Em Odemira, o número de infetados aumentou muito, o que coincide com a época alta das explorações agrícolas. O concelho é um dos quatro na linha vermelha e esta segunda-feira é obrigado a recuar no desconfinamento. Protestam que são muitos mais e que a doença não afeta a população de risco, os seus velhos, e que muitos estão vacinados.
As ruas de S. Teotónio começam a encher-se a partir das 16:30, gente que carrinhas largam junto ao largo da igreja, mais conhecido pelo Quintalão. Imigrantes em plena idade ativa, na maioria homens, de chinelos, com sacos de plástico na mão, alguns usam turbante. Cruzam-se com os poucos locais, velhos, em direção a casas minúsculas e a dividir quartos pagos a peso de ouro. O mesmo movimento na madrugada seguinte em sentido oposto. Correm para o transporte que os levará às explorações agrícolas que encontram nos terrenos de Odemira terra fértil para produzir em quantidade e qualidade.
O concelho vai recuar nas medidas de desconfinamento esta segunda-feira com base na proporção de infetados por número de habitantes. Continua a ser envelhecido, com uma taxa de crescimento natural negativa, mas têm chegado milhares de imigrantes, estimando-se que representem mais 61 % além da população estimada (24 727).
Descendo pelo largo Luís da Camões, porta sim porta sim não se fala em português, apenas para cumprimentar quem se cruza. “Aparecem de todo o lado. Não me meto com eles e eles não se metem comigo, “bom dia, boa tarde, está tudo bem””, resume Georgina Francisca, de 81 anos, nascida no concelho.
Os vizinhos trabalham em explorações agrícolas a perder de vista, muitos deles contratados por empresas de trabalho temporário e prestadoras de serviços. São da Índia, Nepal e Bangladesh, substituindo os tailandeses, os romenos e os búlgaros, estes últimos da primeira vaga. Fluxos muito ditados pelas redes que colocam os imigrantes onde há falta de mão-de-obra e, por isso, fazem-se pagarem bem.
“Aqui havia muitos emigrantes, mas há dez anos não param de chegar estrangeiros. Há muito trabalho, os portugueses não querem trabalhar na agricultura, tiveram que meter os estrangeiros, que ganham menos. A minha filha viveu sete anos em Londres e diz: “Também vivi fora, eles têm direito a estar cá””, sentencia a dona Georgina, enquanto puxa o saco do lixo num carinho.
Passa pela casa onde vive Ravinder Kauer, 39 anos, com o marido e mais duas famílias: Harsh Singh, 17 anos, a mãe e a irmã; Amritpal Kauer, 30, e o filho, Arardeep, 10 anos. Três famílias de indianos, uma por quarto pelo qual pagam 300 euros. Partilham a cozinha, cozinham segundo uma escala, tal como organizam a hora do banho. Aquecem a água em panelas, o “esquentador avariou”.
Ravinder trabalha na G.O.Berrys, produção de frutos vermelhos, entre as 07:30 e 16:30, cinco dias por semana, ganha cerca de 700 euros por mês. Chegou a S. Teotónio em 2018, o seu desejo é ter sempre trabalho. “É um bom país, a empresa é boa, é fácil conseguir os documentos, as casas é que são um problema, são muito caras, não há muitos lugares”, queixa-se. Já visitou Albufeira e Fátima. Os filhos, de 15 e 17 anos, vivem na Índia, aproveitando para estudar com o dinheiro que os pais enviam para a família.
Mais à frente vivem Cliber Liabs e Prakash Tsapa, do Nepal, de 31 anos: três pessoas por quarto a pagar 130 euros por cabeça. Os preços do quarto depende do número de beliches, entre 100 e 150 euros por pessoa. Prakash chegou em 2019, depois das coisas não terem resultado na Alemanha. “Aqui foi fácil conseguir os papéis e tenho trabalho contínuo, não dependo das campanhas”. Ganha cerca de 850 euros mensais.
Contar a impossibilidade
Os censos 2021 estão no terreno e Ana Luís Vasques é a recenseadora que tenta dar expressão estatística à cartografia de S. Teotónio, uma jovem de 23 anos que trabalha no turismo local. Tem as casas digitalizadas, as verdes são as que são de habitação secundária ou estão vazias e são a maioria. As ocupadas estão a vermelho, onde “vivem sobretudo estrangeiros“.
