Na Área Protegida Privada Vale das Amoreiras, em Aljezur, descobrimos uma floresta densa de espécies raras e histórias de fogo e resiliência.
É como atravessar uma passagem secreta. Da estrada, mal se vê o caminho que agora percorremos, propositadamente discreto, com a entrada escondida atrás de uma árvore larga. Apenas a placa de madeira denuncia ser aqui o início do Trilho da Raposa, sem pompa nem explicações. Atravessamos a primeira linha de vegetação, para lá da tal árvore, e só então encontramos a estreita vereda que segue por entre o carvalhal até à primeira escadaria, feita de degraus talhados no solo e pedaços de eucaliptos.
Num minuto, estamos a estacionar o carro junto a uma estrada rural anónima da Costa Vicentina. No seguinte, mergulhamos no “bosque autóctone de carvalhos e sobreiros”, composto por várias árvores “de grande porte”, algumas centenárias, outras raras em Portugal, que deu origem à classificação do Vale das Amoreiras, no concelho de Aljezur, como Área Protegida Privada, aprovada há dois anos e oficializada em Diário da República em 2022, cerca de 12 anos após a classificação da Faia Brava, até então a única no país.
Caminhamos pelo denso bosque em fila, pé ante pé, de olhos na biodiversidade. Aos primeiros passos, a lição inaugural: como é que conseguimos saber que esta é “uma floresta autóctone consolidada”? Através das “trepadeiras em simbiose com as árvores”, aponta Mário Encarnação, geógrafo e vice-presidente da RWSW Rewilding Sudoeste, associação responsável pela gestão da área protegida. Têm de existir, pelo menos, cinco espécies de trepadeiras, e aqui já foram identificadas a madressilva, a uva-de-cão, a salsaparrilha-bastarda, a ruiva-brava, a silva, e a roseira-brava.
Outra característica destas zonas de “floresta do Sudoeste” do país, apenas possíveis “nas vertentes viradas a Norte” dado que “estas plantas não resistem à exposição solar permanente”, é integrarem espécies “que, geneticamente, remontam a tempos muito antigos, anteriores à última era glaciar”, sublinha o geógrafo.
É o caso do carvalho-de-monchique (Quercus canariensis), “um dos mais raros de Portugal continental”, onde está classificado como Criticamente Em Perigo, ocorrendo apenas na serra de Monchique e área adjacente, lê-se na página dedicada à Área Protegida Privada Vale das Amoreiras (APPVA) em natural.pt. “É uma variedade muito difícil de identificar porque há muitos híbridos, mas é caracterizada por ter umas folhas muito grandes, muito largas, e pelinhos na parte de baixo, tipo pêssego”, descreve Mário.
“Ainda havia fogo dentro dos troncos”
Embrenhados no bosque, atentos à gilbardeira, “uma ‘imitação’ do azevinho” (também encontraremos dois exemplares desta espécie protegida e que, a sul do Tejo, apenas ocorre nesta zona), e aos diferentes carvalhos, sobreiros e medronheiros, pisando a terra coberta de folhas secas, é difícil imaginar que tudo isto já esteve reduzido a cinzas. “Foi terrível. A minha mulher teve de ser resgatada [pelos bombeiros]”, recorda Raban von Mentzingen, dono da propriedade onde está inserida a área protegida.
Estávamos em 1995 e o incêndio florestal que lavrou na região “queimou tudo”. Semanas depois, “ainda havia fogo dentro dos troncos”. Pareciam “fantasmas” em “todas as partes” durante a noite, conta o alemão, agora com 88 anos. Um mês depois, no entanto, notou que começavam a brotar rebentos verdes sobre o negrume da paisagem, “um pequeno ali, outro acolá”. “Admirámo-nos [de ver] que a floresta rejuvenescia [de forma espontânea]. Mais nova, mais pequena, mas existia de novo, igual […]