Hoje, 16 de Outubro, quando se assinala o Dia Mundial da Alimentação1, a CNA denuncia as injustiças existentes nos sistemas alimentares actuais que resultam em grandes dificuldades para agricultores e consumidores.
Para os agricultores, cujos rendimentos são cerca de 40% inferiores aos rendimentos dos demais cidadãos, receber o preço compensador por aquilo que retira da terra continua a ser uma tarefa quase impossível.
Se alguns dados evidenciam aumentos de preços em determinadas produções, os preços pagos aos agricultores têm evoluído, por longos períodos, a ritmos inferiores ao aumento dos custos com os factores de produção.
No outro extremo da cadeia agro-alimentar, os consumidores têm cada vez mais dificuldades para pôr comida na mesa. De acordo com o INE, a variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor foi de 2,8% em Agosto, com o preço dos produtos alimentares não transformados a acelerar pelo sétimo mês consecutivo para 7%.
Com as crescentes dificuldades dos dois elos “mais fracos” nos extremos da cadeia, coexistem os intermediários que concentram e dominam o comércio agro-alimentar, impondo preços aos produtores e aos consumidores para somar lucros sobre lucros.
Só no primeiro semestre deste ano as duas maiores empresas que comercializam bens agro- alimentares obtiveram receitas a níveis históricos, atingindo uma média de 124 milhões de euros por dia, o que equivale a cerca de 5 milhões de euros por hora. Os lucros neste período ascenderam a de 371 milhões de euros.
As desigualdades e injustiças estão documentadas pelo Eurostat que atesta que do valor gerado na cadeia agro-alimentar apenas 22% vai para os agricultores.
Uma análise aos preços pagos à produção e os pagos pelos consumidores permite-nos constatar essa enorme disparidade. A título de exemplo, vemos no Observatório de Preços Agro-alimentar, que uma alface paga ao produtor a 0,91€/kg2 é vendida aos consumidores a 2,59€/kg, com uma diferença de 185%.
Os lucros astronómicos, e escandalosos, gerados no meio da cadeia são contabilizados perante a passividade do Governo que se recusa a adoptar políticas de regulação do mercado, que travem a “ditadura” da grande distribuição ou a inundação do mercado por produtos importados.
O grande agro-negócio internacional e o apetite predador dos fundos de investimento, que olham para a terra como um activo para garantir lucros, criam uma forte pressão sobre a disponibilidade e o preço da terra, contrariando a sua função social de alimentar a população.
E se falar de alimentação é indissociável de falar de pão, temos nos cereais o caso mais paradigmático da deriva e mau caminho das políticas de sucessivos Governos. Um grau de auto-aprovisionamento baixíssimo (cerca de 20%), custos de produção em alta e importações que pressionam ainda mais em baixa os preços pagos aos produtores colocam muitos produtores em risco de abandono forçado da actividade. Risco que se estende a produtos como a batata ou a carne e as produções policulturais da Agricultura Familiar.
O cumprimento do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA) e dos Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Zonas Rurais (UNDROP), previstos em acordos internacionais dos quais Portugal é signatário, só pode ser cumprido com uma alteração profunda de políticas públicas para a Agricultura e a Alimentação.
A CNA rejeita a normalização e a teoria da inevitabilidade da degradação das condições de vida da população e da fome, incluindo dos agricultores, e reclama ao Governo outras políticas agro-rurais, desenhadas num quadro de Soberania Alimentar.
É possível melhorar as condições de acesso da população a alimentos saudáveis, nutritivos e culturalmente adequados e, ao mesmo tempo, dignificar a vida dos agricultores com melhores preços à produção, assim haja vontade política.
O país precisa de um Orçamento do Estado (OE) para 2026 que apoie a Agricultura Familiar e a Agroecologia, enquanto modelos orientados para a produção e consumo locais e para a promoção da sustentabilidade ambiental e social. A ausência, na proposta de OE de medidas e dotação específica para a concretização do Estatuto da Agricultura Familiar é uma situação preocupante e que a CNA reclama ser corrigida.
Da mesma forma, o corte de 38% previsto na proposta da Comissão Europeia para o Quadro Financeiro Plurianual, o orçamento da União Europeia (UE) para 2028-2034, enquanto se prevê multiplicar por cinco as verbas destinadas à indústria do armamento, é uma clara e inaceitável inversão de prioridades, em que se privilegia a indústria da guerra à custa da alimentação da população.
Os agricultores, responsáveis pela alimentação das populações, precisam que os sistemas alimentares locais de produção alimentar tenham políticas e orçamentos que garantam o acesso aos meios de produção, preços justos e escoamento da produção. Pela dignidade de quem produz e pelo direito dos consumidores à alimentação.
1 O Dia Mundial da Alimentação, comemorado a 16 de Outubro, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 1979 com o objectivo de consciencializar para a fome no mundo, promover a segurança alimentar e a nutrição adequadas para todos.
2 Valores de Agosto de 2025
Fonte: CNA