Estão as catástrofes em Veneza, Austrália e China, todas relacionadas com as alterações climáticas? Claro que as alterações climáticas não se mostram em episódios isolados, antes por tendências em conjuntos de séries (porque o clima é isso: valores médios em séries). Mas, fenómeno cada vez mais comum, sempre que algo dramático acontece, rapidamente se culpam as alterações climáticas. Este facilitismo em usar as alterações climáticas como raiz de todo o mal, nutre de elevada tolerância colectiva. Vivemos tempos de acção, e o alarmismo é visto como forma de a encorajar. “Vamos ser torrados, assados e grelhados” avisa Lagarde. A Comunicação Social seja com vontade de salvar a Terra ou de fazer manchetes bombásticas, ou ambas, amplifica o fenómeno. Assustam-se as pessoas com o apocalípse, e elas presdispõem-se a apoiar a acção climática. Mas isso não é bom? Muita gente pensa assim, e isso pode ser perigoso, especialmente para o mundo rural.
Nada mais natural que, confrontados com tal ameaça, queiramos “fazer alguma coisa”. Mas, fazer alguma coisa é… Política! Consequentemente, o tema torna-se permeável ao aproveitamento político. Que, da esquerda à direita, face ao potencial de poder e influência que uma sociedade assustada está disposta a dar, não se faz rogado. Afinal, tudo parece poder ser justificado e autoritariamente imposto, enquanto acção climática, uma carta-branca que os políticos agradecem. Não podemos permitir isto. Proibir carne de vaca? explorar lítio? energia nuclear? subsidiar transportes públicos nas grandes cidades com fundos ambientais? entraves ao leite ou à floresta de produção? subsidiar empresas de energia? aumentar arbitrariamente impostos? Fazer alguma coisa extravasa em muito a ciência climática. Sim, há margem para fazer muito e melhor, mas isto reclama a incorporação de muitos outros saberes – do empresário ao geógrafo, do hortelão ao agrónomo, do pastor ao florestal – e valores – há pessoas, que não podem ser portugueses de segunda, cuja vida pode ser castigada a troco de fanatismos contraproducentes.
Mas há mais. A cereja que colocamos no topo do bolo que, bem intencionados, oferecemos: um bode expiatório que isenta quaisquer responsabilidades. Voltemos a Veneza, Austrália e China. Grandes cheias em Veneza estão documentadas desde o longínquo ano de 782. Aconteceram também em 1966 ou em 1825, quando o clima era mais frio. Na Austrália, cresceu a resistência à gestão florestal com uso do fogo e os avisos estavam dados. Na China, a peste. Algo visto em anos recentes nos países banhados pelo Índico (de onde veio o último caso português, no Porto em 1899). Notem que algumas grandes epidemias (Lisboa 1569, Espanha 1596, Itália 1629, Londres 1664, Viena 1979) ocorreram num dos períodos mais frios da história. Aposto que, estivesse o planeta a arrefecer e teríamos quem usasse estes mesmos exemplos para prever o fim do mundo.
De facto, apesar de explicáveis sem alterações climáticas, estas dão um jeitão, e logo ouvimos o presidente da autarquia local dizer que “as alterações climáticas são as responsáveis pela situação dramática que se vive em Veneza”, ou a deputada Zali Steggall, da oposição australiana exigir “um plano que adapte a Austrália ao aquecimento do clima”, agora que as pessoas estão em choque com imagens tristes de Koalas. Então não é tão bom para os políticos quando a sociedade, em vez de exigir soluções de engenharia, melhores serviços ou planeamento do território, responsabilizando quem elegem para o fazer, culpa o clima? Portugal teve, em 2017, um ano catastrófico de incêndios. Vários têm sido os avisos que a lição não foi aprendida, que novo barril de pólvora se vem formando, que um dia acordamos com novo desastre. Nesta e noutras recorrentes desgraças (lembram-se da enxurrada na Madeira? cheias em Albufeira? Viseu sem água? etc.), que com humor chamamos “nosso fado”, vamos deixar que nada se faça e depois engolir as desculpas climáticas de quem não quer assumir responsabilidades?
Estes são perigos do nosso medo exagerado (o meio ambiente sempre nos colocou e sempre nos colocará – no mundo rural todos o sabem – dificuldades, mas enquanto há um século por cada milhão de pessoas, morriam 200 por causas climáticas, hoje, são apenas 3). As alterações climáticas são um assunto sério? Sim, são. Pelo que não se esperem soluções simples. Assim, neste caminho, a histeria colectiva não nos levará a lado nenhum que não autoritarismo e desresponsabilização. Teremos que saber usar a cabeça. E lembrar à classe política que há cabeças no mundo rural, e que, para elevar a qualidade da democracia, da participação, das decisões, dos resultados neste e noutros combates, estas não são descartáveis.
João Adrião, Gestor Ambiental e Florestal