Estando assumida pelos líderes europeus a Agenda Estratégica da União Europeia para 2024-29, a próxima semana pode ser muito relevante como “laboratório” do que podemos esperar para o próximo Mandato, pelo menos, da parte do novo Parlamento Europeu, com o primeiro Plenário a decorrer de 16 a 19 de julho em Estrasburgo.
De facto, para aqueles que consideram a política em Bruxelas “desinteressante”, os recentes resultados das eleições legislativas em França, em claro contraciclo com o alinhamento das europeias, e com divergências na extrema-direita num Parlamento muito fragmentado, teremos enormes (e novos?) desafios. A necessidade de diálogo, de consensos, e, sobretudo, de compromissos, vai marcar certamente a próxima legislatura.
Mais do que nunca, são necessários equilíbrios e bom-senso, políticas realistas e compreensíveis para os europeus, muito mais do que tem sido habitual no passado recente. Nunca a coesão e a coerência foram tão necessárias. Infelizmente não é o que está a acontecer nesta presidência da Hungria, que se antevia errática e que não está, infelizmente, a surpreender. Vejam-se as primeiras visitas do seu líder: Kiev, Moscovo, Pequim…e em plena Cimeira dos 75 anos da NATO, em Washington, um encontro com Donald Trump. No mínimo, desconcertante.
Com todos estes sinais contraditórios e numa semana em que o Parlamento vai ser chamado a reeleger a Presidente Ursula von der Leyen, existindo para tal a eventual necessidade dos votos dos Verdes, podemos ainda estar longe do tão desejado equilíbrio entre Agricultura e Ambiente.
Se os votos verdes forem absolutamente decisivos, não serão de excluir novos movimentos de protestos de agricultores, sobretudo se o caminho do anterior mandato não for invertido, se nada de novo acontecer nos PEPAC e na Estratégia “Do Prado ao Prato”, se continuarmos a manter regras diferentes nas importações de países terceiros comparativamente às que vigoram no mercado interno, em suma, se as políticas de Bruxelas não responderem às necessidades das zonas rurais e dos territórios e se não acautelarem a promoção da competitividade e sustentabilidade do setor agroalimentar. Sabemos que só com estas mudanças o setor pode ser encarado como tão digno como os demais, e isso é um fator essencial para que, por exemplo, os jovens sintam orgulho em trabalhar na Agricultura.
Não são a soberania e a segurança alimentar prioridades assumidas pela União Europeia nestes tempos de incerteza e volatilidade, de ameaças à paz na Europa, paz essa que tende a ser ainda mais frágil quanto mais divergências existirem entre os Estados-membros?
Numa altura em que tanto se fala (e bem) de defesa, que seja esse um dos principais desígnios das instituições europeias para os próximos 5 anos. Sim, porque Alimentação e Defesa, estão cada vez mais interligadas.
No entanto, a prossecução desta estratégia pressupõe, desde logo, um Comissário Agrícola politicamente forte, com grande capacidade de diálogo, e uma DG AGRI que se reposicione nas suas competências (e dimensão política) face a outras DG como a SANTE ou DG ENVI. A este tema voltaremos quando for conhecida a constituição da nova Comissão Europeia.
Mas não vai ser apenas a discussão do futuro da Presidente da Comissão Europeia e a primeira sessão do Parlamento Europeu que merece destaque na próxima semana.
Já no dia 15 de julho, segunda-feira, vai decorrer mais um Conselho Agrícola, com a discussão do tema da Desflorestação (EUDR) que aqui temos trazido com insistência nas últimas semanas.
A Áustria vai introduzir a temática, com uma abordagem mais ampla, e a coligação da cadeia de abastecimento, onde se integra a alimentação animal, representada pela FEFAC, endereçou uma carta aos Presidentes do Conselho, Comissão e Parlamento Europeu, com cópia para os Ministros da Agricultura, com um conjunto de argumentos bastante sólidos e evidentes, na qual se solicita o adiamento da entrada em vigor da legislação. Porque se reconhece que a União Europeia não está em condições de implementar a EUDR a partir de 1 de janeiro de 2025, e as consequências serão dramáticas, desde logo na soja e na pecuária, pela via da alimentação animal.
No entanto, não esqueçamos que estão ainda diretamente envolvidos os setores dos bovinos, café, cacau, palma, borracha e madeira. E, atente-se, que o anterior Parlamento Europeu pretendia incluir por exemplo os suínos e o milho.
A escassos meses do final do ano, sem respostas concretas às nossas preocupações e inquietações, é, no mínimo, aqui o reafirmamos, uma atitude de enorme irresponsabilidade.
Podem faltar matérias-primas e as que estiverem disponíveis, em condições de cumprir as exigências do Regulamento (?), só no caso da soja, podem custar mais 100,00 €/tonelada. Não queremos, nem precisamos de “greenwashing”, mas de verdade e transparência, sem defraudar a opinião pública e os consumidores.
Como lhe competia, a IACA endereçou cópia da exposição para o Ministro José Manuel Fernandes, analisou este tema com a DGAV e o GPP, existindo expetativas de que Portugal apoie as preocupações da indústria nacional e europeia.
De resto, vale a pena ler a entrevista do Ministro português na edição do Expresso em que se reconhece que o radicalismo verde não favorece a produção de alimentos e, obviamente, compromete a segurança alimentar.
Seja qual for o alinhamento dos Ministros da Agricultura – esperamos que favorável às posições que defendemos – é sabido que as competências da monitorização e controlo de toda esta legislação serão dos Ministros do Ambiente e das respetivas agências nacionais.
Por isso, sabemos que vai ser preciso continuar a lutar, esperar pela resposta da Presidente da Comissão e de uma posição firme do Conselho, da Hungria, e aí regressamos aos resultados do Plenário do Parlamento Europeu. Regressamos, também, aos Verdes e às pressões das ONG que insistem em saber o que estão a fazer as empresas, prontos para nos responsabilizar e “crucificar” na praça pública, na sua cegueira ideológica.
Que ao menos os Ministros da Agricultura, na reunião do AGRIFISH, tenham a coragem de apontar caminhos e iluminar as consciências da Presidente da Comissão, do Conselho e de quem tem a obrigação de os aconselhar.
Seria de uma enorme cobardia a ausência de uma qualquer resposta, “obrigando-nos” a recorrer aos Chefes de Estado e de Governo.
Na próxima semana, talvez consigamos perceber melhor a fibra dos nossos decisores!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
Teimosia ou irresponsabilidade? – Jaime Piçarra – Notas da semana