No início desta semana tivemos a oportunidade de visitar a Ovibeja a convite da ACOS e acompanhar a Sessão de Inauguração dos 40 anos de uma Feira que representa, de facto, “Todo o Alentejo deste Mundo”, este ano dedicada ao Associativismo, sem esquecer os 10 anos de celebração do Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade.
Para já, é de aplaudir, elogiar e homenagear, na pessoa do seu Presidente Rui Garrido, o trabalho realizado ao longo de todos estes anos, em prol do Alentejo e de Portugal. Agradecer também a projeção internacional, a valorização do agroalimentar e do espaço rural, parte integrante de um território que não pode ser esquecido. A concretização de um sonho, iniciado pelo saudoso e “nosso” Manuel Castro e Brito, em 1984.
Mas se toda esta gente merece a nossa homenagem e um enorme respeito, é cada vez mais importante discutir-se o Associativismo, face aos movimentos inorgânicos que, para o bem e para o mal, se vão multiplicando um pouco por toda a Europa, fruto do arrastar da ausência de soluções políticas para os problemas – pedem-se mais ações e menos palavras – e sobretudo, não ouvir ou, pior, ignorar os interessados, neste caso os Agricultores, incluindo aqui toda a cadeia agroalimentar.
Sim, porque todos estamos ligados… e essa é uma outra marca, seja da Ovibeja, ou de qualquer outra Feira desta dimensão, nos tempos que correm.
No entanto, do ponto de vista político e de análise conjuntural, o grande destaque vai para o discurso do Primeiro-Ministro que, sinceramente, parecia “um de nós”: falou da importância da água, da renovação geracional , da valorização da agricultura e do Mundo Rural, da requalificação e reconciliação do Setor com a Governação, do reforço do peso político deste Ministério no Governo, do equilíbrio entre Agricultura e Ambiente, até pela presença dos respetivos Ministros, da importância do Agroalimentar como estratégico e prioritário para Portugal, da soberania alimentar, e do empenho em Bruxelas, de lutar contra a ausência de harmonização de regras entre as produções europeias e as importações provenientes de países terceiros.
O tempo dirá o que vai ser feito, mas há muitos anos que não ouvíamos um Primeiro-Ministro a ter um discurso tão animador e sobretudo, de motivação, o que é muito positivo e de saudar.
Nesta perspetiva, foi uma “lufada” de ar fresco, quer o discurso de Luís Montenegro, quer a presença do Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, e da Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, com a promessa de trabalharem em conjunto, e com os setores, tendo em vista o equilíbrio entre a produção de alimentos – a principal função da agricultura e da pecuária – e a proteção ambiental, bem como o combate às alterações climáticas, que deve ser, igualmente, um desígnio nacional.
Contra quaisquer radicalismos ou fundamentalismos, venham de onde vierem, privilegiando a redução da nossa dependência e do déficit alimentar, pela melhoria do autoaprovisionamento e o reforço da soberania alimentar.
Perante este discurso, o Governo tem agora uma acrescida responsabilidade e maior escrutínio da parte de quem está ligado a este Setor. Se trabalharmos em conjunto, com transparência e humildade, certamente que não nos irá desiludir. É o que esperamos e desejamos.
Tudo isto nos leva a uma outra questão, não abordada em Beja, mas da maior atualidade em Bruxelas: a legislação europeia sobre a desflorestação (EURD) e que coloca em risco a soberania alimentar, pelo menos a segurança da cadeia de abastecimento de soja, como aqui temos escrito nas últimas semanas.
O que mudou, entretanto?
Na sequência do Conselho Agrícola em que 21 Estados-membros, tendo também em conta os resultados de um projeto-piloto, pediram o adiamento e/ou a revisão da legislação, o Comissário Agrícola entendeu, e bem, escrever uma carta à Presidente da Comissão e aos colegas que tutelam esta regulamentação (Ambiente), corroborando as preocupações dos diferentes países e de organizações como a IACA, a FEFAC, ou o COPA/COGECA. Todas estas instituições manifestaram as suas preocupações relativamente à legislação por entenderem que não é exequível, porque demasiado complexa, burocrática e não existem meios suficientes para o seu controlo – veja-se o caso em Portugal do ICNF.
Por outro lado, na sequência de contactos com os colegas no Brasil, o principal fornecedor de soja do mercado nacional, admite-se que vai ser muito difícil aplicar a Lei naquele país, há que olhar também para a legislação nacional (e para o Cadastro Ambiental Rural), e que os custos tenderão a aumentar, ou seja, os preços da soja tenderão a subir no mercado, não sendo de excluir uma eventual escassez da matéria-prima.
É fácil pensar que, com tantos estrangulamentos, essa soja, mas também o cacau, o café, ou os derivados da palma, tenderão a ser comercializados noutros mercados – desde logo a China – com a Europa a perder competitividade, comprometendo a sustentabilidade ou, mais grave ainda, a segurança alimentar e a sua soberania. E devemos perguntar se, por esta via, combatemos ou travamos a desflorestação? Não desta forma. O objetivo, de reduzir a desflorestação, deve ser partilhado por todos, mas o caminho para lá chegar, este caminho, é profundamente errado.
Por isso, antes que seja tarde, para não sermos confrontados, a partir de 2025, com uma legislação que não funciona e que tende a criar expectativas erradas nos consumidores, promotora de fraude e desconfiança, com o ónus a ser “cobrado” à Indústria agroalimentar, é urgente arrepiar caminho e, com humildade, reconhecer que a legislação deve ser revista.
Tem agora a palavra a Presidente Ursula von der Leyen.
Estamos certos de que o sinal que der nos próximos dias ou semanas, pelo seu simbolismo, representará muito para o futuro da União Europeia e poderá influenciar as eleições para o Parlamento Europeu.
Em Portugal, esperamos que os Ministros da Agricultura e do Ambiente se articulem no mesmo sentido, indo ao encontro das nossas preocupações, que são as do Comissário Agrícola e da DG AGRI.
Sendo a proteína uma questão geopolítica e absolutamente estratégica, vale a pena refletir seriamente em tudo isto e antecipar o inevitável, evitando as graves consequências de uma legislação profundamente nefasta.
Afinal, o que queremos para a Europa onde estamos integrados?
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
O Parlamento cumpriu. E agora, Conselho? – Jaime Piçarra – Notas da semana