É cada vez mais frequente ouvirmos falar de espécies ameaçadas e que é necessário redobrar esforços para travar a perda de biodiversidade, mas quais são os critérios que determinam o estado de conservação das espécies e nos indicam quais são aquelas que enfrentam menor ou maior risco de extinção?
Avaliar o estado de conservação das espécies e o seu risco de extinção é uma tarefa complexa e desafiante, pela diversidade de espécies que existem, pelo abrangente conhecimento que esta avaliação exige e pelo tempo que é necessário para obter este conhecimento. De acordo com os critérios usados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), são precisas três gerações ou 10 anos, sendo usado o período mais longo para determinar o estado de conservação de uma espécie.
Desde finais do século XX que esta tarefa é feita com base num conjunto fixo de critérios sobre as populações, os indivíduos maduros (isto é, com capacidade para se reproduzirem), as áreas de distribuição e de ocupação, que permitem classificar as espécies em diferentes categorias de ameaça. São estas categorias que dão a conhecer se a espécie pode estar (ou não) em risco de extinção.
Estas categorias e critérios foram formalmente desenvolvidos pela UICN, com a contribuição de centenas de especialistas em conservação, e publicados, pela primeira vez, em 1994.
Embora já antes se fizessem avaliações do estado de conservação, foi desde então que passaram a fazer-se sob um sistema quantitativo, padronizado e rigoroso. Com este sistema, conhecido como “Categorias e Critérios da Lista Vermelha da UICN” (que em 2025 está na sua 16.ª versão), passou a existir um único padrão, assente nos mesmos critérios científicos em todo o mundo, para avaliar o risco de extinção e nível de ameaça de espécies, o que permite:
- Ter uma base comum para a conservação da biodiversidade, permitindo conhecer e comparar o estado de conservação regionalmente ou globalmente, em qualquer parte do mundo, com base em evidências científicas e modelos matemáticos.
- Fornecer informação que apoie decisões em políticas de conservação e de gestão ambiental (ecossistemas, habitats, biodiversidade).
- Sensibilizar para as ameaças às espécies e para a necessidade de conservação.
- O sistema aplica-se à avaliação ao nível da espécie ou de grupos taxonómicos inferiores (como subespécie, por exemplo) e permite avaliar o estado de conservação de plantas, animais e fungos (todos os organismos vivos, exceto micro-organismos).
Em 2025, a Lista Vermelha da UICN conta com avaliações para perto de 170 mil espécies, mas muitas delas necessitam de ser reavaliadas para que conheça a informação atualizada (e evolução registada) e muitas outras dezenas de milhar estão ainda por avaliar.
Em 2025, o lince-ibérico já não está Em Perigo de extinção graças aos esforços de conservação
O estado de conservação evolui à medida da realidade (e ao ritmo das avaliações), como aconteceu, por exemplo, com o lince ibérico (Lynx pardinus), nas avaliações globais da Lista Vermelha da UICN: entre 2002 e 2008, foi considerado em Criticamente em Perigo, mas o risco extremo de extinção reduziu-se devido aos esforços de conservação e reintrodução na natureza. Em 2015, passou à categoria Em Perigo e, em 2024, a Vulnerável. Em Portugal, foi avaliado como Em Perigo no Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental.
Este sistema é composto por nove categorias principais: duas para situações em que a avaliação não é possível por falta de dados ou não foi feita (Dados Insuficientes e Não Avaliado) e sete para espécies avaliadas:
- Duas aplicam-se a situações de extinção – Extinto e Extinto na Natureza;
- Três designam diferentes categorias de ameaça – Criticamente em Perigo, Em Perigo ou Vulnerável.
- Duas referem-se a um risco baixo, embora com possibilidade de vir a aumentar no futuro, ou à inexistência de risco de extinção no presente – Quase Ameaçado e Pouco Preocupante (ou Menos Preocupante).
