoriais. Uso como exemplo a região do Algarve para realçar esta multiescalaridade da rede territorial. Assim, podemos ter o parque agroecológico da campina de Faro (1) para um território essencialmente periurbano. Podemos ter o parque agroecológico para uma rede urbana de proximidade (2), por exemplo, a ecopólis de Faro-Olhão-Loulé-S. Brás. Podemos ter o parque agroecológico de uma unidade de paisagem (3), por exemplo o barrocal algarvio. Finalmente, podemos ter o parque agroecológico intermunicipal (4) correspondente à área de uma comunidade intermunicipal (CIM) como o Algarve ou às sub-regiões do sotavento e barlavento.
Nesta agroecologia de uma rede urbana, as estruturas ecológicas municipais, as infraestruturas e os corredores verdes terão um lugar proeminente na programação e planeamento do território, assim como na prevenção e na terapêutica urbanas. Estas infraestruturas ecológicas, que eu aqui designo como os operadores biofísicos da rede urbana serão essenciais na projeção da rede e sua consistência territorial, pois elas funcionarão como as placas giratórias do parque agroecológico e, portanto, da própria rede urbana intermunicipal. Para lá destes operadores principais, recordo, ainda, outros operadores que podem funcionar como pontos focais do parque agroecológico da rede urbana, tudo dependendo da escala territorial adotada e, obviamente, das opções políticas tomadas: as redes integradas de micro geração energética, a bio regulação climática, o sequestro do carbono, a floresta de fins múltiplos, a rede agroalimentar intermunicipal, os lagos bio depuradores e a compostagem urbana, a construção de amenidades recreativas, o restauro e promoção de serviços de ecossistema, mas, também, a formação de comunidades de risco para a prevenção e o combate às alterações climáticas, comunidades locais de habitação, ensino e saúde pública, comunidades locais de saúde ambiental, comunidades locais (cohousing) para apoio à sociedade sénior (serviços ambulatórios), comunidades locais para a gestão de aldeias turísticas, quintas pedagógicas e recreativas e bancos de residências e alojamento local, etc. Em todos estes casos, o parque agroecológico funciona como um território inteligente da rede urbana intermunicipal que pode dar coerência ao conjunto dos pontos focais mencionados se formos capazes de cumprir algumas exigências mínimas indispensáveis. Senão, vejamos.
Em primeiro lugar, o parque deve subscrever um protocolo colaborativo com a escola profissional agrícola e a escola superior agrária mais próximas tendo em vista criar um banco de estágios de investigação-ação em estreita associação com o clube de produtores do parque entretanto constituído. O objetivo final é estimular o surgimento de jovens empresários rurais e a criação de uma rede de cooperação e extensão agro rural.
Em segundo lugar, o parque agroecológico está incumbido de administrar um banco de solos com o propósito de dar acolhimento aos jovens empresários locais e, assim, promover a rede agroalimentar local e multilocal, bem como a rede urbana de circuitos curtos de comercialização.
Em terceiro lugar, o parque agroecológico é a estrutura de acolhimento preferencial do clube de jovens empresários rurais (JER) e respetivas start-ups em íntima associação com os centros de investigação, os laboratórios colaborativos e os grupos operacionais de investigação e, muito em especial, o local de acolhimento do centro partilhado de recursos digitais, a plataforma de coworking e a residência para jovens estagiários de todo o mundo que desejam colaboram com o parque em regime de trabalho voluntário nas atividades de investigação e extensão do parque.
Em quarto lugar, os serviços públicos de agricultura, ambiente e alimentação e a gestão circular correspondente devem contratualizar com o parque a instalação, nos espaços do parque, dos seus departamentos de formação, planeamento, experimentação e extensão, um acolhimento que pode ter lugar em quintas experimentais, pedagógicas, recreativas para todos os públicos e, em especial, para os mais jovens e mais idosos.
Em quinto lugar, o parque agroecológico da rede urbana intermunicipal é um lugar privilegiado para a visitação turística, científica e cultural, se pensarmos na observação dos endemismos locais, na observação de aves, nos percursos de natureza, no desporto de orientação, nas artes da paisagem e nas múltiplas atividades de agroturismo e turismo rural com a participação direta dos visitantes nas rotinas do trabalho diário.
Em sexto lugar, o parque agroecológico, em qualquer das suas escalas, tem uma responsabilidade especial na comunicação simbólica dos seus diversos sinais distintivos cujo valor imaterial é decisivo para valorizar a sua carteira de bens e serviços, assim como os seus mercados de nicho, denominações de origem, indicações geográficas, marcas coletivas, produtos de artesanato, destinos turísticos, gastronomia e identidade cultural.
