No rescaldo da Feira Nacional de Agricultura 2023, em que o ovo assumiu (e bem) um marcado protagonismo, simbolizando os superalimentos, e sendo certo o desmantelamento das Direções Regionais de Agricultura, tal como as conhecemos, vale a pena refletir, uma vez mais, sobre as perspetivas que se colocam ao Mundo Rural.
Apesar de muito se falar do interior, da sua preservação e desenvolvimento e de que não podemos ter um País “inclinado”, o facto é que são cada vez mais difíceis as condições dos que por lá vivem. Porque não basta apostar unicamente no ambiente e nos ecossistemas, essa é uma parte relevante da economia rural, mas só o é se virmos a multifuncionalidade da agricultura, em que a produção de alimentos deve ser a principal componente.
Vem isto a propósito de todas as questões e preocupações que nos são colocadas, sobretudo à medida que entramos no período do verão. As alterações climáticas são uma realidade que não podemos negar; também é realidade a crescente falta de água – devido, em parte, à (in)capacidade de gestão e à ausência de investimento -, mas são igualmente verdadeiras as regras de produção cada vez mais restritivas, sobretudo quando se comparam com as que são exigidas aos congéneres que operam nos países terceiros; tal como a crescente burocracia e complicação (veja-se que um dos objetivos da nova PAC era a simplificação), a falta de mão de obra, as regras cada vez mais apertadas do bem-estar animal, as exigências ambientais e da biodiversidade e tudo aquilo que nos querem impor, muitas vezes e incompreensivelmente, sem quaisquer fundamentos lógicos, racionais, sem bases científicas, só porque existe uma qualquer conceção urbana de como deve ser desenvolvida a agricultura ou a pecuária, em nome de um desenvolvimento sustentável.
O rural também hoje é urbano, o que significa que já não temos mais aquele rural sem conhecimentos, “boçal”, ignorante…mas sim agricultores que se preocupam com a saúde e o bem-estar dos seus animais, com a paisagem e com a biodiversidade, e que têm acesso à tecnologia. Este rural quer e precisa de mais tecnologias, sobretudo as novas tecnologias e gostaria de ser auscultado e valorizado pelos decisores políticos, de ser integrado na definição das políticas públicas que defendam o Mundo Rural, não apenas nas campanhas eleitorais ou nas visitas aos diferentes certames que se realizam ao longo do País.
Portugal não precisa de produzir para garantir, pelo menos o equilíbrio da sua balança comercial? Promover as exportações, a exposição aos mercados externos, cada vez mais instáveis e complexos? Não podemos ser autossuficientes em todos os produtos, mas quando se apregoa (e bem) as cadeias curtas, o abastecimento de proximidade, a redução da pegada ambiental, das emissões, temos de dispor de instrumentos, de apoios e recursos, para atingir os objetivos de dignificar quem lá vive porque, não nos cansaremos de repetir: a Agricultura e a Alimentação devem ser prioritárias para o Governo português e para a União Europeia.
Ao menos que a transferência de funções para as CCDR possa interiorizar verdadeiramente esta estratégia, pela proximidade com os empresários. Será assim? Para já, com a potencial quebra de comando dos controlos das ajudas e nos pagamentos, são mais as inquietações e as interrogações do que as certezas. E as respostas seriam importantes para dar mais tranquilidade e aliviar o crescente desespero que vamos sentido, com a seca e a falta de liquidez para manter os animais nas explorações. Todos sabemos como é difícil regressar à atividade. No caso dos bovinos, se existir regresso, serão necessários 4 anos, pelo ciclo de produção.
E só para recordar: são cada vez mais os Estados-membros que assumem, nos Conselhos Agrícolas, que a segurança alimentar da Europa não está garantida. A pandemia e a guerra na Ucrânia deveriam ter-nos ensinado, a todos, de que nada está garantido.
No inicio do ano, em 20 de janeiro, publicámos um artigo que pode ser lido em Disponíveis para defender aquilo em que acreditamos? – Jaime Piçarra – Agroportal, também sobre a importância das Iniciativas Europeias de Cidadania.
Cerca de 6 meses depois, vale a pena regressar ao tema, não só pelo contexto em que vivemos, mas sobretudo para fazer um breve ponto de situação e continuar a defender que temos de ser ativistas das causas em que acreditamos. E só nós o podemos fazer, sem que as nossas posições possam ser “capturadas”, nem que seja por omissão, por outros, que apenas pretendem cavalgar a onda do oportunismo ou da “espuma dos dias”.