Estas categorias principais podem ser completadas por subcategorias (relacionadas com os fatores que condicionam o risco de extinção) e ser atribuídas num país, numa região ou no mundo. Consoante se trate de uma avaliação local ou mais ampla geograficamente, as conclusões podem ser diferentes. Por exemplo, uma espécie pode estar “Em Perigo” localmente ou ser “Vulnerável” regionalmente, mas ser “Pouco Preocupante” globalmente.
Esta classificação é feita após a análise de cinco critérios quantitativos (cada um com vários subcritérios) usados para determinar se a espécie está sob ameaça e qual a categoria em que deve ser classificada (Criticamente em Perigo, Em Perigo ou Vulnerável) ou se, pelo contrário, este risco ainda é reduzido ou não se coloca no futuro próximo (Quase Ameaçado ou Pouco Preocupante). Basta corresponder a um dos cinco critérios (e seus subcritérios) para efetuar a avaliação:
- A: Redução da população (ao longo de 10 anos ou três gerações – o que for mais longo);
- B: Distribuição geográfica restrita, em declínio, fragmentação ou com flutuações;
- C: População pequena (com poucos indivíduos maduros) e em declínio contínuo ou projetado;
- D: População muito pequena (com muito poucos indivíduos maduros) ou área de distribuição muito restrita;
- E: Análise quantitativa do risco de extinção (probabilidades).
Os múltiplos critérios e subcritérios são complexos, com diferentes indicadores e intervalos quantitativos – ver quadro Resumo dos Cinco Critérios – e exigem um conhecimento alargado da dimensão das populações e subpopulações, do número de indivíduos maduros, da extensão e características da sua área potencial de ocorrência, área real de ocupação e estado dos habitats.
As categorias de conservação: exemplos em Portugal e no mundo
Para integrar uma espécie numa categoria são, normalmente, necessários anos consecutivos de observação e análise, que envolvem técnicas diferenciadas consoante o tipo de espécie, desde a colocação de câmaras fotográficas (armadilhagem) à anilhagem de aves, passando pelos censos (contagem) em campo. Só depois é possível catalogar a espécie numa das categorias que classificam o seu estado de conservação (ou concluir que não existem dados suficientes para a fazer).
Eis alguns exemplos reais da categorização do risco de extinção de espécies em Portugal e no mundo:
– Extinto (pode ser designada pela abreviatura EX – Extinct)
Esta categoria é aplicada quando, após levantamentos exaustivos, não existe dúvida razoável de que último indivíduo da espécie morreu. Não existir dúvida é importante, pois quando uma espécie é declarada Extinta deixa de ter financiamento para proteção e terminam as medidas dirigidas a conservá-la. Assim e sempre que não existam dados conclusivos, é mais apropriado classificá-la como Criticamente em Perigo, à qual se pode se adicionar a subcategoria Possivelmente Extinta.
O urso-pardo está Regionalmente Extinto em Portugal
O urso-pardo (Ursus arctos) está considerado pelo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental como Regionalmente Extinto em Portugal (o mesmo acontece em vários outros países da Europa, África e Médio Oriente. No norte de Espanha, em áreas florestais de montanha – cordilheira da Cantábria e nos Pirenéus – ainda existem núcleos populacionais desta espécie que, no país vizinho, está classificada como Em Perigo. Globalmente, é uma espécie Pouco Preocupante, com populações estáveis e muitos adultos maduros noutros países.
– Extinto na Natureza (ou EW – Extinct in the Wild)
A extinção na natureza significa que já não existem indivíduos da espécie que está a ser avaliada em estado selvagem ou silvestre naquela que era a sua área de distribuição natural. Aqueles que subsistem existem apenas em cativeiro ou áreas de cultivo, ou em populações que se naturalizaram fora da sua área histórica de distribuição natural.
Árvore-de-Franklin está Extinta na Natureza. Só existe em jardins botânicos.
