Tenho insistido na proposta de dividir os custos de gestão de matos e sub-bosque entre os produtores que existem na economia que existe e os contribuintes.
Tenho falado numa proposta base (muito prudente) de 100 euros por hectare de três em três anos, embora associada a um sistema que permita aumentar o valor quando há poucas candidaturas, diminuir o valor quando há muitas.
A proposta sido muito criticada porque tem vários problemas, alguns deles bem reais, mas raramente com propostas alternativas melhores (hoje, Paulo Fernandes, referindo o padrão de estar tudo calcinado nos montes e haver muitas ilhas verdes no fundo dos vales dizia que tinha uma boa proposta, terraplanar o país e, acrescentava, não é uma proposta menos absurda que muitas outras que tem visto).
A crítica que acho intelectualmente mais fraquinha é a de que a proposta não resolve tudo, ou que não vai levar gestão a sítios que ninguém quer gerir, porque isso não são críticas, são constatações que a proposta assume, a diferença fundamental é que transformações de paisagem, obrigações legais de gerir isto e aquilo, faixas de gestão de combustível em barda e fantasias dessas não resolveram nada até agora e calcinaram milhões (na melhor das hipóteses, nalgum caso têm mesmo efeitos negativos).
Há ainda quem diga que esta proposta é a demonstração de que as celuloses me pagam para defender o indefensável, porque o que eu quero é transferir dinheiro dos contribuintes para as celuloses.
Vamos então a isso.
As celuloses gerem uns 200 mil hectares de eucalipto, do total de 800 a 900 mil que existem no país.
Os críticos da proposta estão muito preocupados com o facto das celuloses receberem mais dinheiro pelo trabalho de gestão que fazem (e cujos resultados são notáveis, menos de um quarto da média nacional de prevalência de fogo nas suas propriedades e centenas de intervenções de bombeiros florestais especializados na gestão do fogo, com benefícios sociais relevantes) mas, aparentemente, não estão nada preocupados com os 600 a 700 mil hectares de eucalipto sem gestão ou com baixa intensidade de gestão que alimentam a intensidade dos fogos de Verão.
Para facilitar as contas, imaginemos que as celuloses gerem 300 mil hectares, o que daria uma comparticipação dos contribuintes para essa gestão de 30 milhões de euros cada três anos, ou 10 milhões por ano, contra resultados de ter, pelo menos uma vez a cada três anos, o sub-bosque com menos de 50cm de altura, em média.
Credo, cruz, entregar dez milhões de euros anuais às celuloses, só por fazerem uma coisa útil que, de qualquer maneira, já fazem!
Pois é, “Não é da benevolência do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse.”
O que fazem as celuloses com um aumento de rendimento de 10 milhões anuais na gestão florestal é assunto que nem me interessa discutir, podem usá-lo em mulheres e vinho verde, como dizia o outro, mas essa não é, normalmente, a opção de empresas com um mínimo de racionalidade e escrutínio público, o normal é que aproveitem para melhorar o seu desempenho (ou diminuindo a importação de madeira por maior investimento próprio ou de terceiros na gestão de eucaliptais, ou alargando a área de não produção que gerem que penso que já está acima dos 15%, ou fazendo acordos com vinhos dos seus terrenos para diminuir o risco de incêndio, ou investindo em projectos de gestão agrupada como têm vindo a fazer em Pedrógão e Mortágua, por exemplo, é irrelevante para a bondade da proposta).
É extraordinário que uma sociedade que acha normal apoiar empresas na criação de emprego, na formação profissional, na descarbonificação, na melhoria da mobilidade urbana, etc., etc., etc., tenha tanta dificuldade em aceitar o princípio de que é perfeitamente legítimo que os contribuintes paguem parte da gestão dos matos e sub-bosque, mesmo sendo evidente que o padrão de fogo que temos é fortemente influenciado pela acumulação de combustível não gerido.
E, note-se, a proposta beneficia sobretudo outras fileiras que estão no limiar da competitividade que hoje não crescem, gerando mais área gerida, porque o negócio não é suficientemente atractivo.
Ou alinhamos os incentivos com a consideração do interesse próprio dos agentes económicos que existem, ou damos com os burrinhos na água, como temos dado sempre que tentamos impor soluções que me fazem lembrar a reposição de comboios por pressão autárquica, de que resulta a circulação de comboios cheios de ausentes.
A gestão dos fogos fica resolvida com isto?
Claro que não, mas que é um passo no sentido certo e que aumenta as opções de gestão, disso tenho cada vez menos dúvidas.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.