O parasitoide Doryctobracon areolatus recebeu especificação como produto fitossanitário junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária. A tecnologia ajuda a consolidar cada vez mais o controle biológico no contexto nacional
Pesquisas entre a Embrapa e a startup Partamon comprovam que uma vespa nativa é capaz de parasitar 40% das larvas de moscas-das-frutas.
As moscas-das-frutas causam danos superiores a 180 milhões de reais na fruticultura brasileira.
O parasitoide foi registrado no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o que abre portas para que empresas busquem o registro para a sua comercialização.
Resultado de 12 anos de pesquisa, é o primeiro produto fitossanitário à base de um organismo nativo, com tecnologia 100% nacional.
Fortalece ainda mais o controle biológico no País, que cresce de forma muito superior à média mundial, 20% contra 7%.
Cerca de 90% da tecnologia já está pronta, mas os estudos seguem em andamento para qualificação das orientações aos produtores e validação em escala comercial.
A Embrapa Clima Temperado (RS), em parceria com a empresa Partamon, conseguiu o registro de uma vespa nativa capaz de parasitar as principais espécies de mosca-das-frutas de importância econômica que afetam a fruticultura no Brasil. O parasitoide, denominado Doryctobracon areolatus, recebeu Especificação de Referência (ER 54) – veja mais detalhes em quadro ao final desta matéria – como produto fitossanitário junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Resultado de mais de 12 anos de pesquisa, essa conquista abre portas para que empresas interessadas busquem o registro para uso do parasitoide em sistemas de produção orgânicos e convencionais, em todo o País. A tecnologia ajuda a consolidar cada vez mais o controle biológico no contexto nacional.
As recomendações, por enquanto, envolvem indicações e informações de uso, como níveis esperados de controle (parasitismo), quantidade a ser liberada por área e forma de disponibilização para a venda. Segundo o pesquisador Dori Nava (foto à direita), um dos responsáveis pelo trabalho, cerca de 90% da tecnologia está pronta, mas os estudos seguem em andamento para qualificação das orientações.
As formas de liberação e a adequação aos sistemas de produção, por exemplo, ainda necessitam ser validadas em escala comercial. “O que nós precisamos agora é ajustar alguns desses pontos para maximizar a liberação do parasitoide”, explica. Por ora, essas definições estão sendo baseadas em pesquisas realizadas com um parasitoide similar comercializado no México.
Outro ponto em que as pesquisas ainda seguem é na associação do uso do controle biológico a outros métodos de controle, levando em conta, por exemplo, a seletividade de produtos químicos ao parasitoide, de maneira a eliminar as moscas mas não as vespas. “A ideia do uso do parasitoide é incorporá-lo dentro de um programa de Manejo Integrado de Pragas (MIP)”, completa.
Disponibilização ao setor produtivo
A Partamon, startup de base tecnológica incubada junto à incubadora Conectar, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), participou do desenvolvimento da tecnologia e estabeleceu um sistema de produção eficiente e sustentável. Atualmente, busca parcerias para multiplicação em grande escala das vespas, para que o novo produto possa atender ao setor produtivo de frutas no Brasil.
Para a pesquisa, essa parceria público-privada é importante para, além da etapa de desenvolvimento, ajudar na viabilização da produção comercial dos parasitoides. “Nos dias atuais, a função da Embrapa não é só fazer pesquisa. É desenvolver a tecnologia e fomentar que alguém produza para que ela possa ser disponibilizada no mercado”, acrescenta Nava.
O contrato de cooperação-técnica entre a Embrapa e a Partamon teve início em 2018, tendo sido renovado em 2023 por mais dois anos, até 2025. Os sócios Sandro Daniel Nornberg e Rafael da Silva Gonçalves (foto à esquerda) já haviam realizado pesquisas básicas sobre o parasitoide como bolsistas da Embrapa, durante pós-graduação em Fitossanidade, na área de entomologia, pela UFPel.
O objetivo da parceria na condição de empresa foi unir esforços para obtenção de informações específicas que faltavam para que o parasitoide pudesse ser registrado junto ao Mapa e, assim, tornar-se um produto comercial. A Partamon ficou responsável pelos testes de campo para detalhar o processo e subsidiar as recomendações técnicas publicadas na ER. “É como se fosse uma bula técnica”, explica Nornberg.