Conhecida como Árvore-de-Franklin, foi descoberta em 1765, na Georgia, EUA, e na década seguinte foi plantada num jardim em Filadelfia (Bartram’s Garden) a partir de sementes das plantas inicialmente encontradas.
Foi a partir destas primeiras descendentes, que a pequena árvore foi plantada noutros jardins e arboretos. Desde 1803 que não é vista no seu estado silvestre, na sua área de ocupação natural. Considera-se, por isso, Extinta na Natureza.
De acordo com a “European Red List of Trees”, nas espécies de árvores das florestas europeias não foram classificados casos de Extinção nem de Extinção na Natureza, mas há uma percentagem significativa de espécies sem dados suficientes para efetuar a avaliação.
– Criticamente em Perigo (CR – Critically Endangered)
Aplica-se às espécies que estão sob risco extremo de extinção na natureza e para chegar a esta conclusão é necessário que os critérios quantitativos analisados indiquem que, se nada for feito em termos de conservação, existe pelo menos 50% de probabilidade de extinção nos 10 anos ou ao longo das três gerações seguintes. Entre os critérios a observar estão, por exemplo, a redução do tamanho da população da espécie em pelo menos 90%, a área por ela ocupada ser inferior a 10 km2, ou existência de menos de 50 indivíduos maduros.
O bunho-do-litoral está Criticamente em Perigo em Portugal
Embora tenha ampla distribuição mundial, o bunho-do-litoral (Schoenoplectus litoralis) só existe num único local do Sotavento algarvio. Em 2020, a Lista Vermelha Flora Vascular Portugal Continental avaliou-o como Criticamente em Perigo, porque a sua população não ultrapassava os 30 indivíduos maduros nesta única localização, que tem uma extensão de ocorrência e área de ocupação muito reduzidas (4 km2) e um “habitat em declínio continuado e sob pressão”.
– Em Perigo (EN – Endangered)
Aplica-se quando a avaliação dos critérios assinala um risco muito alto de extinção na natureza, nos casos em que os indicadores observados apontem pelo menos 20% de probabilidade de extinção da espécie nos 20 anos seguintes ou ao longo das próximas cinco gerações. Para determinar a inclusão da espécie nesta categoria é necessário que os critérios quantitativos indiquem, por exemplo, que o tamanho da população se reduziu em pelo menos 70%, que a sua área de ocupação é inferior a 500 km2 ou que existem menos de 250 indivíduos maduros.
A orquídea-lassa é uma espécie em Perigo de extinção em Portugal
Em Portugal, a orquídea-lassa (Anacamptis laxiflora) só existe nos prados húmidos do Alentejo, numa extensão reduzida, dispersa e em pequenos núcleos populacionais, que têm vindo a diminuir. As plantas maduras não ultrapassavam as 250 quando foi feita a avaliação da Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, que a classificou como uma espécie em Perigo de extinção no nosso país. Globalmente, não se encontra avaliada na Lista Vermelha da UICN.
– Vulnerável (VU – Vulnerable)
Aplica-se quando a evidência indica que a espécie tem um risco alto de extinção na natureza e que, se nada for feito em termos de conservação, há pelo menos 10% de probabilidade de extinção nos 100 anos seguintes.
A inclusão de uma espécie nesta categoria resulta igualmente de corresponder aos indicadores quantitativos e projeções avaliados pelo menos num dos cinco critérios (e seus subcritérios).
O castanheiro-da-Índia está classificado como globalmente Vulnerável
Natural da Grécia, partes da Bulgária, Albânia e Macedónia do Norte, o castanheiro-da-Índia (Aesculus hippocastanum) foi classificado como Vulnarável (na Europa e globalmente), em 2017, na Lista Vermelha da UICN. Entre as razões estão a redução das populações e dos indivíduos maduros, as flutuações extremas na sua área de ocupação natural e número de localizações, e a diminuição da qualidade dos seus habitats florestais. Em Portugal, esta espécie exótica existe no interior norte.
