Quero crer que a recente invasão da Ucrânia veio despertar os decisores políticos da União Europeia (UE) para diversas fragilidades, não só do Ocidente, designadamente o défice energético, mas também de vários países onde a pobreza extrema (vivendo, em média, com menos de 1,75 euros por dia) ocupa uma posição que tem vindo a aumentar devido à pandemia e, mais recentemente, à escassez de alimentos e fertilizantes tradicionalmente importados dos dois países em conflito. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) prevê que em 2022 a pobreza extrema venha a afetar 828 milhões de pessoas (10,6% da população mundial).
É certo que a agricultura, nomeadamente a partir de meados do século passado, dispensou um contributo inestimável para a melhoria da alimentação humana, tendo assim concorrido para que a população mundial tenha passado de 2,5 mil milhões de pessoas em 1950 para 7,8 mil milhões na atualidade (estimando a FAO que poderá chegar a 10 mil milhões em 2050, sendo necessário aumentar em 50% a produção de alimentos).
Mas, simultaneamente, a agricultura veio a tornar-se vítima e culpada das alterações climáticas. Por um lado, o aquecimento global e outras alterações climáticas afetam a produtividade de inúmeras culturas em diversas partes do mundo, e, por outro, a agricultura é responsável por uma parte considerável das emissões de gases de efeito de estufa.
No que toca a este último aspeto sobressai, sem dúvida, o fabrico e a aplicação dos adubos azotados, que atualmente a UE pretende reduzir no âmbito do denominado Pacto Ecológico Europeu. Na verdade, os referidos adubos são fabricados com base no amoníaco (NH3), obtido por síntese de Haber-Bosch, a partir do azoto atmosférico e do hidrogénio resultante da reação entre a água e o gás natural – «uma reação das mais importantes da história da Ciência» (Maulide, 2021), cujos autores foram laureados com o Prémio Nobel – mas, todavia, muito exigente em termos de energia; adicionalmente, a aplicação não judiciosa dos adubos azotados pode conduzir a perdas de azoto prejudiciais ao ambiente. Porém, importa salientar que, por outro lado, já em 2013 Roser & Ritchie consideraram que, sem o recurso à adubação azotada das culturas, a insuficiência de alimentos iria provavelmente reduzir a metade a população mundial.
Perante o que precede, o Secretário-Geral das Nações Unidas, que tanto se tem empenhado em fomentar a adoção de medidas que contrariem as alterações climáticas, sentiu necessidade de fazer um apelo para que a Federação Russa, principal exportador mundial de fertilizantes, não restrinja as exportações dos mesmos, pois, como afirmou no passado dia 24 de Agosto (sic) «Se não estabilizarmos o mercado de fertilizantes em 2022, não haverá alimentos em 2023».
Na minha modesta opinião e considerando o que precede, discordo das orientações recentemente desenhadas pelos decisores políticos da UE no âmbito da Estratégia do Prado ao Prato e conducentes ao decréscimo da produção de alimentos. Considero que o recurso à moderna biotecnologia é bem mais adequado à conciliação dos dois objetivos em vista: aumento da produção de alimentos e decréscimo de efeitos negativos para o ambiente. A UE tem-se revelado refratária ao progresso científico no domínio que proponho e que tem vindo a ser particularmente desenvolvido nos EUA, nomeadamente através de duas vias principais.
A primeira, onde entre outros se destaca o Professor Christopher Voigt, do Massachusetts Institute of Technology, tem em vista desenvolver grãos de cereais – como milho, trigo e arroz – fixadores de azoto. Neste domínio de salientar a empresa Pivot Bio que, em 2019, lançou o primeiro fertilizante biológico para milho, desenvolvido com a intervenção da biologia sintética e que tem como ingrediente ativo uma bactéria geneticamente modificada que consegue fixar o azoto atmosférico e transferi-lo para a planta, numa relação simbiótica, o que reduz a necessidade de adubos azotados de síntese: de salientar que, ao contrário destes, o azoto do aludido fertilizante biológico não é lixiviado e também o óxido nitroso – poderoso gás com efeito de estufa – não é libertado para a atmosfera. Acrescente-se que, recentemente, a aludida empresa anunciou o início da colaboração com a multinacional Bayer, com vista à introdução no mercado de estirpes Bradyrhizobium spp. a fim de aumentar a fixação de azoto atmosférico pela soja, o que constitui uma solução inovadora para elevar a produtividade da cultura e diminuir a pegada ecológica.
Uma outra perspetiva progressista, com preocupações no que concerne às mudanças climáticas, está a ser desenvolvida por uma equipa de cientistas liderada pelo Professor Charles DeLisi, da Universidade de Boston. Os mesmos propõem uma estratégia para remover o CO2 da atmosfera, utilizando para o efeito uma tecnologia inovadora – que inclui poderosos métodos de biologia sintética e de sistemas (SSB) – suscetível de modificar as plantas de modo a removerem irreversivelmente o CO2 da atmosfera (DeLisi et al., 2020), nomeadamente aumentando a sua eficiência fotossintética, conferindo-lhes maior resistência à secura, elevando-lhes a produtividade de modo a exigirem menor área de cultivo, etc.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Do Prado ao Prato na perspetiva de um fruticultor português – Manuel Chaveiro Soares