Há um ano, a UNESCO alertou que 90% da superfície terrestre poderia degradar-se até 2050, chamando a atenção para os riscos do declínio rápido da saúde dos solos na vida do planeta. A análise do relatório do Save Soil vem reforçar, um ano depois, este nexus entre degradação do solo e perda de diversidade.
“O declínio na saúde do solo compromete várias funções cruciais do ecossistema”, destaca o documento, lembrando que o solo é o habitat com maior diversidade, “albergando potencialmente 59% de toda a vida”.
De acordo com o estudo, aproximadamente 33% dos solos do mundo estão “moderada a altamente degradados”. Na análise, destacam-se causas relacionadas com atividades humanas insustentáveis – com destaque para práticas agrícolas não sustentáveis – e alterações climáticas.
A agricultura tem aqui, no entanto, um duplo papel. Por um lado, as más práticas de gestão agrícola têm vindo a deteriorar os solos globais (com uso excessivo de fertilizantes e pesticidas, utilização de maquinaria pesada e monocultura, por exemplo). Por outro lado, tal como identificado no relatório, mecanismos como a agricultura regenerativa apresentam um “potencial transformador” na recuperação da saúde do solo.
Vista como um sistema de práticas agrícolas focadas na melhoria da saúde do solo, a abordagem da agricultura regenerativa “não só oferece um caminho para a promoção da biodiversidade, em geral, como também traz benefícios significativos para a produção alimentar sustentável, a mitigação das alterações climáticas, através do sequestro de carbono, e o combate à crise da água, através do aumento da retenção e infiltração da água no solo”, defende o estudo.
De referir que a própria agricultura depende da biodiversidade, pelo que a degradação dos solos põe em risco a alimentação global. “Mais de 75% das culturas alimentares globais dependem, pelo menos em parte, da polinização animal para o seu rendimento e/ou qualidade. A perda de biodiversidade ameaça estas populações vitais, pondo em perigo a produção agrícola global e a segurança alimentar”.
A degradação do solo nas diferentes regiões do mundo
Nas suas diversas formas, a degradação do solo ocorre em todo o mundo. Para analisar o seu impacto negativo na biodiversidade, o Save Soil avaliou casos regionais provenientes de diversos contextos geográficos e ecológicos:
Europa: tal como sucede a nível global, a principal causa de perda de biodiversidade na Europa está relacionada com práticas agrícolas insustentáveis. No Velho Continente, quase 40% da terra é usada para agricultura, muitas vezes integrando o uso alargado de pesticidas e fertilizantes. De recordar que já o relatório de 2024 “The state of soils in Europe” havia mostrado que mais de 60% do solo europeu está degradado, levando à perda de biodiversidade nesta região.
Índia: no geral, cerca de 32% da área total terreste do país está em processo de degradação, o que afeta a sua vasta biodiversidade. O estudo destaca causas como a desflorestação, práticas agrícolas insustentáveis, poluição e urbanização. Hotspots de biodiversidade, como a região dos Himalaias, estão particularmente vulneráveis a estas pressões.
Austrália: os solos da região foram afetados por práticas históricas e atuais na gestão do solo. “Desde a chegada dos colonos, foram desflorestadas áreas significativas de terra para uso agrícola e desenvolvimento de infraestruturas, levando à degradação generalizada e à perda de habitats nativos”, reforça o relatório. Na região conhecida como Wheatbelt (cinturão de trigo) da Austrália Ocidental, por exemplo, diversos estudos mostram uma “correlação direta entre a desflorestação, a salinização e a redução das populações de vegetação e fauna nativas”.
Ásia Oriental: de um modo geral, a degradação do solo no Leste Asiático, impulsionada pela desflorestação, pela expansão agrícola e pela poluição industrial, “não está apenas a afetar a segurança alimentar, mas também a contribuir para uma perda significativa da diversidade dos ecossistemas e dos serviços que estes ecossistemas prestam”. Um dos ecossistemas afetados é, por exemplo, o das estepes, reconhecido pela sua biodiversidade única.
Ásia Central: nesta região, a degradação das terras agrícolas acontece a um ritmo alarmante, principalmente “devido a uma combinação de desflorestação, salinização do solo e a prática insustentável de sobrepastoreio”.
África: em todo o continente africano, a erosão do solo é um problema generalizado que tem levado à perda de solo fértil, à degradação das terras agrícolas e ao declínio da biodiversidade em geral, “com impacto na vida e nos meios de subsistência de milhões de pessoas, além de causar perdas económicas substanciais”, segundo a análise do Save Soil.
América do Norte: o estudo destaca que, na região, “mais de um terço da biodiversidade está em risco de desaparecer devido à degradação de habitats e várias formas de poluição”, sem esquecer a conversão de pradarias nativas para agricultura intensiva, assente na monocultura e “dependente de fertilizantes químicos sintéticos e pesticidas que prejudicam a biodiversidade do solo e podem contribuir para a perda de habitats”.
América do Sul: região incomparável em termos de biodiversidade, a América do Sul enfrenta uma deterioração da superfície terrestre causada, sobretudo, pela expansão da agricultura. É de realçar que a perda vincada da floresta amazónica não ameaça apenas as espécies únicas e insubstituíveis da Amazónia, como contribui para o desafio mais vasto das alterações climáticas globais.
Perante o estado de degradação do solo nas várias regiões, o Save Soil reforça a necessidade de ações que permitam promover solos saudáveis e conservar a biodiversidade global. No estudo “Soil Degradation and Biodiversity Loss”, o movimento enfatiza a importância da agricultura regenerativa neste processo, numa “abordagem colaborativa que envolva agricultores, investigadores, decisores políticos e consumidores”.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.