O que é o CRISPR?
CRISPR é uma sigla de Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, cuja tradução em português é “repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas”.
Para realizar alterações em genes seria necessário localizá-los no genoma. Para os humanos não é algo fácil, mas para as bactérias sim. Há milhões de anos que as bactérias combatem vírus e algumas desenvolveram um sistema imunitário que regista segmentos de DNA viral no seu próprio genoma. Assim, quando os vírus voltam a atacar, o seu DNA é fácil de reconhecer e de cortar com enzimas que funcionam como tesouras – o que impede a replicação do vírus. É esse sistema imunitário que se chama CRISPR.
A grande revelação foi quando, em 2012, Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier mostraram que conseguiam reprogramar o sistema CRISPR para localizar e editar um gene à escolha. O que, em novembro de 2014, lhes valeu distinção com o prémio de inovação por potenciar um sistema bacteriano antigo como tecnologia de manipulação genética e, em 2020, o Nobel da Química pelo desenvolvimento do método de edição do genoma, o CRISPR/Cas9.
Ora, as cientistas aplicaram o tal sistema das bactérias – em que usam pequenos RNA não-codificantes para fazer com que a Cas9 (que é uma ribonuclease) corte o DNA num determinado sítio – à modificação e correção de genomas.
A técnica de edição genética CRISPR/Cas9 permite, desta forma, cortar o genoma num local exato para depois repará-lo.
O que é que isto tem a ver com RNA? O que dirige a tesoura para o sítio correto onde realizar o ‘corte’ é precisamente o RNA, aliás, não existe CRISPR sem uma molécula de RNA. Por sua vez, o Cas9 é a tesoura.
Desde então, os investigadores descobriram que o CRISPR/Cas9 não só permite usar o CRISPR para “suprimir” os genes, removendo-os, como também podem aproveitar enzimas reparadoras para substituir os genes desejados no “buraco” deixado pelo anterior – embora tal seja mais difícil de conseguir. Assim, os investigadores poderiam remover um gene causador de doença e inserir um gene “bom” para a substituir.
Todos os seres vivos têm o seu material genético, que é composto por milhões de bases que levam as células a produzir as proteínas responsáveis pelos processos biológicos nesses seres vivos. Este ‘novo método de engenharia genética’ permite “reescrever o código da vida”, afirmou o secretário-geral da Academia, Goran Hansson, na cerimónia de anúncio do Nobel, em Estocolmo.
“Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier foram pioneiras em adaptar um sistema chamado CRISPR, que é um sistema que existe naturalmente em bactérias, para ser capaz de modificar o genoma das células humanas e a forma como o genoma funciona nas células humanas. Ora, o que se conseguiu também fazer já este ano foi usar a molécula de RNA, da mesma maneira que se usa para as vacinas, mas, neste caso, a molécula leva informação para fazer a enzima da edição génica e assim conseguir corrigir uma doença genética”, explica Maria Carmo-Fonseca, presidente da RNA Society, especialista em genética e biologia molecular e principal responsável pelo Laboratório de Regulação Genética do IMM ao SAPO24.
Este sistema é relativamente fácil de usar, o que levou a que se espalhasse rapidamente pela comunidade científica. Atualmente, há milhares de artigos relacionados com CRISPR e com a sua utilização em plantas, em bactérias, em leveduras e outros seres vivos.
CRISPR na agricultura
O CRISPR não é útil apenas para a edição em humanos. Esta tecnologia pode ser muito vantajosa na agricultura, podendo assegurar uma produção mais sustentável e um aumento da eficiência do melhoramento vegetal, melhorar a resposta perante os efeitos das alterações climáticas e do aumento da população mundial.
A título de exemplo, esta ‘ferramenta’ poderia tornar os alimentos e plantas mais resistentes ao bolor, mais nutritivas e mais resistentes a seca e pragas. Tecnologias como o CRISPR/Cas9 podem ainda ajudar a tornar a produção alimentar mais sustentável, com plantas mais resistentes a doenças e a condições ambientais mais duras, dispensado-se o uso de pesticidas e fertilizantes.
“O CRISPR vem é acelerar a possibilidade de fazer modificações dos organismos. O conceito não é nada de novo, é apenas uma forma mais eficaz de atingir o mesmo fim, que já se fazia antes”, explica Maria Carmo-Fonseca, que se assume como “uma grande defensora dos organismos geneticamente modificados”.
“Claro que tem de haver regras, claro que tem de haver regulamentação. Não pode ser deixado à indústria agroalimentar, sem qualquer tipo de regulamentação, mas vejo imensas vantagens, porque as modificações genéticas que introduzimos quer em plantas quer em quer em animais ou microorganismos não são mais do que uma forma acelerada do melhoramento que os agricultores sempre fizeram ao longo dos milénios da humanidade”, justifica.
“Os agricultores selecionavam e cruzavam a espécies de maneira a torná-las ou mais resistentes ou produtoras de alimentos com melhores qualidades e nós agora não precisamos de fazer esses cruzamentos naturais, podemos que atuar diretamente sobre os genes, já sabemos quais são os importantes”, acrescenta.
A investigadora levanta ainda a hipótese de “introduzir genes novos, que é o grande mundo da biologia sintética, para produzir microrganismos que sejam capazes, por exemplo, de degradar os plásticos, que neste momento são uma enorme preocupação”.
“Temos o planeta totalmente e invadido por plásticos, quer na Terra, quer nos Oceanos, e se calhar parte da solução vai passar por microrganismos que sejam capazes de metabolizar, digerir o plástico. Mas, como não existem microrganismos naturais que sejam capazes de o fazer, provavelmente, vamos ter de dar uma pequena ajuda e criar estes microrganismos capazes de digerir plástico para ajudar no problema. Não vejo riscos, mas obviamente sempre dentro de num contexto de regulamentação daquilo que é feito”, conclui.
A técnica CRISPR revolucionou a manipulação do genoma pela sua precisão e facilidade de uso, permitindo cortar DNA ou RNA num local específico, selecionado, e modificando o código genético no interior da célula. Assim, a edição de genomas é apontada não só como a chave de problemas relacionados com a medicina, mas também com a produção de alimentos e ambiente.