Inspirando-me em famosa máxima de outros tempos, intervenientes e contextos, direi agora que “nunca antes, tantos (no caso Agricultores) se manifestaram tanto, em tão pouco tempo”.
Na verdade, em Portugal, no espaço de uma semana (início a 1 de Fevereiro), houve manifestações de Norte a Sul (e Açores) com determinação e expressão notáveis – em que sobressaíram Gentes e Tractores – e com muito impacto também. E estas expressões de grande descontentamento dos Agricultores assinalam-se, simultaneamente, por vários países da União Europeia, também pela Índia e, ao que parece, vão estender-se no curto prazo até à América Latina pelo menos. Veremos…
Aliás, a nível da União Europeia e não só, esta onda de protestos generalizados também evidencia a falência deste sistema das “metamorfoses” desta PAC e de vários outros “acordos” agro-alimentares internacionais, ditos de “livre comércio”, que mais do que favorecem a grande agro-Indústria e o grande agro-negócio – incluindo as grandes cadeias de Hipermercados – em prejuízo, até ao abandono forçado, de centenas e centenas de milhar de Agricultores (ainda) Cultores do Agro !
A situação recomenda pois que se faça uma reflexão criteriosa partindo de uma ou duas constatações principais. Em primeiro lugar, os Agricultores têm mais do que razões para protestar e, nomeadamente, em geral sofrem com baixas de rendimentos e restrições várias à produção, isto apesar de haver diferentes tipos de Agricultores, de Empresários Agrícolas e de Indústria e Comércio Agro-Alimentares. Ora, não acontece por acaso ou “por decreto” uma tamanha convergência de motivações e de acções nas quais participam, ao mesmo tempo, pequenos, médios e grandes Agricultores, algumas vezes situados a milhares de quilómetros uns dos outros.
Sim, há muitos e variados motivos para estes amplos e vigorosos protestos e nem vale a pena especular neste momento acerca do serem ou não mais ou menos “espontâneos” embora seja evidente haver processos de coordenação sobretudo pelas “Redes Sociais” mas não só.
Algumas “nuances” nas actuais movimentações de Agricultores.
As convergências que se verificam na acção devem ser valorizadas como factor de mobilização, de unidade e de sucesso na luta que acontece.
Entre nós, o motivo próximo (mas não o único…) mais determinante foram os grandes cortes nas ajudas – entre 25% e 35% a menos – recebidas em Janeiro passado designadamente por medidas dos chamados “ecorregimes”, tipo “agro-ambientais”, e cujo diferencial negativo muito prejudica “as contas” e defrauda as expectativas de milhares dos nossos Agricultores que, assim, ficaram “zangados” e disponíveis para a luta nas ruas e estradas.
Como se disse, têm sido fortes e simultâneas as manifestações da actualidade estimuladas de região para região, de país para país.
Algumas delas – designadamente, Estarreja (2 Fevereiro) e Vila Real (8 de Fevereiro) – foram promovidas directamente pela CNA e Filiadas Regionais e Sectoriais embora a elas se tenham associado, no dia, Agricultores ligados a outras organizações sobretudo locais/regionais. Noutras manifestações também houve alguma mobilização estimulada por Agricultores ligados a Organizações Regionais da CNA.
Neste contexto “fervilhante”, veio a público, aliás destacada pela grande comunicação social e disseminada nas Redes Sociais, uma “auto-designação” dos promotores regionais dos protestos como tratando-se de um “Movimento Cívico dos Agricultores de Portugal” organizado, coordenado e actuante através de vários “grupos espontâneos” auto-estimulados em Redes Sociais. E, note-se, até agora o “processo” tem funcionado.
É também constatável, e aliás natural, que muitos destes Agricultores são já de um tipo “diferente”, com explorações (muito) “diferentes”, dos Agricultores de há mais de 30 anos atrás quando houve, em Portugal, a primeira grande manifestação (Maio – Curia – 1992) “contra” a PAC e, assim, também manifestam novos elementos a influenciarem a sua mentalidade e a sua atitude embora haja problemas idênticos como, e só como exemplo, os baixos preços à produção.
Porém, começam a ser visíveis divergências entre táticas, entre motivações pessoais (procura de “poder” pessoalizado), quiçá divergências estratégicas, com “tiques” demasiado frequentes e já nocivos de puro sectarismo em relação a Agricultores que se refenciam como membros ou simpatizantes de estruturas agrícolas mais tradicionais ainda por cima quando, por exemplo, a CNA e Filiadas também estiveram, e uma vez mais, na luta nas ruas e estradas.
É mau sintoma um tal sectarismo sobretudo porque não favorece em nada a luta, desejavelmente em unidade, em torno dos graves problemas que vivemos. Vamos a ver, com a maior atenção, como evoluem estes alegados “espontâneos” nas suas dinâmicas no curto/médio prazos.
Direção central da CAP procura desmobilizar a luta dos Agricultores.
