Em 1971, 21 de março foi estabelecido pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura como “Dia Mundial da Floresta” para uniformizar as Festas Nacionais da Árvore que já se faziam desde 1872. Em 2012, as Nações Unidas declararam-no como “Dia Internacional das Florestas”. Uma década depois, a data celebra-se sob o tema “Florestas – produção e consumo sustentáveis”. Para compreender a importância da temática eleita para o Dia Internacional das Florestas 2022, o Florestas.pt ouviu diferentes organizações parceiras ligadas ao sector.
Para assinalar o Dia Internacional das Florestas 2022, as Nações Unidas sublinham a importância de gerir e cuidar das florestas de forma sustentável, para que os materiais e produtos de origem florestal possam ser a base de um modelo económico mais sustentável, assim como de escolhas de consumo que promovam a redução da pegada ecológica global.
Para saber mais sobre o tema “Florestas, produção e consumo sustentáveis”, o Florestas.pt convidou os seus parceiros a partilhar reflexões sobre o seu significado e importância.
Apesar de serem entidades que atuam em vertentes diferentes da floresta e do conhecimento florestal, a mensagem que deixam é clara e comum: a sustentabilidade é um conceito transversal e crítico, que tem de ser aplicado também à floresta, aos seus produtos e ao respetivo consumo, pois dela depende o nosso futuro. Eis os contributos:
“Acreditamos numa floresta sustentável”
“Quando entramos no curso de engenharia florestal é-nos colocada sempre a mesma pergunta: produção ou conservação?”. É este o ponto de partida do contributo de Filipa Raimundo, Presidente da APEF – Associação Portuguesa de Estudantes Florestais, criada em 1988 no Instituto Superior de Agronomia. A APEF representa o curso de Engenharia Florestal a nível Nacional e é membro fundador do International Forestry Students Association – IFSA.
Enquanto representante dos estudantes de engenharia e ciências florestais, a APEF está em desacordo com esta separação entre produção e conservação. “Não consideramos que a floresta deva ser sempre uma ou outra coisa. Acreditamos, sim, num futuro em que a floresta cria empregos e fornece o que precisamos, mas em que também se protegem os ecossistemas e se mantém a sua qualidade, tanto para nosso benefício como o do planeta em que habitamos. Acreditamos numa floresta sustentável.”
“Faço votos que o tema deste ano seja um objetivo para hoje e para as futuras gerações”
“O tema apresentado para o Dia Internacional das Florestas 2022 é nevrálgico para uma Floresta Sustentável, sendo ainda um tema que extravasa o Mundo Florestal, já que o equilíbrio deve existir em tudo o que nos rodeia – económico, ambiental, biológico, químico, físico…”, refere Miguel Pestana, editor da única revista científica portuguesa dedicada à área florestal, a Silva Lusitana, publicada pelo INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, onde Miguel Pestana é também coordenador e investigador da Unidade Tecnologia e Inovação.
“No caso da Floresta, esse equilíbrio assenta num comportamento do mercado/utilizador consciencioso, por forma a criar um equilíbrio entre produção e consumo. Só assim se perpétua a Floresta e a vida no Planeta Terra”, sublinha, deixando votos de que o tema escolhido para 2022 se mantenha como um objetivo estrutural para além deste ano.
Gestão harmoniosa entre aspetos sociais, ambientais e económicos
“Os recursos florestais, provenientes da vasta panóplia de ecossistemas existentes em Portugal, ainda que naturais e renováveis, são finitos. A sua utilização para a produção de bens e serviços de elevado valor acrescentado por parte da fileira florestal implica a adoção de medidas de gestão baseadas na harmonia entre aspetos sociais, ambientais e económicos, que promovam a produção sustentável”, salienta Joana Amaral Paulo, membro do CEF – Centro de Estudos Florestais do Instituto Superior de Agronomia.
“A consciência relativa ao imperativo do consumo sustentável é hoje também evidente na sociedade. Para tal, é necessário que o processo de produção e o consumo por parte da sociedade, não só garantam uma efetiva qualidade de vida, como ainda promovam numa perspetiva cada vez mais abrangente a utilização de recursos na bioeconomia circular”, refere, sublinhando que “a chave para o aprofundar desta visão está, em grande parte, na investigação, inovação, desenvolvimento, e transferência de conhecimento para a sociedade portuguesa”. É nestas missões que o Centro de Estudos Florestais contribuí no decurso da sua atividade.
