Sines, na costa alentejana, acolheu o primeiro evento de enoturismo subaquático em Portugal. Nos dias 20 e 21 de junho, o ‘Subaquatic Wine Tourism Experience’ revelou alguns dos segredos escondidos no mar, onde o “marroir” substituiu o “terroir” e os vinhos afundados foram os protagonistas de uma nova página do vinho português. Uma história que já se começou a escrever há cerca de uma década em Portugal, mas que só agora começa a navegar nas profundezas do mundo vitivinícola nacional.
Durante dois dias, Sines estreou em Portugal o primeiro evento inteiramente dedicado ao enoturismo subaquático. “Subaquatic Wine Tourism Experience” assim se chamou a iniciativa organizada pela Entidade Regional de Turismo do Alentejo e Ribatejo e pela Câmara Municipal de Sines, que contou com a conceção e produção da Associação Portuguesa de Enoturismo (APENO).
Jornalistas nacionais e internacionais assinalaram o início do evento, com mergulhos no Porto de Sines para recuperar alguns dos tesouros escondidos no fundo do mar: garrafas de vinho de diversos produtores vitivinícolas nacionais que ali estagiaram para um envelhecimento atlântico. Sob a orientação de Joaquim Parrinha, da Adega do Mar, o vinho afundado deu à costa, pelas mãos dos jornalistas, para ser provado depois. O primeiro mergulho estava assim dado, literalmente, num evento que combinou ainda provas comentadas, experiências gastronómicas harmonizadas com os vinhos do mar e uma conferência científica, desta vez em terra, no Hotel Sines Sea View.
«Para a Câmara Municipal de Sines é um prazer acolher um evento pioneiro como este. Estamos na terra do Vasco da Gama, pelo que uma iniciativa com estes moldes faz todo o sentido na nossa região. Além disso, queremos oferecer mais do que sol e mar aos turistas. Estamos assim a desbravar as experiências subaquáticas com vinhos, mais um produto turístico que tanto nos orgulha», referiu Filipa Faria, vereadora da Câmara Municipal de Sines.
O mar e o vinho cruzaram-se assim num momento inédito no nosso país, em que produtores, sommeliers, investigadores e jornalistas exploraram, na teoria e na prática, como o oceano pode transformar o vinho e abrir novas rotas para o enoturismo nacional.
“Pela primeira vez em Portugal, demos forma a um evento inteiramente dedicado ao enoturismo subaquático e orgulho-me em dizer que foi um êxito. Lançámos o debate para uma questão muito pertinente: o vinho envelhecido no mar fica, de facto, diferente do seu homólogo envelhecido em terra? Uma pergunta que não ficou sem resposta, quer a nível sensorial, quer a nível científico. Demonstrámos que o envelhecimento subaquático é, mais do que uma curiosidade, um território a explorar com seriedade, criatividade e respeito pelo meio. Penso que se abriu uma nova fronteira na produção de vinhos com envelhecimento subaquático, um processo cada vez mais procurado pelos produtores nacionais», afirmou Maria João de Almeida, presidente da APENO e consultora de vinhos e enoturismo.
A prova comentada, conduzida por Maria João de Almeida e pelo reconhecido sommelier Rodolfo Tristão, comparou os mesmos vinhos envelhecidos em terra e no mar, permitindo, desde logo ao público ali presente perceber diferenças sensoriais claras entre os dois métodos, desde a suavidade dos taninos até à complexidade aromática. Mas foi apenas na conferência do dia seguinte, a 21 de junho, intitulada “Segredos Submersos: o Enigma dos Vinhos Subaquáticos” que a ciência foi chamada a proferir as suas conclusões. Com moderação de Maria João de Almeida participaram nesta palestra Joaquim Parrinha (da Adega do Mar), Jacinta Sobral (produtora de A Serenada e representante da Associação de Produtores de Vinho da Costa Alentejana – APVCA), o espanhol Pedro Martínez (CEO da Bodega Veronica, em Múrcia), Maria João Cabrita (professora doutorada em Ciências Agrárias pela Universidade de Évora, com especialização em enologia e análise sensorial), e Cristina Barrocas Dias (professora catedrática do departamento de Química da Universidade de Évora).
Cristina Barrocas Dias começou por argumentar que o vinho é «um ser vivo, que está constantemente em evolução». Quando comparado, depois do estágio em terra e no mar, a professora de Química destacou a temperatura, a luz e a profundidade em que o vinho está submerso, o que vai provocar alterações naturais, seja a nível de cor, de adstringência e do próprio envelhecimento do vinho, que no caso do tinto, «tem mais compostos fenólicos, sendo mais protegido da oxidação no mar».
Já Maria João Cabrita usou, pela primeira vez, um novo termo para definir o meio ambiente em que se encontram estes vinhos de envelhecimento subaquático: «o marroir, em vez do terroir em terra». «Se temos um meio diferente, no mar, os equilíbrios que se estabelecem serão diferentes, logo o produto em terra e no mar será também diferente. Seja nos compostos relacionados com o aroma, seja a nível do processo de envelhecimento, que será mais acelerado do que em terra, tendo em conta que não há tanto oxigénio na garrafa que é afundada».
A partilha entre produtores nacionais e internacionais, como Pedro Martínez (Espanha) e Jacinta Sobral (Costa Alentejana), reforçou ainda a dimensão colaborativa e internacional do tema.
Numa palestra esclarecedora e participada, foram muitas as vozes que confirmaram que o enoturismo subaquático é, cada vez mais, um caminho a seguir.
E nesse caminho, como referiu José Santos, presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo e do Ribatejo, «o Alentejo soube mostrar, mais uma vez, que sabe inovar com identidade, num evento que aliou o mar, o vinho, o turismo e a ciência de forma exemplar».
Fonte: APENO