O tempo severo, com muita chuva, na região de Loures, atrasou a produção da Alface do Campo, de onde saem diariamente 1500 quilos de alface. Com ou sem pandemia, esta empresa familiar não pode parar para termos vegetais frescos todos os dias.
Em 2020 saíram desta propriedade, na região de Loures, mil toneladas de alface, metade da produção total de vegetais. Este é o produto-chave da Alface do Campo, empresa familiar situada em A-dos-Cãos, no vale da serra da Sardinha, a menos de meia hora de Lisboa. “Trabalhamos a alface de uma maneira cuidada. Todos os dias colhemos alface e à tarde entregamo-la nos entrepostos das grandes superfícies”, diz Carlos Manescas, 24 anos. No ano passado, foram 400 caixas por dia. “Todos os dias temos de estar em cima das plantas porque elas têm de ser regadas e adubadas, porque as plantas também comem”, acrescenta o irmão Pedro, 22 anos.
Em ano de pandemia, a família só se queixa do clima, que continua a ser o maior inimigo destes agricultores, apesar da covid-19. “O que mais nos prejudicou a produção foi o clima, que no ano passado foi mais severo”, diz o mais velho. “A partir de outubro começou a chover aqui na nossa zona e até agora foi sempre a chover”, especifica Pedro. “Na nossa produção, a pandemia não teve impacto, teve impacto foi nas vendas”, garante Carlos.
Há 60 anos, os avôs paternos tinham ali umas pequenas hortas e vendiam o que colhiam no Mercado da Ribeira, em Lisboa. Quando o filho, pai de Carlos e Pedro, se pôs em campo, o negócio cresceu, tanto em termos de produção como de inovação. E em 2010 deu-se um passo fundamental: decidiram investir num armazém para transformação do produto, o que lhes permitiu fornecer diretamente a grandes superfícies, sem passar por intermediários. “Foi passar de uma agricultura tradicional para uma agricultura mais profissional, nas condições de trabalho e nas de embalamento. Nós produzíamos e queríamos comercializar o que produzíamos”, justifica Carlos, responsável pelas questões relacionadas com a gestão do negócio, não tivesse ele estudado Gestão de Empresas.
O irmão Pedro gosta da terra e das plantas. Técnico de produção agrária, planeia começar neste ano o curso de Engenharia Agrónoma. O pai já lhes passou grande parte das responsabilidades, mas supervisiona tudo. A irmã frequenta o 12.º ano e a mãe é o pilar de tudo. A pequena horta de há 60 anos tem agora 25 hectares, três deles com estufas. E funcionários são 38. “Este até foi o nosso melhor ano de produção porque no ano passado investimos em mais hectares”, resume Carlos.
Mão-de-obra especializada
Aqui não houve lay-off. “Não, não. É impossível. Aliás, tivemos de aumentar o pessoal, fruto da nossa produção”, diz Pedro. A terra continua a produzir, indiferente à pandemia e à quebra nas vendas que, dizem, se verificou após a loucura da primeira semana do confinamento de março, devido ao encerramento de restaurantes e hotéis. “Como havia poucas vendas, os supermercados pediam menos e ficámos com excesso de produto. Por exemplo, apanhávamos 500 caixas todos os dias mas os supermercados pediam só 300. De uma semana para a outra havia sempre 200 caixas de excesso.” E, nas estufas, a alface continuava a crescer ao ritmo do costume: oito semanas entre a plantação e a colheita.
“Fizemos um esforço financeiro para todos os meses lhes dar o salário por inteiro, mesmo que não tivessem feito as horas todas. Foi um esforço, e estamos aqui hoje fruto disso também, por terem ajudado quando começou a ser preciso fazer horas extras”, realça Pedro, garantindo que esta é mão-de-obra especializada. “É como a indústria automóvel, cada um sabe o que tem de fazer.”
Da rotina diária fazem agora parte outras tarefas como desinfetar a carrinha que transporta os trabalhadores de horta em horta ou o material. “Se têm uma faca para colher alguma coisa, a faca é exclusivamente deles. Têm de proceder sempre à desinfeção, porque trabalham produtos aqui do campo, que colhemos e vão para o armazém, são embalados e depois seguem para o consumidor final. Temos de ter sempre o cuidado de desinfetar os utensílios para não haver contaminação no produto”, assegura Pedro.
Os números e os relatos assustadores acerca da pandemia chegam através da televisão e da namorada de Carlos, enfermeira no Hospital Curry Cabral. “Ela está chateada com o comportamento dos portugueses”, confessa. “Não é suposto a quantidade de mortes que está a acontecer, pessoas que às três horas da tarde estão bem e depois às cinco já estão quase a morrer…”
Planos de expansão
Por aqui, apesar do uso de máscaras e de todas as precauções, receia-se que haja um surto. Seria necessário recorrer a trabalho temporário, não familiarizado com as rotinas daquele campo.
Das estufas e das hortas, as alfaces e couves vão para o armazém. Retiram-lhes as folhas menos viçosas, passam-nas por água e embalam-nas, ficando prontas para serem distribuídas nos entrepostos do Minipreço e do Pingo Doce. Só na semana antes do último Natal saíram daqui 50 toneladas de couve.
No verão há outros produtos, como o pepino, a curgete e o pimento, mas há planos para crescer. “Queremos fazer uma produção mais consistente, evitar a sazonalidade”, aponta Carlos. Assim, a família tem em vista novos terrenos, “mais para os lados de Santarém ou Montijo”, onde pretende cultivar nabiças, espinafres, brócolos e grelos de nabo e de couve. O objetivo para 2021, apesar da covid-19, é duplicar a produção, garante Carlos Manescas. “Com os novos terrenos talvez seja possível triplicar”, espera.
O artigo foi publicado originalmente em DN.
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