Fala com eles em inglês, agora com Roby, um dos indianos que mora num primeiro andar. Ana Luís explica que estão a decorrer “as estatísticas de Portugal”. Pergunta-lhe se ali mora há mais de um ano ou se pretende permanecer durante esse período de tempo., os que têm de ser recenseados. Deixa-lhe uma carta com um código para aceder à página do Instituto Nacional de Estatística e se recensear a partir de 19 de abril, o chamado momento censitário. É um formulário por alojamento.
24 717 é a população estimada
O homem diz que sim e recolhe para o interior da casa. Mais à frente um sorriso, desta vez, de Narine, uma nepalesa. A conversa repete-se. Mais um sim, mais uma carta entregue. Dizem todos que sim, a incerteza é saber se vão recensear-se. Os resultados finais dos Censos 2021 logo o dirão.
O Serviço de Emigrantes e Fronteiras indica 9617 estrangeiros com residência legal, dados provisórios de 2020, o triplo de 2011 (3160). Sublinhe-se que indicam apenas quem regularizou a situação, um processo que leva mais de dois anos e que, agora, está parado devido à pandemia. As renovações dos documentos têm sido feitas de forma automática desde julho, com prazos que têm sido prolongados, atualmente até 31 de dezembro.
Os restantes, com um contrato de trabalho e inscrição na Segurança Social (artigo nº 88, nº 2, (lei nº 23/2007), fazem uma “manifestação de interesse” no portal do SEF, ou seja, um pedido para obter residência, regularizando a sua situação desta forma. Segundo José Alberto Guerreiro, o presidente da Câmara Municipal de Odemira (ver entrevista), os imigrantes podem ascender aos 15 mil na época alta, que coincide com a apanha da produção. Intensifica-se na primavera e vai até ao verão. Mas as autoridades de saúde estimam que o número varie entre as 8 mil e 20 mil.
9617 imigrantes diz o SEF
Com a pandemia, o Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) e a TAIPA só atendem por telefone, o que dificulta a perceção da realidade, segundo as suas dirigentes.
Entre 1 de julho de 2018 e 31 de dezembro de 2020 fizeram 6509 atendimentos. Os principais assuntos foram a regularização da situação, a renovação de residência temporária e o reagrupamento familiar. O ano passado atenderam 1690 imigrantes, 75 % dos quais homens, entre os 26 e 35 anos, nepaleses (37%), indianos (20 %) e brasileiros (13 %). E, pela primeira vez, sentiram um peso das questões relacionadas com o trabalho, ou a perda deste (7%) e o atendimento social e o acesso aos apoios da segurança social (6%), o que atribuem à covid.
“Este ano, a origem dos imigrantes mantém-se e circulam no próprio país. Já acontecia, por exemplo, os que trabalhavam na oliveira e vinham nesta altura para a apanha dos frutos vermelhos, a época alta. A diferença é que há muita gente que trabalhava maioritariamente no turismo e na restauração do Algarve“, explica Tânia Guerreiro, coordenadora e técnica do CLAIM Odemira.
Atividade agrícola
“Há um grande número de empresas que se dedicam à produção de frutos vermelhos, mas essa é uma história recente, na sua maioria instalaram-se nos últimos dez anos. É uma zona muito diversa a nível agrícola, tanto no que diz respeito às culturas como formas de produção”, explica Margarida Carvalho, diretora executiva da Associação de Horticultura, Fruticultores e Floricultores.
Aquele que é denominado pelo Perímetro de Rega do Mira, tem cerca de 12 mil hectares, dos quais, 7 mil dedicados à agricultura: 27% culturas forrageiras, (como o feijão) 22% hortícolas diversas, 16% pequenos frutos, 12% culturas arvenses (como cereais) e 11% flores e plantas.
Mais 15 a 20 mil pessoas
“Há muito pouco tempo que o concelho de Odemira vê a sua pirâmide de decréscimo demográfico inverter-se com a chegada dos imigrantes. Os locais tiveram que sair para procurar oportunidades de trabalho e de educação e, com o desenvolvimento da agricultura, a necessidade de mão-de-obra aumentou e recorreu-se ao estrangeiro. Em 2017, houve muitas empresas que não colheram a fruta porque não tinham mão-de-obra. Uma mudança da lei da imigração inverteu esta situação. Em 2018, 2019, 2020 e este, apesar da pandemia, há muita gente a