De quando em vez o sector dos queijos vê chegar gente cheia de boa vontade. O problema é o embate com a realidade, em particular para os que querem fazer as coisas bem feitas a partir de leite cru.
Rodolfo Sater Carvalho e Amélia Carapinha Santos conheceram-se em 2010, nas Caldas da Rainha, enquanto frequentavam o curso de Design Gráfico e Multimédia. Ele (hoje com 31 anos) é de Vila Franca de Xira e ela (32 anos) é de Serpa, onde vivem desde 2013 com os dois filhos. Como precisavam de um modo de vida, dedicaram-se às artes gráficas, mas sem grande paixão, de tal forma que, no caso de Rodolfo, “a ideia de passar a vida em frente a um computador transformou-se num pesadelo”.
Em 2019 foram dar uma volta pela Feira do Queijo do Alentejo, em Serpa. Provando queijo aqui e acolá chegaram a uma bancada onde se demoraram mais um pouco. A dada altura, ouviram isto: “Olhem lá, vocês, moços novos, é que ficavam com a minha queijaria. Já estou velho e os meus filhos não querem saber daquilo para nada.” Rodolfo e Amélia desataram a rir, despediram-se e seguiram para a próxima banca, mas quando iam a sair do recinto da feira já estavam a fazer contas com poupanças, investimentos, rentabilidades e afins. Ligeiro problema, nem um nem outro fazia a mínima ideia como se formava um queijo, nem um nem outro tinha sequer uma cultura exigente de consumo de queijo, embora Amélia estivesse habituada a ouvir muitas histórias sobre queijo Serpa porque o pai toda a vida trabalhou com ovelhas.
José Henriques Carapinha é o que se pode dizer um alentejano de estirpe apurada. Não é doutor em “coisíssima nenhuma”, mas é, conta-nos num dos pavilhões da última edição da feira de Serpa, especialista em três áreas: “pessoas (pelo olhar tiro-lhes logo as medidas), ovelhas (trabalhei 20 anos em melhoramento genético na Herdade da Abóboda) e pombos – a minha Teresa foi vice-campeã nacional e chegou a vir de Saragoça para Serpa a 90km por hora, o que não é brincadeira nenhuma”. A columbofilia é, segundo José Henriques, “o segundo desporto mais popular em Portugal, a seguir ao futebol”. “E só não é mais falado porque os jornalistas andam cegos”, contou-nos o próprio, enquanto cortava queijos e enchidos e distribuía comentários de natureza e intensidade humorísticas variadas, consoante quem o abordava.
Depois de muitos cenários desenhados, Rodolfo entendeu que era de bom tom comunicar a aventura ao sogro, embora imaginasse qual seria a reacção. Não se enganou. “Eu ainda nem tinha concluído bem a frase e já ele estava a dizer: ‘deixa-te de ser parvo’. E logo quis mudar de conversa. Mas eu, com ar sério, disse-lhe que a decisão estava tomada e ia mesmo avançar. Nessa altura ele parou, olhou para mim em silêncio e eu reparei que tinha os olhos marejados. Estava emocionado porque, mesmo sabendo que isto é uma vida muito dura – ele conhece bem o sector – suponho que ele sempre sonhou em ter uma queijaria. E isso ia acontecer pelas mãos de uma filha e do genro.”
De maneira que, em 2020, nasceu a Curadoria 100 Histórias, governada por dois roupeiros imberbes. Em todo o país os queijos fazem-se em queijarias, mas em Serpa – como dizem os antigos – fazem-se em rouparias. Não há cá queijeiros, há roupeiros. E porquê rouparias? Porque, noutros tempos, os locais onde se faziam queijo tinham sempre muitos panos – os panos brancos usados na separação do soro da massa do queijo – a secar ao sol e ao vento. Como os alentejanos são alentejanos, baptizaram tais espaços de rouparias.
Pela juventude, pela irreverência do nome (foi escolhido porque “foneticamente transmite a ideia de que o projecto ou não tem qualquer história ou tem muitas histórias para contar”) e, mais importante, pelos queijos bem cuidados que apresenta, a Curadoria 100 Histórias atraiu a atenção daqueles que apreciam o afamado […]
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