[Fonte: Jornal de Negócios] Do Minho ao Alentejo, os suinicultores já estão a aproveitar o vírus que afeta a produção chinesa para aumentar os preços na exportação, contando duplicar as vendas. Os consumidores nacionais também vão pagar mais no talho.
O azar de uns é a sorte de outros. Esta expressão popular está por estes dias na cabeça dos produtores portugueses de carne de porco, que encaram o vírus que está a dizimar as varas na China como “uma oportunidade muito grande” para impulsionar as exportações para o gigante mercado asiático, que é o maior criador – representa metade do total –, mas também consumidor deste produto a nível mundial.
Ao Negócios, o secretário-geral da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS) estima que, já este ano, a China vai comprar cerca de 80 mil toneladas de carne nacional, o equivalente a um sexto do volume abatido anualmente no país. “Incorporando já este efeito” da peste suína africana, João Bastos calcula que, em valor, as vendas para aquele destino podem duplicar para 200 milhões de euros em 2020.
“Neste momento em que há escassez do lado da oferta, os preços estão a subir. Tivemos um período de quatro meses [no início do ano] em que houve exportação para a China a preços baixos, mas agora está com preços mais elevados. Já se está a começar a refletir. Nas últimas duas semanas, os preços de venda à China têm aumentado. É um mercado que valia essencialmente pelo volume que absorve – e agora também pelo preço”, detalha o dirigente.
Com 700 produtores industriais em Portugal, localizados essencialmente na faixa entre Coimbra e Alcácer do Sal – 90% da produção está na região Centro e de Lisboa e Vale do Tejo –, o negócio da carne de porco ascendeu em 2018 a 520 milhões de euros. Apesar da ligeira subida em termos homólogos, o setor ainda está aquém dos 600 milhões que valia em 2015, quando iniciou a quebra “sobretudo pelo preço pago ao produtor”. João Bastos tem a “expectativa de voltar a este patamar da faturação, pelo aumento do volume e do valor”.
Tirar do prato na Venezuela e Angola
Para esta retoma, a FPAS conta com o contributo das exportações, em particular para a China, que em breve “vai ter mais [peso] do que o somatório de todos os outros mercados para onde exporta”, com destaque para Espanha, Angola, Reino Unido e França. No ano passado, as vendas no exterior encolheram para metade, a rondar os 50 milhões de euros, num “rombo sobretudo por causa da Venezuela, que era o principal mercado e desapareceu”. Nos últimos três anos, também Angola, que era o número dois no ranking, veio a decrescer as encomendas de carne de porco a Portugal.
Desde o final de 2018, há oito matadouros portugueses homologados para exportar para a China, mas apenas três – dois já tinham capacidade para aumentar produção e um terceiro foi reativado – estão a trabalhar com regularidade e a vender efetivamente desde janeiro. Para já, a Maporal (Évora), o grupo Montalva (unidades em Torres Novas, Santarém e Mafra) e a Primor (Famalicão) são as empresas portuguesas envolvidas nesta internacionalização, com João Bastos a explicar que as outras cinco ainda estão “em contactos com ‘traders’ chineses e a resolver questões logísticas” antes de avançar no terreno.
Idas ao talho vão ficar mais caras
Os preços da carne de porco já começaram a subir na China, mas também nos EUA e em vários países da União Europeia, mas os industriais portugueses “não [antecipam] grandes efeitos inflacionários” no mercado doméstico por via direta deste “desvio” da produção para Oriente. Ainda assim, João Bastos admite que os consumidores nacionais vão pagar mais quando forem ao talho… “pela subida generalizada a nível global, que se refletirá também em Portugal”. O mercado nacional é deficitário em termos de produção – só assegura 65% do que consome – e também de abastecimento (80%), uma vez que importa suínos vivos para abate. A quase totalidade da carne importada vem de Espanha, que é o terceiro maior produtor mundial de porcos.