Será indispensável regar regularmente as vinhas do Douro, sobretudo as do Cima Corgo e do Douro Superior, ainda na primeira metade deste século. Tal como outras na Beira Interior, Beira Trasmontana, Planalto Mirandês, Arribas do Douro, Terra Quente Trasmontana. E não só as vinhas: os pomares, os amendoais, os olivais, até os soutos de castanheiros.
Não nos referimos à rega para aumento de produtividade das culturas e/ou regulação de stress hídrico, essa já é feita em muitos casos e com equipamentos modernos de uso eficiente da água: referimo-nos a rega para sobrevivência das plantas, para evitar a degradação do solo e a desertificação.
Para se poder utilizar água será preciso havê-la e não será só da que cair do céu nos momentos oportunos. É que as ocorrências de secas prolongadas e de anos sucessivos de fraca pluviosidade serão cada vez mais frequentes e forçoso será dela dispor a partir de albufeiras e de redes de rega que a levem aos sistemas secundários das explorações.
José Pedro Salema no seu artigo chamou bem a atenção para uma série de aspectos positivos e de necessidades do regadio em Portugal e o momento é oportuno pela discussão pública do documento REGADIO 2030 Levantamento do Potencial de Desenvolvimento do Regadio de Iniciativa Pública no Horizonte de uma Década. Se a procura de alimentos cada vez consegue mais produção em menos espaço graças à água, é possível também à agricultura produzir mais com menos água.
Contudo, nós hoje estamos numa situação de emergência de ter água que permita o futuro no médio e já no curto prazo. Se virmos um mapa de Índice de Aridez de Portugal, inferimos de imediato que o Interior Norte, o Interior Centro e o Sul precisam de água. Se neste último o Alqueva e sistemas complementares resolveram a questão, no Cima Corgo e no Douro Superior, no Planalto Mirandês, nas Arribas do Douro, na Terra Quente Trasmontana (as bacias de Mirandela e Valpaços, noroeste de Macedo de Cavaleiros, Vila Flor), na Beira Trasmontana, ainda neste século veremos um deserto, com um oásis aqui e ali, se não lhes for garantida água.
A visão estratégica da solução para este problema deve pensar no país como um todo, e para lá dele. A articulação necessária entre a DGADR e a APA, a previsão de trasvazes para os quais será necessário usar as existentes e prever novas albufeiras em barragens a ser construídas a Norte, Noroeste e Centro de Portugal, que são zonas húmidas, para poderem ser enviadas massas de água para o interior e para o Sul. O Norte Interior, em complemento e articulado em rede com os pequenos regadios das albufeiras já existentes ou previstas, precisa de uma ou duas grandes barragens algures junto à fronteira entre Chaves-Vinhais, “um Alqueva do Norte”, na bacia do rio Rabaçal, que permitam armazenar nos Invernos copiosos e suprir a agricultura e populações dos vales do Tuela e Rabaçal e do peneplanalto trasmontano, integradas num sistema nacional de gestão e utilização de água.
A água doce é escassa e há que rever algumas políticas da sua gestão: as concessões exclusivamente hidroeléctricas, mais do que discutíveis; incompreensível, no Vale do Sabor a enorme barragem não poder ter uma conduta de ligação às albufeiras da Vilariça; a do Tua terá que servir o Douro. Tudo isto e muito mais não pode ser tabu.
No âmbito da Convenção de Albufeira com Espanha, não seria melhor uma gestão Ibérica dos recursos hídricos e uma mesma estratégia para combate à desertificação geográfica? É uma discussão a fazer-se e com actualidade. O plano do Tejo, a necessidade de trasvazes de acordo com as necessidades específicas de regiões e culturas, as particularidades das produções agrícolas do futuro, imporão condições com que nos temos de preocupar de mente aberta. Os governos de Portugal e Espanha deveriam olhar para o assunto água como um todo, não permitindo que este recurso escasso e de tamanha importância se turve ou venha a faltar onde será preciso. Os gabinetes de Lisboa, de Madrid e das Regiões Autónomas na Península, deveriam decidi-lo sem cedência a lóbis.
Há as populações no campo que da água dependemos, a ecologia que dela carece e de que o homem faz parte, a agricultura que a usa para produzir o que comemos, a nossa paisagem que, sem ela, será deserto, o nosso futuro que, sem água, não irá acontecer.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.