Dizem-nos que até os ambientalistas, alguns partidos políticos da extrema mais radical, não querem acabar com o Mundo Rural, apenas transformar no interesse dos cidadãos (urbanos?), da paisagem, da biodiversidade, talvez sem animais, apenas a agricultura biológica, galinhas de ar livre…este não é um Mundo Rural que nos serve, lutamos por um outro que nos dignifique, que olhe para os animais na paisagem, no aproveitamento dos solos, na integração nos ecossistemas, em que os bio têm lugar mas por decisões do mercado e não por uma qualquer imposição legislativa. Que não nos empobreça e conduza a mais desertificação e abandono.
E para defender o Mundo Rural em que acreditamos, devemos conseguir obrigar a Comissão Europeia a ouvir-nos, porque é esse o seu dever quando se atingir um milhão de assinaturas na iniciativa “Protect Our Rural Heritage”. É possível. Desde que façamos o nosso trabalho. A Iniciativa contra o fim das gaiolas, conseguiu 1,4 milhões de assinaturas e foi, de facto, emblemática. Porquê? Apenas porque se interessaram e mobilizaram. Será que não o podemos fazer?
Neste momento a Iniciativa de Cidadania pela defesa do Mundo Rural, e que pode ser subscrita através do site www.meatthefacts.eu, à data em que escrevemos, tinha um total de 8 300 subscritores – variando entre os 25,6% do que é necessário na Grécia (cerca de 4 000 inscritos) e os 0,3% em França, Itália, Alemanha, Itália. Espanha tem 390 assinantes (0,9) e Portugal está neste momento bem colocado, apesar dos escassos 468, 3,2% do total de 14 805 de que necessitamos. A Hungria começa a estar particularmente ativa, situando-se nos 4%. A este movimento húngaro não deve ser alheia a situação de “confronto” atualmente vivida no quadro da União Europeia.
Dizem-me que, provavelmente, a petição deveria estar em português, mas também se pode escolher a língua, ao clicar aqui. Podemos até dizer que ainda é tempo, que talvez os ventos possam mudar em Bruxelas, com as europeias de 2024 e novos alinhamentos. Aliás era bom que nas Eleições de junho de 2024 se discutisse a Europa, explicar às pessoas como funcionam as instituições, todo o processo de decisão, em vez de se centrar o debate na política interna e de como a Comissão ou a Europa é a “culpada” da ineficácia dos diferentes Governos na União Europeia e, sobretudo, na Agricultura.
Também nos dizem que na Holanda já existe um Partido Rural, não por acaso, de extrema-direita, negacionista, em algumas posições. Pessoalmente, acredito que temos de ser moderados, acreditar numa integração, equilíbrio e bom-senso entre agricultura e ambiente, o papel da agricultura na sua multifuncionalidade, no interesse dos consumidores, que devem ser formados e informados, de forma a poderem fazer escolhas conscientes e livres. De ruído ou de ideologias.
Há alguns anos, quando começámos a ter reuniões frequentes em Bruxelas, a maior parte dos representantes dos Grupos de Consulta da Comissão eram representantes dos agricultores e cooperativas. Hoje estas entidades são apenas um terço e a nossa presença nos atuais Grupos de Diálogo Civil, enquanto representante da Indústria, é tão legítima quanto a daqueles que defendem o ambiente, o bem-estar animal, mais ou menos fundamentalistas…porque hoje é essa a chamada Sociedade Civil.
Também por isso, temos de lutar, com convicções, dados concretos, científicos, fazer valer os nossos argumentos, tentar convencer os decisores, não só em Bruxelas, mas a começar nos diferentes Países.
Mas não desistir de lutar por aquilo em que acreditamos: ativistas das nossas causas.
O fim do período de recolha de assinaturas termina no dia 2 de novembro, mas é urgente mobilizar e atuar. Leiam, assinem se for essa a vossa decisão, em consciência.
Nesta perspetiva, a defesa da herança do Mundo Rural, pode estar à distância de um clique.
Se não o conseguirmos, pelo menos eu, que escrevo no espaço público, terei de retirar as devidas conclusões.
A indiferença magoa, dói, destrói. Não quero acreditar que não estaremos disponíveis para, pelo menos, defender o que acreditamos.
Pelo menos, que o façamos em nome das gerações futuras!
Engº Agrónomo
Precisamos de políticas integradas para o Mundo Rural. Teremos Talentos?