É preciso que o relatório Draghi se corporize verdadeiramente nas políticas europeias
A semana que hoje termina, fica marcada pelos resultados das eleições do passado domingo e pelas consequências da nova arquitetura política e parlamentar e, eventualmente, pelos novos alinhamentos para garantir a estabilidade governativa de que todos precisamos. Num contexto cada vez mais volátil e de tensões geopolíticas que se acumulam, as expetativas que se criam e rapidamente se esvaziam trazem novas frustrações e ansiedade. Ainda há 8 dias aqui questionávamos se estávamos “Preparados para o que aí vem?” e não imaginámos o que podia acontecer: uma ida às urnas como há muito se não via, o que não deixa de ser positivo, uma esquerda radical que praticamente desapareceu do Parlamento, um PS com uma derrota pesada, a mostrar que terá de se recentrar ou reposicionar, a AD ganhadora e reforçada, liberais em alta, bem como a esquerda mais “fofinha” e um Chega, igualmente reforçado e com quem se tem de contar (pelo menos ouvir; que políticas tem de facto para o País, o que pensa da agricultura e da agroindústria, da economia?) para a desejada estabilidade e previsibilidade que todos ambicionamos, para enfrentarmos os desafios que temos pela frente. Ganhou um relativo realismo, a agenda que “verdadeiramente interessa” e o tempo de fazer, menos discursos e mais ação. E, assim o esperamos, olhar para a Agricultura e Alimentação como um setor estratégico para o País e para a Europa porque, como aqui tantas vezes referimos, a alimentação não pode ser usada como arma de arremesso ou moeda de troca. Tem de ser vista com a mesma relevância com que encaramos a defesa e segurança e é para isso que devemos caminhar. E, sem margem para dúvidas, essa dimensão tem de ser assumida, quer na Visão sobre o futuro da Agricultura e da Alimentação, quer, sobretudo, no Quadro Financeiro Plurianual.
Mas, se o rescaldo das eleições marcou a semana, tivemos dois eventos que catapultaram o agroalimentar para a agenda mediática, pelo menos a mais especializada, pese embora a generalista tenha prestado alguma atenção: falamos da Reunião Geral da Indústria, sobre “Inovação e Digitalização: Ferramentas para a Competitividade e Sustentabilidade”, no dia 21, uma organização da IACA mas que foi muito para além da Alimentação Animal, e, no dia 22, a 7ª Conferência para a Competitividade, intitulada “Alimentar a Economia”, duas faces da mesma moeda.
Sendo suspeito no caso da IACA, foram duas Conferências de excelência e de elevado nível e é justo parabenizar a FIPA pela organização e reflexões que nos deixou. Em ambas se falou de geopolítica, da globalização, da conjuntura europeia e da Visão sobre agricultura e alimentação, o facto de ser positivo pertencermos (e ainda bem) à União Europeia, de tarifas e de stocks estratégicos, de sustentabilidade, de soberania, da eficiência de recursos, da competitividade que só é possível com a inovação e digitalização, uma visão positiva para o futuro.
Falou-se de burocracia, de custos de contexto, da necessidade de simplificar e de desregulamentar. Em nossa opinião, tivemos um grande elemento comum, sobre o qual temos de refletir: os discursos que se repetem no seu diagnóstico, que agora se torna mais complexo, com o tema da mão-de-obra. A este junta-se o problema da demografia (o elefante na sala) e o das alterações climáticas. E esta repetição, que nos deixa a sensação (perceção) de que muito ou nada se fez nos últimos anos e em várias legislaturas (demasiado tempo), também nos deve chamar a refletir sobre os resultados das eleições do passado domingo.
A culpa não é da FIPA, nem da IACA, muito menos dos empresários ou de quem os representa. Em Portugal e em Bruxelas, há anos que andamos a exigir mais simplificação, que os licenciamentos se tornem mais céleres, bem como aprovações de aditivos, novos produtos (veja a biotecnologia) e que haja menos burocracia. Talvez das legislações mais emblemáticas quanto à necessidade de simplificar – para não falar das ajudas aos agricultores ou as candidaturas aos fundos europeus – sejam as relativas à desflorestação (EUDR) ou os relatórios de sustentabilidade, a taxonomia ou tantos outros procedimentos que agora estão presentes no dossier OMNIBUS. É verdade que a regulação representa maior segurança jurídica, mas uma excessiva regulação, tantas vezes incompreensível e sem paralelo no plano global onde competimos, retira-nos competitividade e torna-nos mais vulneráveis. Como referia um orador na Conferência da FIPA, ser empresário, sobretudo em Portugal, é um ato de heroísmo, tantos são os estrangulamentos e vicissitudes, as Diretivas que sempre se complicam quando transpostas, um fardo administrativo que é inaceitável. Os empresários não desistiram do País, mas parece que Portugal se esqueceu dos empresários, acrescentava esse orador.
Direta ou indiretamente, tudo isto nos conduz ao famoso (e fundamental) relatório Draghi e à sua visão sobre a Europa, o diagnóstico e as medidas que preconiza.
Quando foi publicado, aqui refletimos (em 13 de setembro do ano passado) com o texto “À Agricultura disse nada?” porque as referências à agricultura ou à alimentação no relatório eram praticamente nulas. Quando questionámos, mais tarde, a Comissão Europeia sobre esta evidência, a resposta foi a de que para a agricultura tinha sido publicado o Diálogo Estratégico sobre o futuro do setor, que viria a consubstanciar-se com a Visão apresentada recentemente pela Comissão e que está a fazer o seu caminho.
É evidente que já todos percebemos que é preciso desregulamentar e aliviar as empresas de monstros legislativos, caso contrário, as consequências chegarão também aos consumidores, que serão penalizados com mais custos e mais inflação. Precisamos sim de regulação, mas de maior harmonização e, por isso, de mais cooperação com os nossos parceiros internacionais Precisamos de uma proteção ambiental ou de bem-estar animal que seja compatível com a necessidade de produzir mais alimentos. E essa é a melhor estratégia de resposta aos stocks de emergência e à gestão de crises, que estão hoje na ordem do dia.
No fundo, o que precisamos, é que o relatório Draghi saia da sombra dos discursos, seja levado a sério e se corporize verdadeiramente nas políticas europeias e inspiradoras dos Estados-membros.
Olhando para a Administração Trump, para as tensões com a China e com a Rússia e tendo em conta o futuro da Ucrânia ou os interesses norte-americanos no indo-pacífico, só nos resta uma conclusão: o Tempo é agora!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Preparados para o que aí vem? – Jaime Piçarra – Notas da semana