O principal desafio do aumento da produção sustentável de cereais em Portugal resulta do seu reduzido valor acrescentado e de margens brutas insignificantes, quando medidas em euros de valor absoluto. Os agricultores, mesmo com tradição e experiência, especialmente na área do regadio do Alqueva, abandonaram culturas como o trigo, a cevada, o triticale e até o milho, optando por olival e amendoal, entre outras, que garantem melhores resultados. Isto acontece apesar de beneficiarem de um leque significativo de ajudas financeiras associadas à produção de cereais.
Portugal dispõe de poucos solos férteis, profundos e naturalmente produtivos por hectare. Para se tornarem viáveis na produção de cereais, necessitam de correções e fertilizações dispendiosas, o que agrava os custos e reduz ainda mais as já escassas margens, tornando estas culturas pouco atrativas. Esta realidade explica a redução da área agrícola destinada aos cereais, sobretudo nas culturas de outono-inverno.
Além disso, o clima português, com outonos e primaveras secos, chuvas irregulares e episódios de precipitação intensa, origina fracas produtividades em regime de sequeiro. Assim, só o regadio poderia tornar os cereais economicamente interessantes. Porém, neste contexto, enfrentam forte concorrência de outras culturas — frutícolas, hortícolas e industriais — com maior atratividade e risco de mercado inferior, por não serem comodities internacionais. Ao contrário dos cereais, sujeitos a preços voláteis, influenciados por especuladores bolsistas, essas culturas oferecem mais estabilidade, tornando a aposta nos cereais ainda mais arriscada e preocupante para os produtores.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 101/2018, de 26 de julho, aprovou a Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais (ENPPC), com um extenso conjunto de medidas prioritárias:
- Racionalização dos custos de energia, com foco na eficiência energética;
- Promoção da produção de semente certificada e de genética nacional;
- Reforço dos meios de combate a agentes bióticos;
- Apoio ao reconhecimento de Organizações de Produtores (OP);
- Simplificação do licenciamento de infraestruturas hidráulicas;
- Melhoria da eficiência hídrica, com reforço da capacidade de armazenamento e otimização da rega;
- Priorização dos investimentos e reorganização dos arrozais;
- Reforço da agenda de inovação;
- Promoção da capacitação técnica e serviços em agricultura de precisão ao nível das OP;
- Reativação do apoio ligado à concentração da oferta nas culturas arvenses;
- Manutenção da discriminação positiva às OP no desenvolvimento rural;
- Reforço das estruturas interprofissionais;
- Valorização da produção nacional, interna e externamente;
- Reforço do controlo sanitário à importação;
- Criação de Fundos mutualistas no quadro da futura PAC para mitigar riscos;
- Possibilidade de restabelecer “apoios ligados” ao setor na futura PAC;
- Criação de medidas agroambientais de adaptação e mitigação das alterações climáticas, especialmente em áreas classificadas.
Qual fileira agrícola portuguesa não desejaria um conjunto de medidas tão abrangente, com apoio direto e indireto à produção, agroindústria e comercialização, incentivos financeiros, mecanismos de redução de risco e promoção de competitividade?
Mas o que aconteceu aos cereais desde 2018 até hoje?
Apesar das medidas da ENPPC, continuam a perder área e produção. Todos os agricultores gostariam de ver implementadas políticas semelhantes nas suas culturas, muitos com mais legitimidade para tal, pois mesmo sem estratégias nacionais lideradas pelo setor público ou privado, frutas, legumes e flores (FL&F) continuam a crescer em valor, emprego e exportações. Em 2024, atingiram um recorde de 2 500 milhões de euros em exportações — meta inicialmente prevista para 2030.
É inaceitável que o défice da balança agroalimentar se mantenha elevado (mais de – 4 500 milhões de euros em 2024), quando poderia ser reduzido com uma Estratégia Nacional para os Hortofrutícolas, acompanhada de investimento mínimo proporcional ao canalizado para os cereais.
O que seria lógico — interromper a ENPPC e canalizar os esforços públicos para uma Estratégia dedicada às FL&F e uma outra para a pecuária extensiva (está prestes a atingir a rutura, um limiar de não retorno, maior expressão territorial que os cereais) — não acontece. O apoio aos cereais prossegue, nomeadamente com a criação de uma interprofissional (FL&F nem sequer circulam rumores que irá que irá avançar no curto prazo!), como se Portugal fosse um país abastado, capaz de continuar a gastar sem critério. Desde 2018, é evidente que apoiar os cereais não trouxe resultados. É dinheiro desperdiçado, défice que não se reduz e perda de soberania alimentar. Mas, como se não bastasse, ainda se insiste no erro, dando mais um passo em frente rumo ao abismo.
Concluindo, só pode ser possível porque todos nós cidadãos estamos todos cegos e anestesiados!
Especialista em Desenvolvimento Territorial