No meu post anterior escrevi sobre a dissonância entre os objectivos do Estado (ordenar) e os objectivos dos privados (enriquecer) em matéria de emparcelamento.
Eu sei qual é o comentário habitual sobre isto: a ganância dos privados e o seu foco nos lucros não garantem a conservação de valores para os quais o mercado não estabelece um preço.
Uma das empresas da celulose, a ALTRI, pela primeira vez, comprou terrenos (cerca de cem hectares) estritamente com objectivos de conservação.
Não há novidade nenhuma no facto das empresas de celulose gerirem terrenos com objectivos de conservação, as plantações que gerem, seja em propriedade sua, seja em arrendamentos, estão todas certificadas, por razões de mercado, e para essa certificação é necessário que pelo menos 10% das áreas geridas sejam dedicadas à conservação (áreas de alto valor de conservação, na designação equívoca usada pelas entidades certificadoras, se não me engano, não é a minha área e não vou verificar esses pormenores).
As próprias empresas de celulose – a fileira do eucalipto, até há muito pouco tempo, era a única verticalizada, em que as empresas desenvolviam actividade desde a produção florestal até à pasta, ou mesmo o papel, nas fileiras do pinho e do sobreiro, a indústria não desenvolvia actividade relevante na produção florestal -, penso que também por razões reputacionais, ou sobretudo por razões reputacionais, isso não sei e não quero fazer processos de intenções, vão para além desses 10% e gerem áreas relevantes de conservação, e em expansão.
A ALTRI, de que estou a falar, gere mais de 10 mil hectares de áreas de conservação, tendo aumentado em 500 hectares as áreas de conservação, este ano.
Estas áreas, de maneira geral, eram áreas integradas nos seus sistemas de produção de eucalipto, resultando de áreas com menor interesse para a produção, ou com restrições legais, dentro de propriedades compradas e arrendadas para satisfazer os objectivos de produção florestal da empresa.
O que é novo é que, pela primeira vez, a empresa comprou terrenos sem qualquer interesse para a produção de eucalipto, estritamente para os gerir com objectivos de conservação, para atingir as metas a que a empresa se obrigou a si própria em matéria de conservação da biodiversidade.
Pessoalmente, acho que haveria um ganho social maior se estas empresas se dedicassem a comprar eucaliptais que não têm interesse nenhum para a produção de eucalipto e os reconvertessem em áreas de conservação (a Montis está a fazer isso, mas a uma escala e com recursos que não têm qualquer comparação com aqueles a que podem aceder uma Navigator, uma Altri, uma SONAE ou uma Amorim), independentemente de achar muito bem este novo passo de comprar terrenos estritamente com objectivos de conservação.
E é aqui que entra a falta de juízo do Estado.
O Estado português, a reboque de uma opinião pública que adapta o famoso “a culpa é do Passos”, para “a culpa é do eucalipto” para explicar todos os problemas da gestão florestal, resolveu escrever na lei que não pode haver novos povoamentos de eucalipto.
A base técnica e científica para essa opção não existe, pelo contrário, essa ideia contraria os resultados de 30 ou 40 anos de investigação sobre os impactos ambientais do eucalipto, mas acontece que sobre o eucalipto é impossível ter uma discussão cartesiana, trata-se uma matéria do domínio da fé, para a generalidade das pessoas.
Quais são os efeitos práticos desta opção?
A proliferação de plantações ilegais (aparentemente os defensores da lei seca aplicada ao eucalipto não conhecem os efeitos, documentados, dos efeitos da lei seca original) e a irracionalidade, ou pelo menos sub-optimização social, das acções dos agentes económicos.
Retomo aqui a minha observação de que poderia ser interessante ter a indústria a financiar a reconversão de eucaliptais caducos, sem interesse, de baixa produtividade, etc..
Num cenário de impossibilidade legal de novos povoamentos de eucalipto, a indústria terá muito dificuldade em empenhar-se na redução da área de eucaliptal, mesmo que associada a aumentos da produtividade da área restante, porque o que é racional é não ceder na área que existe de eucalipto, usando as áreas em que o eucalipto não tem interesse, nem para a indústria, como moeda de troca para a plantação de outras áreas mais interessantes para a produção.
Como esse processo de transferência de eucaliptos mal localizados para áreas mais produtivas, apesar de previsto na lei, passou a ser uma decisão administrativa, isto é, depende de um processo burocrático que, na prática, bloqueia a solução, continuamos a manter sucata florestal que não interessa ninguém e poderia ser reconvertida.
Alguns proprietários que se ofendem com uma certa generalização que faço da expressão “sucata florestal”, depois acabam a queixar-se de que têm umas cinco parcelas de eucalipto, que até preferiam e podiam transformar numa mancha de eucalipto única, mais eficiente e rentável, mas não o podem fazer (e acrescentam que, evidentemente, sobreiro é que não plantam porque plantar sobreiros é alienar a propriedade, para cortar um ramo tem de pedir licença, com a actual legislação) porque não os deixam plantar novas áreas de eucalipto, mesmo que reduzindo a área de eucaliptal noutro lado.
Talvez fosse tempo de nos deixarmos de regras parvas e de começar a fazer a avaliação concreta da legislação que vamos fazendo: o resultado de uma lei não depende das intenções dos legisladores, mas da forma como as pessoas reagem às regras estabelecidas, que é uma coisa muito difícil de prever, só a avaliação posterior dos efeitos das leis é que nos permitem ir aperfeiçoando progressivamente as regras para que dêm o resultado que se pretende.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.