Muitos encontram-se traçados desde tempos imemoriais e a escala em que foram feitos, a dos velhos carros celtas ou plaustrum romanos, puxados a bois ou a muares, serviu até tempos muitos próximos, de há duas ou três gerações, mas não estão, de modo algum, adequados aos tempos de agora: os caminhos rurais.
Essenciais à deslocação de pessoas, veículos e máquinas, equipamentos e mercadorias, são uma rede capilar dos nossos campos que permite que aconteçam os trabalhos agrícolas até ao mais recôndito dos campos, e penetrar na mais escondida das florestas para nelas poder haver fruição ou socorro. São essenciais, mas encontram-se desprezados e ínvios em muitas partes do território nacional.
Ainda há uma semana, mas poderia assinalar exemplos diários, percorremos numa 4*4 um desses caminhos em que roçávamos nas silvas dum lado e doutro, por pouco escalavrando a pintura em pedras dos muros que o ladeiam. E sem alternativa. Mas o pior nem era isso: era o piso, fraga-mãe aqui e ali, pedras soltas capazes de furar qualquer carter ou fazer rebentar um pneu, grandes regos da chuva, desníveis que fazem com que mesmo a um tractor se exija grande perícia para ali passar, impossível de ser percorrido por uma máquina de apanhar azeitona ou por qualquer tipo de equipamento que fosse ceifar e enfardar, sem que se corra o risco de avarias e percalços.
Os caminhos rurais representam um ponto fraco, muito fraco, nas actividades agrícola e florestal portuguesas. Retiram rentabilidade aos trabalhos porque diminuem em muito a eficiência e eficácia do sistema: as dificuldades de trânsito de pessoas, máquinas e bens aumentam os tempos de percurso, aumentam os acidentes e avarias, oneram todas as operações, quando não impossibilitam mesmo que a um determinado campo se possa aceder com determinados equipamentos, sem que para isso tenha de se deitar muros abaixo e atravessar propriedades alheias.
Um olhar atento aos caminhos rurais, precisa-se. Em muitas regiões do país, o apoio à agricultura em geral e aos agricultores em especial não passa pelo desenho de mais medidas de subsídios mas pelo proporcionar de melhores condições para a actividade, e estas devem focar-se na questão das disponibilidades de água em primeiro lugar, mas na questão da melhoria urgente de vias de comunicação, entre elas os caminhos rurais, quase tão prioritária como aquela. E este investimento não serve apenas a agricultura: serve o turismo de interior, a segurança das populações e a produtividade das actividades económicas relacionadas.
Os caminhos rurais precisam de requalificação urgente, de medidas que os tornem mais transitáveis e de acordo com critérios de utilidade. Foi possível facilitar a circulação para que as eólicas fossem montadas no alto das nossas serras, tem de ser possível tornar mais transitáveis os caminhos para os nossos campos agrícolas. É inaceitável que as autarquias locais (nem todas, reconhecemos) continuem a fazer vista grossa ao estado calamitoso dos caminhos rurais e depois venham a pedir ao governo central medidas para apoios contra o despovoamento no interior. Ao manterem os caminhos rurais desastrosamente em mau estado, são as primeiras a contribuir para o despovoamento e para a insegurança das populações que devem atender.
A importância dos caminhos rurais pode não ser evidente para os que, na Ribeira do Porto ou na Marginal de Gaia, numa esplanada do Rossio ou numa praia do Algarve, bebem um vinho do Porto, um copo de tinto ou trincam uma batata frita em azeite. Mas podem ter a certeza que na origem de qualquer um desses produtos, estiveram uma série de acções e trabalhos que, para ser feitos e conseguir o resultado da sua obtenção, fizeram uso de caminhos rurais várias vezes por ano, várias vezes por dia.
A consideração de tomar como importante e prioritária a requalificação e conservação dos caminhos rurais é e será sempre uma das maiores provas de consideração pelos agricultores e todos os que por eles se deslocam, uma forma significativa de consideração pelos que teimam, com mais ou menos heroísmo, em manter-se a ocupar o espaço do interior de Portugal, ou seja, a contribuir com uma atitude séria para evitar o nosso despovoamento.
E bem hajam todos os empenhados no meritório esforço de requalificar e proteger os caminhos rurais.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021