Quem defende a aplicação das Novas Técnicas Genómicas garante que a União Europeia já vai atrasada e que não há mesmo outra via. Mas quem está contra esta tecnologia avisa para os possíveis problemas para a saúde e para o ambiente. Quem tem razão?
Uns veem nelas a única possibilidade de assegurar um futuro sustentável e a certeza de que não vai faltar comida no mundo daqui a uns anos. Outros entendem que há riscos de saúde pública e que pode estar em causa o futuro do planeta.
As Novas Técnicas Genómicas (NTG) estão em discussão na União Europeia, dividindo países e áreas, desde a ciência à política. Em causa está uma tecnologia que, segundo a própria Comissão Europeia, se baseia em “ferramentas inovadoras que podem ajudar a aumentar a sustentabilidade e resiliência do nosso sistema alimentar e apoiar a execução do Pacto Ecológico Europeu e a Estratégia do Prado ao Prato”.
São alterações genéticas ao material de um organismo que visam melhorar as plantas, tornando-as mais resilientes às alterações climáticas e a pragas resistentes, enquanto reduzem a utilização de adubos e pesticidas, permitindo assim garantir rendimentos mais elevados.
Isso é o que consta da proposta que deu entrada na sede dos 27 países, sendo que numa secção sobre esta tecnologia a União Europeia parece ser taxativa: precisamos das NTG para uma evolução sustentável. O objetivo é fazer com que esta tecnologia deixe de responder à diretiva sobre os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), até porque essa diretiva foi criada em 2001, quando as NTG ainda não existiam.
O Governo português é um dos muitos que apoiam esta medida, algo que é bem visto pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). À CNN Portugal, o secretário-geral desta organização refere que esta tecnologia não faz nada mais do que acelerar aquilo que seria um comportamento natural da planta. “Trata-se de uma alteração genética das plantas relativamente ao que a natureza faz. Ao longo dos milénios a evolução das plantas fez-se com mutações genéricas, isto não é mais do que acelerar essa mutação”, afirma Luís Mira, separando esta tecnologia dos OGM.
O responsável avança mesmo com um exemplo para mostrar como a ciência tem de avançar. “Houve uma carga negativa com a mutação genética, mas depois, com a covid-19, todos estenderam o braço a uma vacina desse tipo”, sublinha.
O princípio da precaução
Esta foi, certamente, a expressão mais utilizada pela representante da Plataforma Transgénicos Fora, Lanka Horstink, durante a conversa telefónica com a CNN Portugal. A ambientalista, para quem NTG e OGM são similares (a plataforma define-os como novos OGM e tem uma petição pela sua regulamentação), não está liminarmente contra esta tecnologia, mas quer, como os seus pares, que seja estudada de forma mais aprofundada, garantindo que não existem mesmo riscos secundários da sua aplicação.
A também membro da Quercus garante que as plataformas ambientais portuguesas não são contra a tecnologia em si, mas sim contra a sua aplicação ao ar livre, fora dos laboratórios, sobretudo sem que sejam realizados estudos suficientes.
“Temos enormes reservas e somos contra a sua utilização sem avaliação de risco para a saúde pública e o ambiente”, afirma, defendendo que se aplique o “princípio da precaução” até que não esteja claro para todos que não existem mesmo efeitos nocivos da aplicação das NTG.
Lanka Horstink garante que a utilização destas técnicas noutros países, como os Estados Unidos, “não tem um historial positivo”, até porque “aumentou o uso de pesticida e de herbicida”.
A ambientalista afirma que estes produtos são desenvolvidos para resistir a determinados herbicidas, mas também para produzirem o seu próprio inseticida, o que pode trazer um fator nocivo. “Uma planta resistente a um herbicida vai criar a situação em que o agricultor se sente à vontade para espalhar herbicida. Pode haver um uso exagerado”, nota.
Mais alimentos e mais baratos?
