Albino de Carvalho dedicou a sua vida à ciência e tecnologia dos produtos florestais. Além de silvicultor, produziu conhecimento e inovação que apoiou diferentes atividades, com particular relevo para a fileira industrial da madeira. Conheça uma das personalidades marcantes do sector florestal no século XX, neste artigo escrito em colaboração com Amélia Palma.
Albino de Carvalho tem o seu nome associado à identificação e anatomia das madeiras portuguesas, tema com que se iniciou como engenheiro florestal, mas o seu percurso profissional foi vasto. O trabalho sobre as propriedades da madeira e o melhoramento técnico e tecnológico das suas aplicações abriu horizontes a múltiplas indústrias de base florestal, desde as estruturas de madeira, à carpintaria, mobiliário e construção civil, passando pela embalagem, papel e derivados.
Albino Alves Pereira de Carvalho (1925-2008) estudou na Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra e ingressou depois no ISA – Instituto Superior de Agronomia. Formou-se Engenheiro Silvicultor em 1953, após realizar o estágio de fim de curso na antiga Estação de Experimentação do Sobreiro e Eucalipto, em Alcobaça, experiência que serviu de base à sua tese “Madeiras de Folhosas – Contribuição para o seu Estudo e Identificação”.
Esta tese, que o próprio considerou de “grande utilidade” para a sua vida profissional, continua a ser, 70 anos depois, uma referência no estudo da anatomia e identificação das propriedades físicas das folhosas cultivadas em Portugal. Mas este foi apenas o início de um inspirador percurso profissional, que começou ao serviço da então Direção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, já após ter viajado por vários países europeus – Alemanha, Bélgica e Suíça – para conhecer os processos produtivos dos painéis de aglomerados de partículas de madeira.
Contributos de Albino de Carvalho em 4 grandes vertentes
A sua atividade sobre práticas silvícolas, tecnologia da madeira e necessidades da indústria apoiou, durante mais de quatro décadas, a investigação e ensino, a produção de conhecimento inovador e até o desenvolvimento de protótipos e instrumentos para a silvicultura e indústria. Albino de Carvalho conjugou a coordenação e direção de instituições públicas, tendo inclusivamente dirigido a Estação de Experimentação Florestal de Alcobaça.
Na sua vida e obra, destacam-se, quatro vertentes:
1. Investigação, ensino e formação
Em 1956, Albino de Carvalho retomou os estudos de anatomia e identificação de madeiras iniciados na sua tese de licenciatura, na Estação de Experimentação do Sobreiro e do Eucalipto – secção de Tecnologia de Madeiras. Em paralelo com outras atividades, nunca deixou de investigar.
O reconhecimento das suas qualidades de investigação e conhecimentos suscitaram vários convites para ensinar. Em 1981, foi convidado para a regência da unidade curricular de “Princípios de Laboração Mecânica da Madeira” da então especialização em Tecnologia de Produtos Florestais no ISA – Instituto Superior de Agronomia.
Colaborou depois com a ESAC – Escola Superior Agrária de Coimbra, no curso de Engenharia das Operações Florestais, como regente da disciplina de “Silvotecnologia”, entre 1993 e 1997.
Nas várias instituições estatais em que trabalhou, teve também entre as suas responsabilidades a formação profissional, desenvolvendo materiais e ministrando cursos sobre tecnologia das madeiras e suas aplicações. Estas atividades formativas foram desenvolvidas, por exemplo, no LNEC- Laboratório Nacional de Engenharia Civil, no INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial e no INII – Instituto Nacional de Investigação Industrial.
imagem-galeria-AlbinodeCarvalho
“A técnica florestal e a indústria de madeiras”, trabalho que apresentou no I Colóquio de Produtividade na Indústria da Serração de Madeiras, em 1964, viria a ser uma das suas áreas de interesse e especialização, a par da sensibilização dos jovens técnicos florestais para a influência das condições de produção da madeira no produto final da floresta e indústria.
2. Uma obra extensa em quantidade, qualidade e inspiração
Albino de Carvalho é autor de uma extensa bibliografia, com mais de 195 publicações, entre livros, artigos e comunicações em congressos. O seu prestígio permitiu-lhe contribuir para organizações internacionais (por exemplo, para a destacada International Association of Wood Anatomists). O seu trabalho de caracterização das madeiras permanece para além da escrita, no espólio da xiloteca e da suberoteca que receberam o seu nome.
Os temas que abarcou vão desde a anatomia e propriedades físico-mecânicas da madeira e da cortiça até à política florestal, passando pela cultura do choupo, a secagem e preservação de madeiras, o aproveitamento dos despojos da poda dos montados de sobro e a ligação entre a silvicultura praticada, o lenho e os bens com ele produzidos, entre muitos outros.
A sua obra em dois volumes dedicada à caracterização das “Madeiras portuguesas, sua estrutura anatómica, propriedades e utilizações” foi criada em simultâneo com o espólio que constitui a Xiloteca do INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (Oeiras), reunindo as amostras e as informações por ele organizadas entre 1954 e 1995.
Nomeada em sua homenagem, esta xiloteca disponibiliza aos agentes do sector florestal e público em geral conhecimento sobre as principais madeiras portuguesas (continentais, da Madeira e Açores), assim como exemplares de madeiras europeias, americanas, africanas e orientais.
