Luís Guimarãis, presidente da associação ambientalista WePlanet Portugal, defende uma visão pró-ciência e pró-humanidade que o distingue das ONG tradicionais. Apoiante das Novas Técnicas Genómicas (NTG), dos OGM e da energia nuclear, acredita que a inovação tecnológica é essencial para proteger a biodiversidade e garantir a segurança alimentar. Em entrevista ao Centro de Informação de Biotecnologia, explica por que razão a agricultura precisa de evoluir e como combater a desinformação que domina o debate público.
Entrevista: Margarida Paredes | CiB – Centro de Informação de Biotecnologia
A WePlanet assume uma posição pouco comum entre as associações ambientalistas, ao ser favorável às Novas Técnicas Genómicas (NTG), aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e à energia nuclear. Estas posições têm sido difíceis de defender em Portugal?
As pessoas são, em geral, bastante abertas a discutir estes temas e demonstram muita curiosidade. Em relação à biotecnologia, aos OGM e às NTG, damos frequentemente um ou dois exemplos para ilustrar a incoerência da União Europeia nesta matéria. Um exemplo é o da soja geneticamente modificada que importamos da Argentina: compramos produtos OGM a outros países, mas não os podemos produzir cá. É absurdo. E as pessoas com quem falamos percebem isso — é como se de repente caíssem na realidade.
O grande problema é que, dentro da política e das associações ambientalistas tradicionais, criou-se uma bolha enorme, que se opõe sistematicamente a estes avanços. E essa bolha não ouve o setor académico, nem o agrícola, nem o fitofarmacêutico, que estão todos alinhados na defesa de tecnologias como os OGM e as NTG.
A ciência já demonstrou que estas tecnologias protegem a biodiversidade, aumentam a produção agrícola e reduzem os custos de produção alimentar.
Mas a evidência científica não tem tido a visibilidade pública que merecia.
O objetivo da WePlanet é precisamente “acordar” estes três setores, mostrar-lhes que têm poder político e que é crucial virem a público defender estas tecnologias.
Pela nossa experiência, as pessoas estão recetivas. Temos a ciência do nosso lado — só precisamos de quebrar a bolha política.
Então o trabalho da WePlanet tem sido fácil?
Tem, sim. Temos sido muito bem recebidos, tanto pela população como por entidades. O diálogo é fácil porque fazemos algo que as associações ambientalistas tradicionais não fazem: ouvimos as pessoas e fundamentamos bem o que defendemos.
Já enfrentou críticas ou resistências por defender estas posições?
Sim, já. Cheguei a ser ameaçado de morte por alguém ligado ao Climáximo. É sobretudo de associações ambientalistas mais radicais que surgem as maiores pressões.
Por que é que a WePlanet decidiu apoiar publicamente os OGM e as NTG, sabendo que estas tecnologias podem ser polémicas no seio ambientalista?
Não temos medo das associações ambientalistas mais radicais — se tivéssemos, nem teríamos criado a WePlanet.
Somos pró-humanidade e pró-ciência, o que nos distingue. Para defender a nossa posição sobre as NTG, reunimos o apoio de 37 Prémios Nobel a favor da proposta da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu. Estamos convencidos de que conseguimos mudar o sentido de voto de vários eurodeputados, nomeadamente portugueses, com base nos nossos argumentos científicos.
A WePlanet assenta em quatro pilares, dois dos quais são a agricultura e a recuperação da biodiversidade. Vemos nas NTG um potencial enorme: criam empregos, reduzem o impacto humano sobre a natureza (com mais colheitas em menos espaço) e permitem reduzir a aplicação de pesticidas.
Sobre os pesticidas, quero sublinhar: não somos contra. É um campo altamente estudado e, mesmo assim, a União Europeia reduziu em 90% a sua utilização desde os anos 50.
Sou cientista de dados, trabalho diariamente com dados, e posso garantir: a narrativa dominante sobre pesticidas está profundamente errada.
Voltando às NTG: para nós, a sua defesa é uma evidência.
Já foi acusado de estar a ser financiado pela indústria?
Claro, já me acusaram de tudo e mais alguma coisa. Mas vivo bem com isso.
A WePlanet não é financiada por nenhuma empresa ou organização. Somos uma equipa de 10 a 12 pessoas em Portugal, e tudo o que fazemos é suportado do nosso próprio bolso. E, felizmente, conseguimos ter impacto com poucos recursos — o que também acontece a nível internacional.
Em quantos países a WePlanet está presente?
Penso que já estamos em 16 países. Recentemente juntaram-se o Bangladesh, o Quénia, o Uganda e o México.
Estamos a crescer especialmente em países do chamado “Terceiro Mundo”, porque é lá que a batalha pela sustentabilidade agrícola é mais urgente — e também onde as narrativas anti-OGM, como as promovidas pela Greenpeace, têm mais força.
No Quénia, por exemplo, há quem diga que consumir OGM “torna as crianças homossexuais”. Numa sociedade conservadora e religiosa, estas mentiras ganham terreno.
O nosso objetivo é combater essas narrativas falsas.
Na sua opinião, porque é que a maioria das ONG ambientalistas se opõe à biotecnologia, apesar da sua segurança e potencial?
Essa pergunta daria pano para mangas.
O ambientalismo começou com boas intenções, no século XX, sobretudo nos EUA. Mas foi influenciado por dois livros profundamente anti-científicos: Silent Spring (1962) de Rachel Carson e The Population Bomb (1968) de Paul Ehrlich.
