No âmbito do 17º Congresso da Água, e em linha com o seu compromisso com a excelência técnica e a formação contínua evidenciada por iniciativas como o curso ProAguas Regadio, a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) apresentou uma reflexão crítica sobre as metodologias de planeamento dos recursos hídricos. A comunicação, intitulada “O Planeamento Hidrológico e a Navalha de Occam”, da autoria de Luís Sá e Cláudia Brandão da DGADR, suscitou uma importante discussão sobre a adequabilidade dos modelos atualmente em uso.
A apresentação invocou o princípio da “Navalha de Occam” – que postula que a explicação mais simples é geralmente a mais correta – como ponto de partida para questionar a aplicação excessivamente simplista de modelos determinísticos no complexo domínio do planeamento hidrológico. Os autores argumentaram que, embora a simplicidade seja desejável, ela não deve sobrepor-se à precisão e à capacidade de um modelo para lidar com a incerteza inerente aos sistemas hídricos, face às inúmeras variáveis do ciclo hidrológico, sua inter-relação e, igualmente, é necessário considerar as alterações climáticas.
Foi salientado que o planeamento hidrológico tradicional recorre frequentemente a abordagens determinísticas, que se baseiam em cenários fixos e previsíveis, como a utilização de médias históricas de precipitação para modelar o escoamento fluvial. Contudo, esta metodologia apresenta limitações significativas, pois não incorpora adequadamente a variabilidade futura do clima, a dinâmica dos territórios, nem a ocorrência de eventos extremos imprevisíveis. Tal simplificação, alertam os especialistas, pode conduzir a um planeamento inadequado e à subestimação de riscos, com exemplos práticos como o dimensionamento insuficiente de descarregadores de barragens.
Defendeu-se também a integração de abordagens probabilísticas. Estes modelos, embora mais complexos, consideram uma multiplicidade de cenários futuros e as incertezas a eles associadas, utilizando distribuições estatísticas para uma avaliação mais robusta da frequência e magnitude de eventos hidrológicos, como secas ou cheias de diferentes magnitudes e severidades.
Um exemplo prático discutido foi o cálculo do índice WEI+ (Water Exploitation Index Plus), utilizado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para aferir o nível de exploração dos recursos hídricos. A metodologia atual para determinar WEI+, que combina consumos agrícolas de anos secos com consumos médios para os restantes tipos de usos (indústria, abastecimento público, entre outros), com uma abordagem determinística, gera distorções. Estas inconsistências metodológicas podem levar a uma sobrestimação do stresse hídrico, gerando alarmismo e, consequentemente, influenciando a adoção de políticas de gestão da água potencialmente desajustadas, com medidas excessivamente restritivas ou investimentos mal direcionados.
Como caminho para ultrapassar estas limitações, os autores propuseram a revisão da metodologia do WEI+, advogando pela homogeneidade dos dados, utilização de séries históricas mais longas e ajustadas à realidade, e a criação de diferentes cenários de WEI+ (médio, seco, húmido). Fundamentalmente, foi sublinhada a necessidade de uma transição para abordagens mais probabilísticas, que integrem a incerteza e esteja, igualmente, suportada em dados observados e consistentes.
A DGADR, ao apresentar este estudo, reforça a importância de um debate informado e tecnicamente fundamentado sobre as ferramentas de planeamento, sublinhando que conclusões baseadas em modelos excessivamente simplificados podem resultar em políticas públicas desadequadas e potencialmente prejudiciais ao desenvolvimento sustentável do país. A preferência por modelos mais complexos, mas que melhor reflitam a realidade e a gama de cenários possíveis, é vista como essencial para um planeamento de recursos hídricos mais resiliente e eficaz.
Fonte: DGADR