Para Luís Mira esta alteração vai trazer uma vantagem clara. “É uma tecnologia sustentável e ecológica”, diz, falando na menor utilização de herbicidas, mas também de água, que nesta altura é um fator limitante em muitas regiões europeias, com Portugal a ser um dos países afetados (veja-se a seca no Alentejo).
O que a CAP e os defensores da alteração defendem é que as NTG “vão levar a que a planta seja mais resistente”. O mesmo é dizer que um abacateiro, por exemplo, precisará de consumir muito menos água no futuro do que o que consome agora, ficando também mais resiliente ao aparecimento de pragas que podem danificar a cultura.
Na ótica da CAP isso significa um futuro mais sustentável, mas há outra razão: a variação dos preços. É que, se a agricultura fica mais barata e se produz mais, inevitavelmente os preços vão descer, uma vez que a oferta aumenta.
“A alimentação é mais barata e tem uma qualidade superior em relação há 40 anos”, lembra Luís Mira, dizendo que, com a aplicação de mais tecnologia, será natural o aumento da produtividade.
O secretário-geral espera, assim, que a medida possa mesmo avançar, confessando uma convicção de que “nestes 25 anos a tecnologia vai melhorar muito e vão surgir novas soluções” que vão permitir responder a um dos maiores problemas do futuro: a alimentação.
Também é nesta visão que se insere Mariana Sottomayor, que não tem dúvidas em dizer que “os alimentos podem ser mais, mas também mais baratos”. E até com mais qualidade nutricional. Mas vamos por partes. A professora universitária diz que estas técnicas “vão ser uma grande parte da solução para o futuro”, nomeadamente na resposta à resistência das plantas à secura dos solos e à escassez de água, mas também na resistência a pestes, uma vez que as plantas baixam as suas defesas com os golpes de calor, que se preveem vir a ser mais frequentes e mais intensos.
“Com as alterações climáticas aparecem novas doenças e isto surge a um ritmo muito acelerado. Só vamos conseguir plantas resistentes e com produtividade se utilizarmos estes melhoramentos rápidos”, insiste a especialista, reforçando que “temos tecnologia, mas precisamos de saber onde”.
Por isso mesmo se faz a investigação, que já permitiu identificar uma série de alterações possíveis às plantas. Mas procuram-se mais: “neste momento até se utiliza a Inteligência Artificial e o machine learning para perceber como as plantas funcionam e para percebermos onde temos de atuar para podermos obter plantas melhoradas”, explica Mariana Sottomayor.
No limite, diz a investigadora, tudo isto permitirá combater os efeitos das alterações climáticas, através de uma mais eficiente utilização da água, mas também evitar mais poluição, sobretudo através de uma maior eficiência no uso de azoto, um dos fertilizantes mais utilizados, e que acaba por ser caro e poluente.
“Tudo isto vai permitir uma agricultura muitíssimo mais eficiente e com menor impacto ambiental. Também traz maior valor nutritivo para atacar deficiências nutricionais e até há coisas não essenciais como o sabor”, conclui. Sim, os defensores das NTG também procuram introduzir mais nutrientes nos alimentos, que podem até vir a ficar mais saborosos.
Lanka Horstink tem uma visão diferente. Para a representante da Plataforma Transgénicos Fora os NTG não têm mais produtividade que as plantas híbridas. A responsável dá o exemplo português, similar ao resto do sul da Europa, onde as variedades tradicionais são “preservadas ao longo de centenas de anos”, muitas delas resistentes a alterações climáticas, seca e pragas e doenças.
“Adaptam-se de forma muito mais rápida. A adaptação é feita pelo agricultor, não pelo laboratório. Faz-se de forma natural e sem grandes custos”, aponta, dizendo que não é pela implementação desta tecnologia que se vai resolver o problema da insegurança alimentar.
Além disso, e sobre a questão do preço em concreto, Lanka Horstink também diz que a descida dos custos não é assim tão linear. Desde logo porque será necessário o patenteamento da tecnologia, o que, defende, deixa de […]