Em sétimo lugar, o parque agroecológico será socialmente e funcionalmente inclusivo e esta inclusão é promovida através do Casario do Parque que é dirigido, em primeira linha, aos desempregados de longa duração, às pessoas com deficiência mental, aos grupos de mobilidade reduzida e, em segunda linha, aos programas de envelhecimento ativo e trabalho voluntário; o casario do parque conta com a casa dos pequeninos, a casa dos velhinhos, a casa dos animais nossos amigos, a casa dos artesãos e dos artistas, a casa da educação primária, a casa da educação especial, a casa das sementes e das plantas, a casa de saúde, a casa da música, a casa de chá, etc.
Em oitavo lugar, o parque agroecológico terá alguns serviços de apoio, por exemplo: a rede de micro geração de energias renováveis (autonomia energética), unidade de compostagem e reciclagem, rede de recolha de água da chuva e tratamento de águas residuais, estufa de secagem de plantas e frutos, forno comunitário, unidades de produção artesanal de alimentos; o parque, para além da sua produção de alimentos, prestará, ainda, uma gama de serviços ambientais, nutricionais, de saúde pública, de terapêutica comportamental, serviços de educação especial.
Em nono lugar, o parque agroecológico terá uma rede colaborativa muito alargada e nessa medida utilizará as modernas plataformas digitais: uma rede dos amigos do parque, uma rede dos patrocinadores do parque, uma rede de crowd-learning e uma rede de crowd-funding, uma rede de voluntários, etc. Mas, também, uma rede de serviços de institutional food com lares, cantinas, hospitais, bancos alimentares, IPSS, restauração e minimercados e, ainda, um mercadinho do parque com periodicidade regular, assim como a criação de uma marca coletiva para os produtos do parque.
Finalmente, o parque agroecológico poderá ainda dispor, igualmente, nas áreas das artes, cultura e recreio de um Parque Aventura, Campo de Férias e Trabalho Voluntário, um programa permanente de estágios profissionais e residências permanentes, desde as artes da paisagem até às semanas artísticas, literárias e científicas.
Notas Finais
O parque agrícola terá uma área de influência muito alargada e embora na origem seja uma estrutura municipal ou intermunicipal pode e deve criar, para o efeito, um ator-rede para administrar as suas diversas plataformas, redes, parcerias e patrocínios. Por outro lado, e como diria o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, é preciso recriar a unidade da urbe-ager-saltus-silva. Face aos grandes desafios, é preciso construir áreas integradas de gestão paisagística que salvaguardem os dez vetores antes referidos. O parque agroecológico é uma via possível para criar uma tipologia muito variada de áreas sensíveis, desde as zonas ardidas até áreas de paisagem protegida, sempre com o objetivo de criar economias de rede e aglomeração, de tal modo que os seus efeitos de difusão fiquem retidos, tanto quanto possível, na respetiva área de influência.
Agora que se prepara uma estratégia nacional para territórios inteligentes, sobretudo em áreas de baixa densidade, é fundamental que, aos níveis regional (NUTS II) e sub-regional (CIM), haja uma coordenação efetiva de todas as medidas de política pública, pois é no quadro regional que os benefícios de contexto ganham escala, massa crítica e pensamento próprio. O parque agroecológico intermunicipal, pelo seu metabolismo particular, funcionalidades e hiperligações produtivas e criativas, é, seguramente, um novo lugar central nas relações cidade-campo e uma porta aberta para a 2ª ruralidade. De facto, pela gama de produtos e serviços que oferece o parque estimulará o rejuvenescimento e a atratividade territorial, assim como a formação de uma economia rural muito dinâmica. Só falta, mesmo, que esta nova responsabilidade – biodiversidade, produção biológica, serviços de ecossistema – seja plenamente reconhecida pela PAC e que esta economia agroecológica e biodinâmica seja eleita, dentro em breve, como o 3º pilar da PAC, caso contrário, estaremos, cada vez mais, à mercê das alterações climáticas e de uma nova tragédia dos comuns. Finalmente, seria importante que o PEPAC e o PT 2030 pudessem contemplar este instrumento de planeamento e intervenção em nome de uma agricultura de fins múltiplos em direção à 2ª ruralidade.
Professor Catedrático na Universidade do Algarve