Essa parceria ainda viabilizou que a Embrapa e a Partamon captassem recursos para a realização das pesquisas, por meio da proposição e aprovação de dois projetos – um de cerca de 300 mil reais e outro de 200 mil reais para contratação de bolsistas. Os recursos, tanto financeiros quanto humanos, foram parcialmente revertidos ao laboratório da Embrapa para a realização do trabalho. “Criar insetos demanda bastante mão de obra qualificada”, acrescenta.
Sobre o parasitoide
A vespa da espécie Doryctobracon areolatus, nativa do continente americano, é um parasitoide de espécies de moscas-das-frutas (Diptera: Tephritidae) de impacto à fruticultura brasileira, como a mosca-das-frutas sul-americana (Anastrepha fraterculus) e a mosca-do-mediterrâneo (Ceratitis capitata). O parasitismo se dá pela postura de ovos dentro das larvas das moscas-das-frutas. Ao eclodir, a larva do parasitoide se alimenta do hospedeiro, eliminando o inseto antes da formação do adulto, que não chega à fase de reprodução.
Vespa é capaz de parasitar 40% das larvas de moscas-das frutas
Classificada como inseticida biológico, a vespa apresentou uma taxa de parasitismo de 40% das larvas das moscas-das-frutas nas áreas analisadas. Os estudos realizados em pomar experimental recomendam a liberação de 10 mil parasitoides por hectare. Em áreas maiores, o comportamento tende a mudar e a expectativa é que esse número ainda diminua pela metade nos pomares comerciais.
Por ser nativo de uma ampla área, o parasitoide tende a estar adaptado e, portanto, pode ser liberado em praticamente qualquer região do País. O pesquisador explica que a comercialização pode ocorrer para controle da mosca-das-frutas em vários estados, incluindo diversas espécies de frutíferas: mangueiras, no Nordeste; laranjais, em São Paulo; e macieiras e pessegueiros, no Rio Grande do Sul, por exemplo.
Confira, no vídeo abaixo, a explicação do pesquisador Dori Nava sobre o processo no Programa Terra Sul:
Primeira tecnologia com organismo nativo, 100% nacional
O controle da mosca-das-frutas ocorre quando as populações da praga entram no nível de equilíbrio, ou seja, quando a quantidade de parasitoides ultrapassa a população da praga. Mas, na natureza, o controle biológico natural leva tempo, porque o desenvolvimento das vespas é mais lento, uma vez que depende da praga para se multiplicar. Além disso, só ocorre quando o sistema está em equilíbrio, o que é mais difícil num sistema agrícola em que o foco tende a ser a monocultura.
No controle biológico aplicado, os parasitoides são criados em condições controladas e liberados aos poucos (forma inundativa), de maneira que sua população cresça exponencialmente e supere a das moscas primeiro. No caso do Doryctobracon areolatus, a indicação é que as liberações sejam feitas semanalmente, até a redução da população da praga, que é verificada por meio do monitoramento de insetos adultos.
“Se esperar isso ocorrer naturalmente, haverá perdas. O que nós fazemos com relação ao controle biológico é disponibilizar uma maior quantidade de vespas, para que consigam quebrar a curva de crescimento da praga antes que ocorra o dano econômico”, explica Nava.
Por ser uma espécie nativa, a expectativa é que o Biolatus – nome comercial que a startup está dando ao produto – atue, principalmente, na supressão populacional das moscas-das-frutas em áreas adjacentes aos pomares (manejo externo), como matas nativas ou pomares domésticos. Isso contribui para a redução da necessidade de aplicações de agroquímicos.
O custo por hectare ainda está sendo determinado, mas deve equivaler ao que está sendo praticado no mercado para outras espécies de parasitoides. “No Brasil, é a primeira tecnologia com organismo nativo, 100% nacional, que estará disponível em todo o País para um dos maiores problemas da fruticultura”, acrescenta o sócio da Partamon.
