As políticas contra o desperdício de alimentos só serão mais eficazes e justas se incluírem abordagens culturais e éticas, conclui um estudo de Nicola Piras (Universidade do Minho) e Andrea Borghini (Universidade de Milão, Itália), publicado na revista “Nature Food”. Os autores consideram que o desperdício alimentar é um problema mundial sério, mas não tem ainda uma definição universal consistente, o que dificulta a implementação de políticas eficientes para o combater.
“As abordagens atuais para medir o desperdício de alimentos são demasiado rígidas e inflexíveis, não conseguem captar os desacordos ou as circunstâncias mutáveis, e isso limita a sua utilidade para o desenvolvimento de políticas eficazes”, observam os autores. Por isso, propõem uma abordagem inovadora que consiste em rotular os alimentos não como “desperdício de alimentos” (substantivo) ou “alimento desperdiçado” (adjetivo), mas através do uso do advérbio “desperdiçadamente”.
Por exemplo, em vez de dizer “há uma banana desperdiçada no frigorífico”, dir-se-ia “desperdiçadamente, há uma banana no frigorífico”. Essa mudança linguística aparentemente insignificante fundamenta uma estrutura teórica com grande força expressiva, capaz de representar perspetivas indefinidas, diferenças culturais, contextos variáveis e situações reversíveis, justifica Nicola Piras, que investiga no Centro de Ética, Política e Sociedade (CEPS) da Escola de Letras, Artes e Ciências Humanas da UMinho.
Esta estrutura teórica baseia-se em oito critérios, incluindo a reversibilidade (considera elementos que podem deixar de ser desperdício), a relacionalidade (leva em conta contextos específicos) e a sensibilidade aos valores (reconhece diferentes juízos normativos). O método poderia ser aplicado em sistemas globais de monitorização do desperdício alimentar, transformando o modo como governos e outras agências o medem, o comparam e o enfrentam, no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. “A recolha e a interpretação de dados influenciam cada vez mais as decisões políticas, seja ou não nos sistemas alimentares, logo a forma como comparamos e interpretamos as métricas do desperdício alimentar torna-se essencial para uma ação eficaz e significativa”, frisa Andrea Borghini.
Um terço dos alimentos não é consumido
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que um terço da produção alimentar é diariamente perdido (na colheita, armazenamento, transporte e processamento) ou desperdiçado (em supermercados, restaurantes e casas), contribuindo para sociedades desiguais e as alterações climáticas. Os grandes desafios atuais obrigam a repensar o papel dos alimentos, desde como preservar a sua autenticidade, aceitar carne cultivada em laboratório, destruir comida para subir o seu valor de mercado, promover o sobreconsumo, taxar produtos menos saudáveis ou apelar à responsabilidade individual perante a fome no planeta.
A filosofia da alimentação é uma nova área académica e Nicola Piras um dos seus nomes proeminentes. Doutorou-se em Ciências Ambientais e Filosofia da Ciência pela Universidade de Sassari e lecionou nas universidades de Milão e de Vita-Salute San Raffaele (todas na Itália). Fez um período Erasmus na Universidade de Oldenburgo (Alemanha) e foi investigador visitante na Universidade de Columbia (EUA). Está a desenvolver no CEPS-UMinho um projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, sobre as dimensões conceptuais e normativas do desperdício alimentar e o seu impacto nas sociedades em geral. Coordena também o centro internacional de filosofia da alimentação Culinary Mind, a par de Andrea Borghini, que é professor da Universidade de Milão e que já lecionou no College of the Holy Cross e na Universidade de Columbia (ambos nos EUA).
Fonte: Universidades do Minho