O caminho para a alimentação sustentável passa pelo prato e pela casa de cada pessoa. É nas casas dos consumidores que se gera a maioria do desperdício alimentar. A mudança urge e é um desafio para todos, mas não acontece de forma isolada. Pelo contrário, a mudança é acompanhada e promovida por transformações à escala social. Os especialistas da Comissão EAT – Lancet propõem a adoção de uma dieta-padrão saudável e planetária, rica em alimentos à base de plantas e com pouca quantidade de alimentos de origem animal, de grãos refinados, alimentos altamente processados e açúcares.
Nesse sentido, o grande desafio da sustentabilidade consiste em produzir alimentos para toda a população mundial com menos recursos, utilizando os recursos naturais da melhor forma possível. Ou seja, é preciso proporcionar dietas saudáveis, acessíveis a todos e a partir de sistemas alimentares sustentáveis, desde a produção agrícola, processamento e distribuição, bem como na sua confeção, consumo e aproveitamento.
A 29 de setembro celebra-se anualmente o Dia Mundial de Combate ao Desperdício Alimentar. De acordo com a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, um terço da produção mundial de alimentos é desperdiçada anualmente, ou seja, 1,3 biliões de toneladas de alimentos por ano. Este desperdício é responsável por gerar três vezes mais emissões de gases com efeito de estufa do que a extração de petróleo, produzir o equivalente a 25% da poluição automóvel e poluir quatro vezes mais do que todos os voos da aviação comercial.
No entanto, sabemos que apenas 25% deste desperdício alimentar seria suficiente para alimentar os 870 milhões de seres humanos que sofrem de fome a nível global.
Outra fonte refere que, globalmente, todos os anos são desperdiçados alimentos suficientes para alimentar quase 2 mil milhões de pessoas com uma dieta de 2 100Kcal/dia.
A nível europeu, deparamo-nos com 88 milhões de toneladas de alimentos produzidos que são perdidos ou mesmo desperdiçados, enquanto 33 milhões de pessoas continuam sem capacidade financeira para poderem pagar uma alimentação digna diariamente.
Em Portugal, e segundo dados do INE de 2020 – Instituto Nacional de Estatística, cada português desperdiçou, em média, 183,6 quilos de alimentos, o que perfaz a quantia de 1,89 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados pela população de Portugal durante esse período. Este facto comprova que é nas casas dos consumidores que se gera a maioria do desperdício alimentar.
Segundo Pedro Queiroz, diretor-geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares e docente da licenciatura em Ciências da Nutrição na FMUL – Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, “Qualquer alimento que vá para o lixo significa não só a sua inutilização, mas também que todos os recursos que foram utilizados na sua produção e distribuição também foram desperdiçados, incluindo água, combustível, emissões, matérias-primas e mão-de-obra.”.
O desperdício alimentar é um indicador importante de sustentabilidade, uma vez que incorpora a soma dos recursos utilizados para a produção de alimentos não consumidos, incluindo as terras agrícolas, os produtos químicos agrícolas, como os fertilizantes e os pesticidas, e a água de rega. Estas “entradas” são utilizadas para cultivar alimentos que são desperdiçados pelos consumidores.
Investigações recentes sobre a relação complexa entre a desperdício alimentar, qualidade da dieta e sustentabilidade ambiental não se centram nestes pontos fundamentais, representando uma lacuna na nossa compreensão da sustentabilidade dos sistemas alimentares.
Na prática, o aumento do conhecimento dos consumidores sobre a forma de preparar e armazenar frutas e produtos hortícolas será um componente essencial para reduzir o desperdício alimentar.
No quadro das Nações Unidas, Portugal é signatário das metas ambiciosas adotadas em 2015 relativas à redução do desperdício alimentar como parte dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável 2030. O objetivo n.º 12.3 preconiza para 2030 a “redução para metade, do desperdício de alimentos per capita, a nível mundial, de retalho e do consumidor, e reduzir os desperdícios de alimentos ao longo das cadeias de produção e de abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita”.
A Estratégia Nacional e Plano de Ação de Combate ao Desperdício Alimentar, aprovada através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/2018 de 5 de abril, assume plenamente esse objetivo de redução do desperdício ao longo das diferentes fases da cadeia agroalimentar, da produção até ao consumidor e é parte integrante do Plano de Ação para a Economia Circular de Portugal. Sucintamente, a economia circular é então um conceito estratégico que assenta na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia.
Esta estratégia foi desenvolvida de acordo com o mandato conferido à Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA), criada pelo despacho nº 14202 – B/2016, que é ela própria sinónimo de pluridisciplinaridade ao integrar 9 áreas governativas em ligação com a sociedade civil.
A Estratégia apresenta a visão do “Desperdício Alimentar Zero: produção sustentável para um consumo responsável” e assenta em três pilares, três objetivos estratégicos: prevenir, reduzir, monitorizar. Estes três objetivos estratégicos desenvolvem-se em nove objetivos operacionais para os quais concorrem as 14 medidas do plano de ação.
Esta Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA) continua a trabalhar no sentido de materializar estas 14 medidas apresentadas e a integrar muitas outras iniciativas públicas e privadas que estão no terreno de forma dispersa. Trabalha também no sentido de alinhar as suas competências nesta área com as estratégias que estão a ser delineadas quer a nível nacional, através do Plano Nacional da Economia Circular, quer a nível comunitário com a obrigação de monitorização e atuação no combate ao desperdício, desde 2020.
Deste modo, torna-se fundamental o envolvimento alargado do setor produtivo e dos consumidores para o sucesso na utilização eficiente das matérias-primas e do consumo racional dos alimentos.
Artigo publicado originalmente em DICAs.