As aves que se deslocam à procura de melhores condições de clima, alimento ou abrigo, designam-se por aves migradoras ou migratórias. As que fazem estas deslocações para passar o Inverno tomam o nome de invernantes.
Perto de 300 espécies destas aves migradoras deslocam-se todos os anos pelo corredor migratório do Atlântico Oriental, que integra 75 países do Ártico à África do Sul, entre os quais Portugal. Para muitas delas, o nosso país é um ponto de passagem rumo às terras quentes de África. Para outras, é o destino da sua viagem.
Das aves que chegam no outono e ficam a invernar em Portugal, a maioria procura zonas húmidas – estuários, lagoas e rias -, como é o caso de muitas espécies aquáticas. Mas há também inúmeras que escolhem as nossas florestas como habitat de inverno.
A maioria das aves que ficam nas nossas florestas, atraídas pelas condições do território, são pássaros de tamanho pequeno e médio e muitos integram a maior ordem da classe das aves – os passeriformes, revela o Atlas das Aves Invernantes e Migradoras. As temperaturas e humidade do inverno em Portugal – e na península ibérica em geral – contribuem para a produtividade dos nossos ecossistemas, com mais invertebrados nos solos e maior abundância de frutos e bagas em zonas de matos, agroflorestas e florestas.
É esta dieta que lhes permite subsistir durante o inverno, em alguns casos nidificar, e acumular energias para voar de volta à sua “casa de verão”, localizada, na maioria dos casos, no norte da Europa. É esta a realidade para a estrelinha-de-poupa (Regulus regulus), o tentilhão-montês (Fringilla montifringilla) e o tordo-zornal (Turdus pilaris), três pequenas aves que encontram alimento e abrigo de inverno na nossa floresta.
Estrelinha-de-poupa (Regulus regulus)
As estrelinhas-de-poupa têm cerca de nove centímetros de comprimento, mas esta pequena dimensão não as impede de cruzar o continente europeu, em busca de um inverno mais ameno e com maior abundância de pequenos insetos e aranhas, que são a base da sua alimentação. Pensa-se que as populações venham, sobretudo, do norte da Europa, e fiquem por cá entre novembro e março.
Encontram-se em maior número no norte e centro do território continental, embora algumas estrelinhas-de-poupa se dirijam mais a sul. Preferem florestas e matas de coníferas, incluindo pinhais, e matas mistas de folhosas e resinosas. Segundo o Atlas das Aves Invernantes e Migradoras, mais rara foi a sua deteção em carvalhais, azinhais e vegetação ribeirinha.
Estes pequeninos pássaros têm subpopulações nos Açores, onde vivem em florestas mistas, florestas exóticas de criptoméria (Cryptomeria japonica), assim como nos matos dominados por urze (Erica azorica) e cedro-do-mato (Juniperus brevifolia).
Tentilhão-montês (Fringilla montifringilla)
Com cerca de 15 centímetros de comprimento, o tentilhão-montês voa desde a Escandinávia e até das regiões boreais da Europa e Ásia, onde nidifica, para a Europa central, ocidental e do sul à procura de temperaturas mais amenas – e alimento – para passar o inverno.
Em Portugal, estas aves de peito alaranjado escolhem como habitat as florestas de zimbros, florestas ribeirinhas, campos de cultivo de regadio e mosaicos agrícolas. São vistas com mais abundância nas regiões a norte do Tejo, embora em invernos mais rigorosos rumem ao sul do país à procura de alimento.
As primeiras aves chegam em Portugal ainda no início do outono e para a maioria o nosso país é o fim desta sua viagem. Pensa-se que apenas um pequeno número de tentilhões-monteses se aventurem mais a sul, atravessando o Estreito de Gibraltar até à costa de Marrocos e Argélia.
Tordo-zornal (Turdus pilaris)
Comum no norte e centro da Eurásia, o tordo-zornal escolhe regiões mais quentes para passar o inverno. Antes do frio apertar, estas aves com cerca de 25 centímetros de comprimento voam para zonas mais meridionais, incluindo a Europa, o Medio Oriente e o Norte de África.
O número de tordos-zornal que chega a Portugal não costuma ser elevado, com exceção para anos em que os invernos no norte da Europa são muito rigorosos. Nesse caso chegam a avistar-se bandos com dezenas e mesmo centenas destas aves nos céus portugueses.
O tordo-zornal fica por cá sobretudo entre novembro e fevereiro, principalmente no norte do país, mas não é inédito observá-los a sul, na zona de Sagres e nas serras algarvia do Caldeirão e Monchique – eventualmente em transito de (ou para) outras paragens. Podem viver em diferentes tipos de habitats florestais, agroflorestais, agrícolas e matos, sobretudo em zonas de maior altitude, onde se alimentam de frutos e bagas.
Padrões migratórios em risco devido às alterações climáticas
Estas e outras aves migradoras seguem rotas que lhes permitem beneficiar, durante todo o ano, de condições ambientais com disponibilidade de recursos. Mas estes padrões, que se repetem ano após ano, estão a apresentar mudanças visíveis em resposta aos efeitos das alterações climáticas.
Recorde-se que muitas das aves que se deslocam no corredor migratório do Atlântico vêm do Ártico, Canadá Oriental e Sibéria Central, onde as alterações climáticas têm efeitos mais acentuados. O aumento da temperatura do ar faz-se sentir com mais intensidade nesta área do globo. O Ártico está a aquecer mais rapidamente do que o resto do planeta e a perda da camada de gelo ali registada – e do seu efeito refletor da luz solar – a contribuir para algo como 30 a 50% do aquecimento global da Terra.
O rápido degelo afeta a corrente de jacto polar e estes ventos fortes na zona superior da atmosfera influenciam os padrões climáticos de todo o hemisfério norte.
Entre as consequências das alterações climáticas estão as perdas de habitats e a antecipação de processos naturais (aparecimento de folhas e floração, reprodução e eclosão de organismos, como lagartas e outros insetos, mais cedo no ano), o que vêm alterar o contexto migratório para milhares de aves.
Umas deixaram de se dirigir para destinos tão a sul e já não vão para África ou passam lá menos tempo. Outras começaram a seguir rotas inéditas (de Este para Oeste, em vez de Norte para Sul). Algumas anteciparam viagens e também o nascimento de crias. E há até as que se tornaram residentes em territórios onde permaneciam apenas alguns meses do ano.
Estes fenómenos colocam desafios a milhares de espécies, que se veem em condições de “viagem” para as quais não estão preparadas ou enfrentam maior concentração de indivíduos em zonas de invernos amenos. O sul da Europa é visto como local privilegiado de invernada para mais espécies de aves, resultando em maior competição por alimento. Estes desafios decorrentes das alterações do clima não afetam apenas as aves, mas também outros seres vivos, incluindo mamíferos que efetuam migrações.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.