Mais de 70 organizações não-governamentais (ONG’s) de todo o país debateram hoje em Constância a estratégia “Água que Une”, anunciada pelo governo, tendo aprovado os pressupostos do documento, mas criticado a “inversão” das prioridades de investimento até 2040.
“Estamos inteiramente de acordo com os pressupostos que estão na base desta estratégia e com a necessidade de termos uma estratégia de longo prazo para a gestão da água mas, se nós olharmos para a alocação de recursos para essas medidas, nós percebemos que há uma inversão das prioridades e aí já não podemos concordar”, disse à Lusa a dirigente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, Sara Correia, no II Encontro Nacional de Cidadania pela Defesa dos Rios e da Água, que decorreu em Constância, no distrito de Santarém.
Afirmando concordar com a “lógica que prioriza a gestão da procura sobre o aumento da oferta”, a dirigente da ZERO defendeu que “os documentos da estratégia não a respeitam na prática, favorecendo os últimos pontos da lista (infraestruturas e aumento de oferta), em detrimento da gestão da procura” do bem água.
“Até mesmo a nível temporal, percebemos que há uma inversão dessas prioridades, porque dá-se prioridade a medidas que vão muito mais no sentido de garantir cada vez mais a oferta de água, do que propriamente depois nas medidas de monitorização, de eficiência e de reutilização, que são muito empurradas lá mais para a frente, para 2040, e não para os anos mais próximos”, sustentou.
Para Sara Correia, a estratégia tem “um ponto positivo” ao reconhecer a “urgência de uma estratégia nacional para a água”, e cinco negativos: “não cumpre critérios de equilíbrio ambiental, social e económico, ignora a necessidade de uma participação pública efetiva, prioriza soluções de fim de linha e sacrifícios ambientais inaceitáveis, falha em promover uma cultura de eficiência e gestão da procura” e “não assegura governança transparente e democrática da água”.
Em síntese, declarou a dirigente, “a estratégia “Água que Une”, tal como está, não une. Ao contrário, aprofunda divisões, priorizando interesses setoriais poderosos e ignora a centralidade da água como bem público, ecológico e social”.
Na sessão, que contou com a presença de dirigentes associativos de mais de 70 “associações de cidadania” de norte a sul do país, esteve o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Pimenta Machado, que explanou o projeto ‘Água que Une’ apontando a objetivos e metas a alcançar, tendo respondido às questões e dúvidas colocadas.
Tendo feito notar que a estratégia “foi debatida” e “incluiu contributos” de ONG’s, incluindo da ZERO, Pimenta Machado disse que a estratégia nacional para a gestão da água visa “preparar o país” com um projeto que “assenta em três eixos de atuação: eficiência, resiliência e inteligência”.
“São 329 milhões de metros cúbicos que queremos poupar por combater as perdas de água e, ao mesmo tempo, reutilizar as águas residuais tratadas. Esta diria que é uma marca prioritária”, afirmou.
Entre as mais de 300 medidas previstas, entre elas 14 novas barragens, Pimenta Machado destacou a de Girabolhos, no Mondego, e a do Alvito, no Ocreza, como as mais importantes.
No âmbito das novas infraestruturas e origens de água, o presidente da APA destacou ainda o “altear” de barragens existentes e a importância do “armazenamento, regularização e captação de água, dessalinização e, em último recurso, a interligação” entre bacias hidrográficas.
O encontro nacional, organizado pelo Movimento pelo Tejo – proTEJO, teve por objetivo “ouvir especialistas, definir medidas e formas de mobilização da cidadania para uma gestão sustentável da água, combate à seca, assegurar a proteção de rios e das águas subterrâneas e encontrar alternativas aos transvases e construção de novas barragens, açudes e dessalinizadoras”, disse à Lusa o porta-voz do proTEJO, que apontou “15 medidas reivindicativas para uma gestão sustentável” da água.
“Chegámos a acordo, em conjunto, que são 15 as reivindicações pela defesa dos rios e da água. E essas reivindicações têm, por exemplo, o ‘não’ às barragens e açudes, o ‘sim’ à restauração ecológica dos rios, têm o ‘sim’ aos caudais ecológicos, têm o ‘não’ aos transvases, e, portanto, são um conjunto de preocupações que temos e que queremos ver resolvidas”, concluiu.