Estes livros criaram narrativas românticas, simples, que são apelativas para a opinião pública, mesmo sem base científica.
Mas acredito que o extremismo das associações ambientalistas tradicionais tem os dias contados. Quando os académicos e agricultores conseguirem furar a bolha política, essas “máquinas de anti-progresso” vão perder relevância.
Na WePlanet queremos oferecer opções: melhores colheitas, proteína sem sofrimento animal, tecnologias que permitam escolhas éticas.
Não impomos nada a ninguém — oferecemos alternativas com base na ciência.
Existem outras ONG ambientalistas com posições semelhantes às da WePlanet?
Em Portugal, não conheço. Mas na Europa há algumas, especialmente na área do rewilding, que promove a recuperação de ecossistemas.
Por exemplo, uma associação polaca trabalha para criar reservas e corredores de biodiversidade em terrenos agrícolas inférteis.
Há colaboração com essas associações?
Sim. E também com partidos políticos nos países onde essas associações atuam.
Temos, por exemplo, uma boa relação com o Partido Verde da Finlândia, que hoje é mais aberto às NTG. Aliás, vários membros da WePlanet são também membros deste partido.
Que opinião tem sobre o facto de a agricultura biológica rejeitar as NTG e os OGM, mesmo podendo reduzir o impacto ambiental?
Acho um disparate tremendo.
Defendemos a existência de opções — quem quiser fazer agricultura biológica, perfeito.
Mas, especialmente com o sistema CRISPR-Cas9, não faz sentido rejeitar estas tecnologias.
O CRISPR apenas acelera modificações que poderiam acontecer naturalmente. Nem mesmo especialistas conseguem distinguir entre uma planta modificada pela natureza e uma modificada por CRISPR.
Além disso, as NTG permitem reduzir o uso de pesticidas e fitofármacos.
Os agricultores convencionais, em Portugal e na Europa, são frequentemente vistos como criminosos. Como se chegou a este ponto?
É um fenómeno absurdo.
Os agricultores que protestam são tratados como bandidos, enquanto a agricultura biológica é endeusada como a única solução. Mas isso não é verdade.
Veja-se o exemplo do Sri Lanka: ao tentar converter toda a agricultura para o modo biológico, o país implodiu e hoje a fome alastra.
A agricultura biológica é importante, mas nunca conseguirá alimentar o mundo sozinha.
Considera que a agricultura biológica precisa de ser atualizada à luz dos avanços científicos?
Sem dúvida.
Os defensores da agricultura biológica deveriam ser os primeiros a exigir a regulamentação das NTG, como o CRISPR.
A diretiva europeia que tenta distinguir alterações naturais de alterações feitas com CRISPR é absurda — na prática, é impossível.
A imprensa tem responsabilidade na desinformação sobre biotecnologia?
Sim.
A imprensa procura fontes, e encontra sobretudo movimentos ambientalistas. Como são as vozes dominantes, acabam por moldar a narrativa pública.
Isto cria um ciclo vicioso difícil de quebrar.
E como se pode quebrar esse ciclo?
É preciso criar uma frente unida entre académicos, profissionais e influencers, que levem os factos científicos aos média.
Explicar que a agricultura sempre evoluiu — que modificar plantas e animais é algo que fazemos há milhares de anos.
É uma luta difícil, mas já começamos a ver mudanças.
O que é necessário mudar para melhorar a perceção pública da biotecnologia agrícola?
Nada bate uma boa história.
Precisamos de aprender a comunicar melhor: contar histórias baseadas em ciência.
Por exemplo, a história da insulina: antes sacrificavam-se milhares de porcos, hoje uma bactéria modificada salva milhões de vidas.
É uma história simples e poderosa.
A biotecnologia ainda não é um tema quente nos média. Como mudar isso?
É difícil, porque não compete com temas como guerras ou crises económicas.
Precisamos de criar eventos, gerar notícias, sair da bolha técnica e entrar na bolha mediática — com persistência.
Tenho dois empregos e um filho pequeno, mas continuo a lutar, sobretudo por ele.
Que argumentos devem ser usados para convencer políticos e a sociedade da importância das NTG?
Mostrar números concretos: este setor pode gerar trilhões na economia global, criar empregos de alto valor e reforçar a competitividade europeia.
Se nós, europeus, não liderarmos, serão os chineses a fazê-lo — e eles não têm as mesmas barreiras éticas ou regulamentares.
Garantir segurança alimentar é, hoje, uma questão de sobrevivência.
Doutorado em Física, com especialização em Fusão Nuclear pelo Instituto Superior Técnico, é atualmente Professor Auxiliar Convidado na Nova School of Business and Economics, onde integra o departamento de Gestão de Operações, Tecnologia e Inovação. Cofundador da associação ambientalista WePlanet Portugal, defende soluções sustentáveis baseadas em evidência científica, com especial destaque para a energia nuclear, os organismos geneticamente modificados (OGM) e as novas técnicas genómicas (NTG). Luís Guimarães tem participado ativamente em eventos e debates públicos sobre energia nuclear e sustentabilidade, assumindo uma voz firme a favor da inovação tecnológica como aliada essencial no combate às alterações climáticas e na preservação da biodiversidade.
Esta entrevista foi realizada pelo CiB e publicada na edição de julho da revista Vida R.ural
O artigo foi publicado originalmente em CiB – Centro de Informação de Biotecnologia.