Conciliar gestão sustentável e uso sensato com conservação da biodiversidade
“Um dos grandes desafios no mundo atual é a necessidade de equacionar a conservação da biodiversidade, da qual toda a humanidade depende, com o seu uso sensato face às necessidades crescentes da população humana”, sublinha Miguel Nuno Bugalho, Coordenador Científico do CEABN – Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”, explicando que a investigação aplicada promovida pelo CEABN “visa fundamentar gestão e utilização sustentável dos ecossistemas, florestais e outros, para que se possam cumprir simultaneamente objetivos de produção e conservação”.
Neste âmbito, a investigação no CEABN cobre a linha da ‘ecologia e gestão da fauna silvestre’ e da ‘gestão da biodiversidade em sistemas florestais e agrícolas’, na perspetiva do uso sensato e conservação daqueles recursos. É também abordada a ‘ecologia e gestão do fogo’, considerando-se o fogo um sintoma de ausência de gestão adequada dos recursos florestais, exacerbado pelo contexto das alterações climáticas, explica Miguel Nuno Bugalho. O responsável acrescenta também que outras linhas de investigação apoiam este mesmo propósito: em ‘desenho ecológico da paisagem’ abordam-se os temas do ordenamento e gestão à escala da paisagem, “pois apenas a gestão integrada a esta escala poderá contribuir para o uso sustentável dos recursos florestais”, e em ‘educação ambiental’ pretende-se assegurar que os resultados da investigação chegam à sociedade em geral.
Papel central das florestas para transformar o atual paradigma social e económico
Também Ângela Morgado, CEO da ANP|WWF – Associação Natureza Portugal e representante do World Wildlife Fund em Portugal, ressalta que “vivemos um período de grande pressão sobre os recursos naturais e sobre as comunidades que delas dependem, com reflexos crescentes também na economia local e global. É fundamental transformar o atual paradigma social e económico para caminharmos rumo a uma sociedade mais justa, resiliente e onde os direitos humanos são respeitados”.
Para a responsável, “as florestas têm um papel central neste processo pois fornecem vários bens e serviços fundamentais para a regulação e suporte das funções básicas da vida. A sua gestão sustentável, o restauro de espaços florestais degradados, o aumento das áreas de conservação e o objetivo de travar a desflorestação e a conversão são caminhos fundamentais para garantirmos, em conjunto, que a natureza é restaurada e que as florestas vão continuar a fornecer-nos os bens e serviços fundamentais à vida”.
Gerir para obter produtos de base renovável, de forma económica e ambientalmente sustentável
Nélia Aires, técnica do departamento florestal da Agro.Ges, destaca “a importância significativa e cada vez mais relevante da floresta na aplicação prática dos conceitos de sustentabilidade, biodiversidade, circularidade e desenvolvimento rural”. Na empresa, explica, “desenvolvemos projetos que fomentam uma gestão multifuncional e diversificada dos espaços agroflorestais, focados na obtenção de produtos de base renovável, de uma forma económica e ambientalmente sustentável”.
Nélia reforça que as preocupações com o consumo racional e sustentável de recursos, como sejam o consumo de água e a sobre-exploração do solo “são cada vez mais prementes”, pelo que “as preocupações de proteção de todos os recursos naturais são igualmente basilares” no trabalho da empresa. “A produção sustentável de bens e serviços florestais é um objetivo transversal em todos os nossos projetos, perspetivando assim a proteção dos recursos naturais e a conservação dos nossos valiosos ecossistemas florestais”, conclui.
A floresta é o cerne de toda a ação
“Da floresta provem um recurso eco-friendly e um bioproduto fantástico – a madeira – que deve ser produzido para criar riqueza, com o mínimo de impactes ambientais e sociais, e que deve ser consumido por forma a que a sua capacidade de regeneração evite a pressão sobre os ecossistemas e não comprometa a possibilidade de as gerações atuais e futuras poderem usufruir dos benefícios que, no seu conjunto, esses ecossistemas prestam globalmente.”
No Dia Internacional das Florestas 2022, o SerQ – Centro de Inovação e Competências da Floresta coloca a floresta como o como “o cerne de toda a sua ação”, uma vez que esta associação científica, tecnológica e de formação procura ser um polo dinamizador da inovação e diferenciação, investimento e criação de emprego no sector agroflorestal. O seu trabalho centra-se na investigação e desenvolvimento experimental, formação, transferência de tecnologia, consultoria, certificação e validação de produtos e soluções.
É necessária a articulação entre diferentes segmentos da sociedade para dar resposta a desafios específicos, como o das espécies invasoras
Uma gestão florestal sustentável implica procurar resposta para múltiplos desafios. Para Cristina Mágoas do cE3c, Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências de Lisboa, a expansão e controlo de espécies invasoras é um deles. “As espécies exóticas invasoras representam uma forte ameaça à biodiversidade e podem ter impactes na produção de bens e serviços.”
