Pelos acontecimentos que marcaram a semana, estaríamos tentados a escrever sobre o direito à indignação, a recordar as palavras utilizadas pelo então Presidente da República, Mário Soares, a 7 de março de 1995, nos dias de cerco e buzinão. O “direito à indignação” é um conceito que se refere à liberdade de expressar descontentamento ou protesto, um princípio importante nas sociedades democráticas como a nossa. A capacidade de criticar ou de questionar ações ou políticas é essencial para o funcionamento saudável do sistema político e social. E foi exatamente isso que pensámos, na sequência de uma entrevista da jornalista Andreia Azevedo Soares ao ambientalista George Monbiot, publicada pelo jornal “Público” na edição de 28 de julho, a propósito do livro “Regenesis”. Na referida peça, o entrevistado refere que a agropecuária domina 38% do planeta (como se tal não fosse importante na alimentação de milhões de pessoas) e defende a reconversão desses solos em ecossistemas selvagens como uma solução para a crise climática. Acabar com a atividade pecuária seria, assim, a solução deste vegano, que ainda vai mais longe quando afirma, sem quaisquer bases científicas, que a criação de bovinos e de ovinos em pastoreio tem um impacto ambiental superior ao da queima de combustíveis fósseis. Estes são argumentos facilmente “desmontáveis” por estudos ou análises, por exemplo, da Universidade de Davis ou da EPA, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA.
Não está em causa a entrevista, porque a jornalista e os jornais são livres de publicar o que entenderem; aliás, é cada vez mais frequente os media tomarem posições em favor de determinadas “causas”. O que nos preocupa, é o populismo, a falta de argumentos científicos, a desinformação, as confusões entre pecuária extensiva e intensiva: estão em causa políticas públicas erradas ou mal compreendidas, como se, num mundo em que parece que tudo é “branco ou preto”, quem defende a produção animal só possa advogar que os consumidores se “empanturrem” de carne. Não é isso que nos move. Defendemos um consumo moderado, a dieta mediterrânica, sabendo que o consumo de produtos de origem animal é muito importante para uma dieta equilibrada e saudável. Defendemos decisões conscientes e informadas. Não precisamos de (mais) populistas e de manipuladores.
A entrevista suscitou várias reações de personalidades ligadas ao setor da produção animal e, diga-se, em abono da verdade, que a jornalista e o Público estiveram bem: publicaram as cartas de resposta e comprometeram-se a publicar os artigos de opinião que, naturalmente, exprimem posições contrárias. Esta é a função do bom jornalismo: assumir o contraditório, informar os leitores, com seriedade e verdade.
É nessa linha que também temos atuado em Bruxelas.
Os detratores da produção animal, quais “Monbiots”, mais ou menos disfarçados, há muito que circulam pelos corredores da Comissão e do Parlamento Europeu, nos denominados intergrupos.
Numa carta enviada pelo European Livestock Voice (ELV) à Presidente da Comissão Europeia, recorda-se que o valor da pecuária vai muito além da produção de carne, proporcionando benefícios sociais, como parte integrante da bioeconomia circular e dos sistemas sustentáveis de produção agrícola e alimentar. Também é ambiente, paisagem e território. Os parceiros da ELV, entre os quais a FEFAC, estão a defender ativamente, no âmbito do atual mandato do Parlamento Europeu, a criação de um novo intergrupo consultivo, ligado às questões da atividade pecuária, para combater a narrativa negativa dos já existentes sobre bem-estar animal e alterações climáticas, claramente contra o setor.
Para terminar, ainda o tema da desflorestação e da EUDR, em que as novidades a registar nesta semana são a disponibilidade de cooperação do ICNF, além da DGAV e GPP, a par de uma excelente articulação da FEFAC com a DG AGRI, bem como a ausência de resposta da Presidente Úrsula von der Leyen relativamente às preocupações dos setores em causa. Adiar ou não adiar a entrada em vigor, a cinco meses da data de implementação, eis a questão. Para já, um silêncio ensurdecedor.
O impacto, esse, começa a ser desenhado pela indústria da alimentação animal, à luz dos dados que se conhecem para eventuais agravamentos de preços da soja, quando – este é outro problema devido à incerteza jurídica – não existem ofertas para o primeiro trimestre de 2025. Os prémios podem situar-se entre 5 a 10% dos preços de mercado e, com uma procura de 15 milhões de toneladas de bagaço de soja, os custos acrescidos poderão situar-se entre 300 a 600 milhões de euros. Tudo isto poderá agravar-se porque os aumentos dos preços da soja poderão impactar os preços de outras fontes de proteína.
Para Portugal, as simulações que já fizemos apontam para acréscimos na ordem dos 12,0 €/ton nos alimentos para suínos e dos 9,0 €/ton nos alimentos para aves, os principais consumidores de soja, podendo situar-se entre 25 a 30 milhões de euros no seu conjunto. O valor global será superior, porque a conjuntura tenderá a condicionar os custos de produção das outras espécies.
No contexto atual da pecuária nacional, estes montantes são um fardo demasiado pesado, que o setor não está preparado para enfrentar. E os consumidores estarão disponíveis para suportar tais agravamentos?
É bom que os decisores políticos, ao mais alto nível, sobretudo na União Europeia, reflitam sobre estes números e, sobretudo, sobre as políticas e os seus impactos nos cidadãos. A EUDR pode implicar um preço demasiado elevado para todos nós e, mais grave ainda, provocar disrupções importantes nas cadeias de abastecimento de soja, café, cacau, borracha, madeira, palma e bovinos.
Em vez do direito à indignação, optámos pelo direito (dever?) de agir.
Numa altura em que a União Europeia publica a primeira legislação sobre a Inteligência Artificial, lembramos o brilhante matemático britânico Alan Turing, considerado o pai da IA, e o seu pensamento “Não importa o quão brilhante pode ser; se não tiver coragem de agir, as suas ideias serão inúteis”.
Agir, mais do que nunca, é obrigatório!
Votos de boas férias.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA