A maior especialidade do Governo de António Costa é aligeirar responsabilidades e encontrar desculpas para a sua incompetência ou incapacidade. Se Passos Coelho e o Governo que tirou Portugal da bancarrota eram o “bode expiatório” habitual, fazendo António Costa e o Partido Socialista tábua rasa do período socrático da bancarrota em que o próprio e a esmagadora maioria do seu governo foram cúmplices, agora a nova desculpa são as alterações climáticas.
A rutura dos diques do Mondego e a falta de limpeza de diversos sistemas existentes para proteger vilas, aldeias e culturas das sistemáticas subidas de nível das águas fluviais não são mais do que consequência da falta de investimento público, da falta de planeamento, da falta de manutenção dos equipamentos e da incúria de diversas entidades e empresas, públicas e privadas. Mas, como habitualmente, o Governo surgiu com o discurso alinhado para a “inevitabilidade” desta catástrofe face às tão úteis alterações climáticas recuperando o discurso do pós-Pedrogão do “nada podíamos fazer face à força da natureza”. Culpando a natureza e a mudança climática tudo se torna mais aceitável e o erro humano, político e institucional passa despercebido.
Apesar das alterações nos comandos da proteção civil, locais e regionais, a substituição de comandantes experimentados por imberbes militantes socialistas, a tardia ativação de meios aéreos de combate (tragédia de Pedrogão ocorreu ainda em junho) e o não prolongamento do período critico (tragédia de 11 Outubro na região de Coimbra e Viseu), apesar de todos os avisos face ao calor desse verão, a responsabilidade pelas tragédias de 2017 foi rapidamente atribuída às alterações climáticas. Tal como agora nas consequências das cheias.
As alterações climáticas são uma realidade que importa não ignorar, mas não surgem de surpresa e compete ao Estado e ao Governo adaptar a resposta a estas realidades, antecipar problemas e preparar atempadamente as respostas. Que eu saba, as alterações climáticas não têm culpa da falta de manutenção das sargetas, dos buracos nos diques etc etc etc. Curiosamente, muitos dos que agora mais falam sobre alterações climáticas são os mesmos que foram negligentes com a poluição no rio Tejo, no rio Nabão, que não fiscalizam as pedreiras, que atribuem concessões de lítio em reserva natural, que financiam empresas condenadas por poluição, entre muitas outras contradições.
Bem sei que a falta de manutenção de alguns equipamentos infraestruturas não é de hoje nem é uma responsabilidade de apenas um governo. Pensava que o país tinha aprendido com a tragédia de Entre-os-Rios mas afinal não. Há investimentos que não são adiáveis ou negligenciáveis e escrevo este artigo porque me revolta ver decisores políticos a tentarem ignorar a realidade e a mascarar as suas/nossas responsabilidades culpando a mãe natureza. É o caminho mais fácil, mas o mais irresponsável.
Quando ontem ouvia a senhora Ministra da Agricultura a culpar as alterações climáticas pelo que se passou no Mondego, recordava um diferendo que tivemos quando a senhora era ainda autarca em Abrantes e que passo a contar. O açude insuflável que existia no rio Tejo entre Abrantes e o Rossio não funcionava há vários meses. Verificada a situação, que prejudicava também a passagem de peixe que subia o rio, a então autarca mandou dizer o que “açude estava em baixo por solicitação da Infraestruturas de Portugal que fazia obras na ponte do Rossio ao Sul do Tejo localizada a montante. Cruzada a informação com a IP rapidamente percebemos que era mentira e que não havia qualquer indicação para tal no período em causa. Fomos verificar in loco e afinal o equipamento insuflável do açude estava danificado já que não era feita a manutenção porque o contrato com a empresa fornecedora do Município de Abrantes tinha caducado, se não estou em erro, dois anos antes. Pelos vistos o problema era mesmo a falta de manutenção e de investimento, tal como agora no Mondego.
O que compete a nós políticos é saber se fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para evitar uma tragédia, mesmo que isso não a impeça. Mais uma vez, não fizemos. Podíamos não ter impedido as cheias em alguns locais, mas pelo menos os diques, as máquinas e as infraestruturas deveriam estar a funcionar para minimizar os danos causados. Uma motobomba de emergência não funcionar não tem desculpa nem é responsabilidade nem das alterações climáticas nem dos poluidores.
Nós seres humanos teremos alguma culpa pelas alterações climáticas, mas estas não podem ser o bode expiatório para a nossa incúria e irresponsabilidade em diversas outras matérias. Mais uma vez, alertas não faltaram, o que faltou foi mesmo a resposta aos avisos.
Aproveito para desejar a todos os leitores e à equipa do Expresso um Feliz Natal!
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