“Os ecossistemas florestais costeiros têm sido muito afetados pela introdução intencional de espécies de plantas exóticas invasoras, como as pertencentes ao género Acacia. A sua introdução, que teve como objetivo a estabilização das dunas, tem vindo a ser identificada como uma crescente ameaça a estes ecossistemas, com impactes ecológicos e socioeconómicos significativos, em diferentes regiões do globo”, refere. O controlo e erradicação destas espécies “é um dos maiores desafios ambientais atuais e necessita de uma articulação clara entre os segmentos da sociedade que produzem conhecimento e os gestores privados e públicos que têm a responsabilidade de desenvolver e implementar medidas de sustentabilidade económica e ambiental no território.”
8 mensagens das Nações Unidas no Dia Internacional das Florestas 2022
As Nações Unidas deixam também as suas mensagens-chave que ilustram a importância da produção e consumo sustentáveis no que à floresta diz respeito, um tema que enquadram num dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o ODS 12 – “Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis”.
1. O sector florestal gera empregos para pelo menos 33 milhões de pessoas e os produtos que vêm das florestas são usados por biliões. Estima-se que mais da metade da produção económica mundial (o PIB – Produto Interno Bruto) dependa de serviços do ecossistema, parte deles fornecidos pelas florestas. Estima-se que mais de metade da população mundial recorra a produtos florestais não-lenhosos para apoiar seu bem-estar e subsistência.
2. As florestas são essenciais à saúde do planeta e ao bem-estar humano. As florestas cobrem perto de um terço da superfície terrestre do planeta e fornecem bens como madeira, combustível, alimentos e forragem, além de ajudarem a combater os efeitos das alterações climáticas, a proteger a biodiversidade, os solos, os rios e reservas hídricas, sendo também áreas onde as pessoas podem sentir-se próximas da natureza.
3. O uso sustentável dos produtos florestais ajuda-nos a avançar para uma economia baseada em materiais renováveis, reutilizáveis e recicláveis. A madeira pode ser usada para diversas finalidades, com menores impactes ambientais do que muitos outros materiais. A madeira usada uma vez pode ser reutilizada e reciclada, prolongando a sua vida útil e reduzindo a sua pegada.
4. Ao ampliar o uso de produtos florestais contribuímos para a neutralidade carbónica. A ciência e a inovação estão a propiciar o desenvolvimento de novos produtos derivados da madeira e fibra das árvores, incluindo têxteis, alimentos, materiais de construção, cosméticos, bioquímicos, bioplásticos e medicamentos. Substituir materiais menos sustentáveis por madeira e produtos renováveis dela derivados pode reduzir a pegada carbónica.
5. A madeira de fonte sustentável é uma matéria-prima essencial para tornar as cidades mais verdes. A inovação está a viabilizar a aplicação da madeira em infraestruturas e edifícios. Esta aplicação ajuda a tornar as cidades mais verdes, uma vez que a madeira armazena carbono, a sua produção implica um gasto energético menor do que a produção de outros materiais de construção – o sector da construção é responsável por quase 40% das emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com a energia a nível global – e fornece um bom nível de isolamento.
6. As florestas são vitais para a produção sustentável de alimentos. Os serviços dos ecossistemas florestais – como a manutenção da biodiversidade, a polinização e a regulação do clima, da água e da qualidade do solo – são essenciais para a sustentabilidade dos sistemas agroflorestais e para alimentar uma população mundial em crescimento. Estima-se também que mais de três quartos das famílias em zonas rurais dependam dos produtos silvestres (pesca, caça, apanha de frutos silvestres e cogumelos) existentes em áreas florestais e ambientes naturais.
7. É preciso reforçar a ação para travar a desflorestação e degradação. O mundo perdeu, desde 1990, um total de 420 milhões de hectares de floresta – uma área maior do que o território da Índia – e a desflorestação, ligada principalmente à expansão da agricultura, continua a reduzir a floresta em cerca de 10 milhões de hectares por ano. A gestão sustentável das florestas pode ajudar a reduzir a desflorestação e a restaurar paisagens degradadas ao mesmo tempo que cria empregos e fornece materiais renováveis.
8. A escolha deve passar por produtos lenhosos de origem legal e sustentável. Os consumidores podem contribuir para a sustentabilidade das florestas ao escolherem produtos lenhosos com selos que atestem a sua certificação e confirmem que são provenientes de fonte legal e sustentável.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.