De forma clássica, poderemos distinguir dois tipos de agricultura, com base nos seus perfis de risco: (1) uma agricultura tradicional, essencial na ocupação do espaço rural e no sustento da economia local, cujo impacto económico é maioritariamente estático e (2) uma agricultura moderna, caracterizada pela inovação e pela excelência na otimização dos recursos, bem preparada para promover crescimento económico, e assim gerar mais e melhor emprego.
Esta diferenciação é totalmente válida? Não é. E será ainda menos válida de futuro.
Trabalhando diariamente com empresas agrícolas, verifica-se que muitas das empresas convencionais desapareceram ou estão em acelerada extinção. A maioria destas empresas continuou presa ao seu negócio tradicional, sem entender a importância do conhecimento na introdução de melhorias tecnológicas ou, onde estas não sejam aplicáveis, sem saber dimensionar-se/posicionar-se de modo a aumentar a sua eficiência produtiva e comercial.
Pelo facto de várias empresas não se conseguirem adaptar e efetuar uma transição serena para a modernidade, já poderíamos concluir que a diferenciação apresentada esbater-se-á progressivamente, à medida que a “primeira” agricultura continue a perder superfície agrícola e relevância económica em detrimento da “segunda” agricultura.
Contudo, esta situação constitui apenas o lado mais dramático da revolução económica em curso, aplicada ao setor agrícola. É verdade que também existem empresas altamente especializadas no setor produtivo, destacando-se por uma gestão exemplar da rega e outros fatores de produção ou até pelo nível de inovação tecnológica que conseguem introduzir nas suas culturas. Este tipo de empresas pertence claramente à “agricultura moderna”.
No entanto, será consensual que boa parte destas empresas não conseguirá ocupar totalmente o espaço explorado pela “agricultura tradicional” e, desta forma, não poderá contribuir para substituir a integração territorial e social que este género de agricultura propicia.
De igual forma, não deveremos olhar para a inovação agrícola apenas como uma equação matemática onde, introduzindo aumentos de melhor química, genética ou tecnologia, a competitividade agrícola estará plenamente assegurada. Tal como em outros setores da economia, a ciência e a tecnologia também são indispensáveis ao desenvolvimento agrícola. Todavia, para garantir a diversificação do tecido empresarial e confirmar a sua robustez à evolução do mercado ou a crises económicas, também é necessário proporcionar condições para a inovação de pensamento surgir na agricultura.
Para dar resposta a esta necessidade, algumas empresas agrícolas começam a adotar um modelo de gestão bidirecional, i.e., com preocupações de inovação incremental (“fazer melhor”) nos seus negócios tradicionais e de inovação radical (“fazer diferente”) nas novas áreas de negócio que eventualmente se integrem no seu plano estratégico.
Mas poderá a inovação agrícola assegurar maior coesão territorial em Portugal?
É difícil garantir coesão territorial em territórios que não apresentem sustentabilidade económica. Ainda assim, a inovação agrícola poderá fixar população e combater este status quo, através de contributos mais profundos do que a mera atribuição de ajudas monetárias.
Além de promover o nascimento de novos produtos (ex: um recente adoçante extraído de arroz) ou a reformulação de produtos existentes (ex: snacks de fruta desidratada), a nova visão empresarial começa também a valorizar o papel histórico e paisagístico da agricultura, desenvolvendo modelos de negócio adaptados a novos segmentos de mercado e clientes.
Por exemplo, esta valorização concretiza-se no facto de cada vez mais empresas (agrícolas ou próximas destas) investirem em iniciativas ou parcerias relacionadas com a realização de eventos ou com o turismo. Dentro deste último, destacam-se o agroturismo, proporcionando experiências de campo e provas de gastronomia regional a turistas ou clientes vincadamente urbanos, e o turismo sociológico, onde se recriam práticas ancestrais em eventos de natureza local e a promoção da agricultura serve de contextualização histórica.
Além de promoverem os seus produtos e a região onde estão inseridas, as empresas podem minimizar algum risco de investimentos agrícolas mais avultados, pelo facto de aumentarem as suas vendas ou obterem uma receita alternativa no turismo, através de um investimento diminuto (ex: reabilitar uma adega envelhecida e destiná-la ao enoturismo).
Aceitar a função da agricultura enquanto promotora do espaço rural e saber utilizá-la em prol de novas iniciativas, de modo a competir melhor numa economia globalizada. Este tem sido um tema bastante debatido em várias conferências de 2017 e com garantia de novos episódios em 2018, por ser um dos assuntos a discutir no âmbito da PAC pós-2020.
Verifica-se, porém, que os recursos humanos das empresas de média/pequena dimensão estão sistematicamente ausentes deste tipo de debates, sendo a “voz agrícola” exclusivamente delegada nas confederações agrícolas ou nas grandes empresas. Contudo, é frequente ouvir-se o protesto dos agricultores quando as medidas estão em vigor e primam pelo seu absurdo.
Apesar de não ser uma situação nova, esta situação constitui um sinal preocupante do progressivo afastamento entre o meio político e a maioria do tecido empresarial. Perde-se assim a opinião válida de quem trabalha e vive no meio rural, estando apto a interpretar rapidamente os resultados das medidas em debate.
Receio que a maioria das nossas empresas agrícolas não esteja desperta para esta urgência.
Vamos ter de acordá-las.
Filipe Cruz
Engenheiro Agrónomo na AVA – Associação de Viticultores de Alenquer.