Na véspera (30/31 de Janeiro) do início das movimentações de protesto dos Agricultores a 1 de Fevereiro, a direção central da CAP aliou-se, objectivamente, à Ministra da Agricultura e ao Ministro das Finanças na tentativa de desmobilizarem os protestos ao virem, uns e outros, para a comunicação social e redes sociais a anunciarem mais uma “chuvada de milhões” para o sector. A CAP diz mesmo que já “negociou” com o próprio Gabinete do Primeiro-Ministro, por exemplo, a reposição (pelo IFAP – Governo) das ajudas que foram cortadas em Janeiro. Pelos vistos não conseguiram desmobilizar ninguém e antes pelo contrário…
Entretanto, os principais dirigentes nacionais da CAP afirmam continuamente que “negoceiam” directamente com o Primeiro-Ministro que com a Ministra da Agricultura, enfatizam, “não vale a pena falar que a senhora não tem qualquer peso político”… Quer dizer, a direção da CAP assume-se como uma espécie de “interposto negocial” com o Governo através do Gabinete do Primeiro-Minstro… Pelos vistos, os resultados não são nada famosos e ainda menos convincentes são para os Agricultores…
Mas a direção central da CAP também vem desautorizar os “líderes” destas movimentações regionais os quais desmobilizaram os Agricultores das manifestações depois de terem falado – videoconferência e pessoalmentre – com a Ministra da Agriculturas e dela ouvirem algumas “promessas” em relação a algumas das reclamações. Então, ao que diz e insinua a direção central da CAP, os “líderes” regionais destas movimentações “espontâneas”, afinal, andaram a perder tempo a falar com a Ministra e, assim, a fazerem os Agricultores perder tempo também, e a serem “enganados” no processo…
E assim como os Agricultores não são todos iguais, as Confederações Agrícolas também o não são…
E, apesar de tudo, mantenho que o esforço principal dos Agricultores Portugueses não deve concentrar-se na criação de novas (grandes) estruturas nacionais e mesmo regionais. Isso será dividir e dispersar forças e dinâmicas em vez de, repete-se, procurar convergir para resolver problemas comuns.
O dito “Movimento Cívico dos Agricultores de Portugal” já ganhou “galões” na luta mas se enveredar por sectarismos e divisões, vai acabar por prejudicar essa mesma luta e o sucesso que interessa obter. E vai “dar com os burrinhos na água”. A evitar portanto e não quero ser paternalista…
O “instrumento” das Redes Sociais expressa opiniões e promove dinânimas que todos devemos utilizar embora com critério e sem preconceitos.
Ministra e Governo procuram “amaciar” os protestos e aliciar para o voto.
Perante a força dos protestos dos Agricultores, a Ministra da Agricultura e o Governo estão a procurar reagir em diálogo “reforçado”, prometendo “soluções” tanto mais que estamos em época eleitoral… A Ministra também está a dar uma resposta prática às contínuas declarações muito desfaroráveis da CAP a seu respeito e mexe-se e intervém revelando aliás assinalável combatividade. Inclusivé, tenta tirar partido da situação também através do reconhecimento institucional, de facto, dos vários movimentos regionais nos quais, aliás, até se tenta apoiar no processo. É evidente que tem nisso a cobertura política do Primeiro-Ministro que, neste momento pelo menos e por assim dizermos,”negoceia” mais com o Ministério da Agricultura e o das Finanças do que com a direcção da CAP e da CONFAGRI as quais, embora cada uma delas à sua maneira, aparecem agora a “cantar vitórias” (extemporâneas) por terem andado a “negociar com o Gabinete do Primeiro-Ministro”.
Mas é altura para também se dizer que caso os governantes tivessem ouvido a CNA e Filiadas com ouvidos de ouvir e agido em conformidade, poderiam ter evitado males maiores como aqueles que “queimam” no bolso e na cabeça dos nossos Agricultores…
Hoje, 19 de Fevereiro, ao que julgo saber, já começaram a “pingar” nas contas bancárias dos Agricultores parte das prometidas Ajudas e que isso vai continuar embora a “conta-gotas”. É evidente que isto está a acontecer devido à forte luta dos Agricultores e também da CNA ! E ainda bem que acontece, embora da parte do Governo haja uma óbvia intenção em aliciar os beneficiários para o voto nas Eleições dia 10 de Março… Aliás, o problema será em parte “adiado”porque, apesar de tudo, se corre sérios riscos em que os próximos pagamentos (em Fevereiro) aos Agricultores não reponham todos os grandes “cortes” aplicados nas Ajudas, em Janeiro passado. Portanto, é bom que os Agricultores afectados se mantenham atentos, unidos e em acção.
Por mais rendimentos pelo trabalho dos Agricultores !
Por uma Alimentação acessível e de qualidade !
Por outra PAC ! Agricultura e Alimentação fora da OMC, Organização Mundial do Comércio, e de outros “acordos” espúrios !
Vale sempre a pena lutar ! Viva a justa luta dos Agicultores Portugueses !
Viva a luta de todos os Agricultores !
Cidadão rural e pequeno produtor florestal
Afinal o rei vai nu neste “caos organizado” no reino da intensificação da Agricultura… – João Dinis