Liberação sem riscos para o meio ambiente
De acordo com Nava, não há riscos de a liberação desses parasitoides na natureza causar desequilíbrios. “Quando o parasitoide ultrapassa a curva de crescimento da praga, a população de ambos cai porque o parasitoide depende do hospedeiro para sobreviver”, afirma.
Também não há possibilidade de danos à flora local, porque as vespas são entomófagas e não fitófagas – ou seja, se alimentam de néctar e de larvas de espécies de moscas-das-frutas e não de plantas. Além disso, o foco do parasitismo são apenas duas famílias de moscas (Tephritidae e Lonchaeidae), o que não coloca em risco outros insetos.
Da mesma forma, as vespas não afetam ou competem com outros parasitoides nativos similares, que também se alimentam de moscas, porque cada um tem alvo de parasitismo diferente – atacam fases (estádios) diferentes do hospedeiro. “Não tem por que se preocupar”, tranquiliza o pesquisador.
Doze anos de pesquisas
As pesquisas começaram em 2011 no Laboratório de Entomologia da Embrapa Clima Temperado – que estuda insetos entomófagos (parasitoides e predadores). De início, foram mapeados parasitoides nativos e, portanto, adaptados à região neotropical, que engloba a América do Sul e a América Central. A partir do trabalho, foram identificadas cinco espécies com potencial para uso no controle biológico das moscas-das-frutas. As espécies exóticas – originárias de outros locais – não se estabeleceram.
Os estudos levaram em conta a influência da temperatura e da umidade relativa do ar sobre o desenvolvimento das populações desses parasitoides. Também foram realizados testes de competição entre as espécies de vespas e dentro da própria espécie, para avaliar as vantagens adaptativas de cada uma.
Atualmente, o trabalho segue em andamento na avaliação de parasitoides para controle de outros insetos importantes na agricultura. Os estudos estão focados, principalmente, no controle da Drosófila-da-asa-manchada (Drosophila suzukii), que afeta a cultura do morangueiro e outras pequenas frutas, como amora-preta, mirtilo e framboesa; da lagarta-da-oliveira (Palpita forficifera); e da mariposa-oriental (Grapholita molesta), que ataca o pessegueiro e a macieira.
De acordo com o pesquisador, o uso de agentes de controle biológico tem crescido no Brasil mais do que no restante do mundo. Por aqui, estima-se um crescimento de 20%, enquanto a média mundial gira em torno de 7%. “E nós ainda temos muito mercado para ampliar”, enfatiza.
Impacto da mosca-das-frutas
Os danos causados pela mosca-das-frutas ocorrem, principalmente, pela destruição da polpa pelas larvas, o que inviabiliza a utilização das frutas para consumo in natura ou para industrialização. Além disso, os ferimentos causados durante a postura dos ovos (oviposição) também favorecem a entrada de fungos que causam podridões.
O controle biológico com uso de parasitoides entra como uma importante alternativa, uma vez que muitas frutas não têm ou possuem grade restrita de produtos registrados junto ao Mapa para o controle da mosca-das-frutas. O uso de produtos biológicos também atende a uma demanda dos consumidores, que buscam produtos cada vez mais livres de inseticidas químicos.
A mosca-das-frutas sul-americana (Anastrepha fraterculus), em especial, tem ampla distribuição no território nacional, com mais de 150 espécies hospedeiras, sendo considerada praga-chave. Nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, é a espécie predominante, representando 95% das Anastrepha capturadas em armadilhas nos pomares.
Dados de 2015 apontam prejuízos anuais de produção e comercialização, somados a custos de controle, em torno de 180 milhões de reais na fruticultura brasileira em função das moscas-das-frutas de forma geral.
Publicação das especificações
A ER 54 altera a Instrução Normativa (IN) que detalha as recomendações sobre produção, comercialização e uso de produtos fitossanitários aprovadas para a agricultura orgânica pelo Mapa. As informações foram publicadas na Portaria nº 784, no Diário Oficial da União (DOU) de 18 de abril de 2023.
Segundo Nava, a publicação da ER levou cerca de dois anos, desde o encaminhamento do pedido pela Embrapa Clima Temperado. O processo passa por avaliações em instâncias no Mapa; nos Ministérios da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); e do Meio Ambiente, por meio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Artigo publicado originalmente em Embrapa.