Quase Ameaçado (NT – Near Threatened)
Quando a espécie não se qualifica atualmente nos cinco critérios avaliados como Criticamente em Perigo, Em Perigo ou Vulnerável, mas está próxima de alguns indicadores que assinalam risco de extinção, ela deve ser classificada como Quase Ameaçada. Quer isto dizer que poderá, no futuro próximo, vir a entrar numa das categorias de ameaça e importa conservá-la para que esta evolução negativa não aconteça.
O morcego-de-peluche está avaliado como Quase Ameaçado em Portugal. Globalmente é considerado Vulnerável.
O morcego-de-peluche (Miniopterus schreibersii) vive em grutas e fendas rochosas, de onde sai para procurar alimento em florestas, pomares e linhas de árvores urbanas. Foi considerado Quase Ameaçado em Portugal, por ter uma área de ocupação reduzida e estarem a ser observados declínios populacionais em Espanha, o que levanta a possibilidade de futuras reduções também no nosso país. Globalmente, está avaliado como Vulnerável, por apresentar um decréscimo das populações e um declínio de indivíduos maduros.
– Pouco Preocupante (LC – Least Concern)
Esta categoria aplica-se a espécies que, após analisados os cinco critérios, não se encontram ameaçadas de extinção. Assim, classifica aquelas que têm, normalmente, uma ampla área de distribuição e populações abundantes. A manutenção destes indicadores positivos não dispensa, no entanto, que se apliquem medidas de conservação.
O azevinho está classificado globalmente como uma espécie Pouco Preocupante
O azevinho (Ilex aquifolium) está classificado globalmente como Pouco Preocupante pela Lista Vermelha da UICN, após avaliação global em 2018. Tem populações em inúmeros países europeus e em alguns africanos e asiáticos. Estas suas populações são estáveis e as áreas onde está presente não se encontram em declínio. Apesar desta avaliação, é uma espécie protegida por legislação específica em Portugal (Decreto-Lei n.º 423/89, de 4 de dezembro) que protege o azevinho espontâneo, para evitar a recolha da planta, que pode levar ao aumento do seu risco de extinção.
– Dados Insuficientes (DD – Data Deficient)
Como indica o nome, faltam dados apropriados sobre abundância e/ou distribuição da espécie, não sendo possível determinar uma categoria para classificar a espécie. Serão necessárias pesquisas futuras que recolham os dados que permitam fazê-la.
Carvalho-de-Monchique: Criticamente em Perigo em Portugal, mas sem dados para ser avaliado globalmente
O carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis), que só existe naturalmente no sul da Península Ibérica e de Marrocos à Tunísia, foi avaliado globalmente em 2017, pela UICN. Nesta avaliação concluiu-se que os dados existentes eram insuficientes para o classificar a nível global. No ano anterior, uma avaliação europeia tinha-o classificado Quase Ameado Regionalmente. Em Portugal, a Lista Vermelha da Flora Vascular classificou a espécie como Criticamente em Perigo.
– Não avaliado (NE – Not Evaluated)
Usa-se sempre que uma espécie não foi ainda avaliada em relação aos cinco critérios (independentemente de existirem dados para o fazer).
Os fungos são as espécies menos avaliadas quanto ao seu risco de extinção
Apesar da sua importância ecológica, principalmente relevante em áreas florestais, os fungos são as espécies menos avaliadas na Lista Vermelha da IUCN.
O número total de espécies de fungos está estimado em 2,5 milhões, mas pouco mais de 150 mil estão descritas pela ciência e só cerca de 1300 foram avaliadas. Destas, perto de um terço estão ameaçadas de extinção. Vários investigadores portugueses têm contribuído para o conhecimento da importância ecológica e para a avaliação do seu estado de conservação, a exemplo da equipa do MyCoLAB, da Universidade de Coimbra.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.