A perda de recursos e territórios hoje já não é uma visão do futuro, mas da atualidade e do passado recente. Se olharmos para os últimos dois anos, o pós-pandemia revela um desdobramento acelerado da crise climática em sucessivas crises financeiras. A queda de rentabilidade global do capitalismo continua, com custos crescentes e rendimentos decrescentes e a crise climática já é e tornar-se-á cada vez mais o principal factor da atual e das futuras crises financeiras
Os recentes lucros das grandes empresas multinacionais em 2022 poderiam parecer indicar uma reversão da tendência histórica para a queda global de lucros das últimas décadas, mas são apenas um soluço. Resultam de um assalto em grande escala permitido pelos governos a quem controla os principais monopólios do capital global.
A espiral inflacionista em que ainda vivemos foi espoletada pela opção das empresas petrolíferas de usarem o monopólio sobre o sistema energético para compensarem as quedas de lucros durante os lockdowns do Covid. Isto ocorre depois de décadas em que viciaram a economia em combustíveis fósseis numa aliança com o mainstream político, com a complacência e por vezes até acordo de partidos verdes e de esquerda. No entanto, todos os acordos sociais foram rasgados e agora só sobra a barbárie. Em cima deste assalto produzido pelo imposição de preços altos sem paralelo – e a economia política de hoje é principalmente preços fixados arbitrariamente pelos donos dos fluxos de capital, energia e materiais do sistema -, outros desequilíbrios fora do controlo da elite já estão a manifestar-se.
Em 2022, o Paquistão foi submerso pelas maiores cheias da sua história, tendo um terço do país ficado debaixo de água, com mais de 33 milhões de pessoas deslocadas para outros locais e outros países. O Paquistão é (era) um dos maiores produtores mundiais de algodão e de têxteis. Os preços dos têxteis, de quase toda a espécie de roupas, dispararam. Partes do Paquistão continuam debaixo de água. Várias das pessoas que foram deslocadas não voltarão para onde estavam. A probabilidade de mega-monções voltarem a acontecer nos próximos anos é elevada. A onda de calor que neste momento devasta o continente asiático fez, em plenos meses de temperaturas moderadas como Março ou Abril, baterem-se recordes na China, Índia, Bangladesh, Tailândia, Vietname e Laos, entre outros, acima dos 43ºC e até dos 45ºC. Muita produção neste países, se não foi parada, foi atrasada ou reduzida. Esta onda calor coincide com territórios de elevada humidade, pelo que mortes em grande escala já se verificam (diretamente pelo calor e indiretamente com pessoas com dificuldades de saúde, muito jovens ou idosas).
A abundância da produção de algodão e de têxteis a nível global foi comprimida, os preços aumentaram e, necessariamente, não será possível voltarmos aos níveis anteriores sem novas disrupções.
As colheitas de milho, trigo e arroz foram afetadas pela seca nos Estados Unidos, na Europa e na China. Na Califórnia plantou-se a menor área de arroz desde os anos 50 do século passado e a colheita será cerca de metade do que num ano “normal”. Nos Estados Unidos, a colheita de trigo de inverno caiu 25%. A disrupção do fluxo de cereais no Mar Negro por causa da invasão russa da Ucrânia acrescentou sobre esta diminuição drástica da oferta ainda maior disrupção, aumentando ainda mais os preços globais de cereais, de pão, de massas. Parte da produção poderia recuperar em 2023 se não vivermos um verão escaldante no Hemisfério Norte, mas até agora a seca histórica no continente euro-asiático e na América do Norte continua. A agricultura na mega-artificializada pradaria plástica do Sul de Espanha sofre quedas drásticas de produção e faz disparar o preço dos legumes e vegetais em toda a Europa. O Alqueva e a absurda quantidade de culturas irracionais altamente dependentes de água praticadas no Alentejo está no limite da viabilidade, consumindo água que não regressará.
Apesar de termos vivido a pior seca na Europa desde o século XVI e a pior seca da história da China em 2022, este foi um ano em que o fenómeno climatológico La Niña contribui para uma redução global da temperatura. Em 2023 tal não vai acontecer, e provavelmente durante o ano o El Niño formar-se-á no Oceano Pacífico, levando a um aumento global da temperatura.
Já vivemos noutro planeta e não naquele onde foram criadas todas as relações de exploração, as instituições e o sistema bancário e financeiro que consolidaram o capitalismo.
Para combater o aumento da inflação, os bancos centrais e os batalhões de economistas formadas nas escolas de capitalismo suicida escolheram fazer aquilo que aprenderam: aumentar as taxas de juros, para tirar dinheiro da economia e fazê-la comprimir. Quem tinha um empréstimo viu o seu valor aumentar, enquanto os preços de todos os bens aumentavam também. As empresas que tinham empréstimos – todas, portanto – viram os seus custos de funcionamento aumentarem, o que aumentará a compressão salarial, levando eventualmente a despedimentos e, em alguns casos, a bancarrotas.
O Silicon Valley Bank nos Estados Unidos faliu por causa da subida das taxas de juro, porque era um banco especializado em dívida, com grande quantidade de investimento em títulos de […]