Ulteriormente, em 1982, foi criada também a Suberoteca Albino de Carvalho, que reúne a maior e mais antiga coleção de amostras de cortiça a nível nacional e mundial, com mais de 3 mil amostras de cortiça catalogadas (oriundas das regiões suberícolas nacionais a sul do Tejo).
Estes espaços podem visitados mediante contacto prévio.
3. Aplicações técnicas e equipamentos para diferentes indústrias
Durante a sua carreira, desenvolveu vários equipamentos com utilidade na silvicultura e indústria. Por exemplo, um instrumento para extração de provetes (amostras para teste) de cortiça da árvore e uma ficha de qualificação das cortiças, que deram aos produtores um instrumento de avaliação da qualidade da cortiça na árvore, permitindo maior justiça nos preços de venda.
Por solicitação da indústria realizou frequentemente, trabalhos sobre temas técnicos diversos: utilização de madeiras de pequenas dimensões, produção de embalagem em Portugal, madeiras para formas de calçado, conversão e secagem de madeiras de eucalipto, secagem de madeiras maciças, impregnação semi-industrial de madeiras, entre muitos outros.
O conhecimento de Albino de Carvalho sobre as propriedades da madeira e as necessidades das diferentes indústrias levou à definição e implementação de normas técnicas relativas a diferentes madeiras, sua durabilidade e utilizações. Integrou, por exemplo, a comissão CT 14 – Madeira Cortada, Serrada e Aplainada e várias das suas subcomissões (como representante da Direção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas na Inspeção Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais – equivalente ao atual IPQ – Instituto Português da Qualidade).
4. Sentido cívico e justiça social
A par do contributo para a silvicultura e indústrias florestais, Albino de Carvalho distinguiu-se pela intervenção social, na “construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna” e no compromisso com a “esplendorosa madrugada” (25 de abril de 1974).
No seu trabalho, dedicou especial atenção às situações dos mais fragilizados. Por exemplo, às deploráveis condições de trabalho dos lenhadores, que procurou melhorar com a modernização e mecanização das técnicas aplicadas, e aos prejuízos dos produtores após incêndios, com estudos que viabilizaram a venda e aplicação da madeira ‘salvada’.
10 obras de referência de Albino de Carvalho
O tempo não ajudou a preservar muitos dos textos e livros de Albino de Carvalho. Parte da sua obra escrita acabou dispersa e, em alguns casos, inacessível. Outra parte pode ser consultada em bibliotecas. Numa cerimónia de homenagem a Albino de Carvalho, promovida pelo INIAV (em 2014), foram destacados alguns dos seus trabalhos:
- “Madeiras de Folhosas. Contribuição para o seu Estudo e Identificação” (1953) –Tese defendida no final do curso de Engenheiro Silvicultor.
- “Defeitos da madeira: formação e importância tecnológica” (1957) – um trabalho pioneiro que começou a desenvolver em 1956, com grande relevância na cadeia de valor da madeira.
- “Técnica de secagem de madeiras ao ar” (1970) – este e diversos outros estudos sobre preservação de madeiras, que publicou desde 1957, trouxeram um importante contributo à utilização da madeira na indústria do mobiliário.
- “Madeira de eucalipto (Eucalyptus globulus Labill) – Estudos, ensaios e observações” (1962).
- “Madeiras ‘salvadas’ de fogos florestais. Qualidade e degradação do pinho bravo” (1983) – nesta obra, demonstra a possibilidade de aproveitaras madeiras salvadas de incêndios, estabelece um calendário para a sua exploração e deixa recomendações sobre a sua conservação, de modo a reduzir os prejuízos dos produtores florestais afetados.
- “Reflexões sobre a preservação de madeiras em Portugal: contribuição dos métodos semi-industriais” (1958).
- “Produção e exploração de madeiras; aspectos tecnológicos” (1970).
- “Racionalização, diversificação e planificação do aproveitamento tecnológico das madeiras de pinheiro-bravo” (1987) – aborda a variabilidade da madeira desta espécie, de acordo com a região em que é produzida, fornecendo informações sobre padrões e melhores técnicas a aplicar em cada zona. Na mesma obra, expressa preocupação pela redução da oferta de madeira de grandes dimensões (corte precoce, venda para triturar ou exportar), na medida em que poderá inviabilizar pequenas e médias empresas do sector.
- “Madeiras portuguesas: estrutura anatómica, propriedades, utilizações” (1996) volume I, Instituto Florestal e (1997) volume II, Direção Geral das Florestas – A convite do Instituto Florestal, Albino de Carvalho condensa, em dois volumes, o “conhecimento adquirido e coligido sobre as madeiras e árvores da nossa floresta” ao longo de 40 anos de carreira, dando sequência ao seu trabalho inicial (tese de final de curso).
- “Classificação e Zonagem de qualidade das cortiças portuguesas. Inventariação dos sobreiros produtores de cortiça de superior qualidade” (1991). Na sequência de um projeto financiado pela antiga Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) em 1981, implantou-se uma rede de parcelas de amostragem a sul do Tejo, com recolha sistemática de amostras, em que se qualificou a cortiça de todas as árvores e se identificaram sobreiros produtores de cortiça de boa e superior qualidade, como “contribuição para os trabalhos de melhoramento que revelavam largo atraso no panorama florestal português”.
Pode consultar aqui uma lista de trabalhos de Albino de Carvalho, assim como o seu curriculum vitae.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.