Imagine que numa ilha isolada de um qualquer oceano, foi descoberta recentemente uma árvore até agora desconhecida, cujos frutos de forma algo peculiar, possuem propriedades organolépticas e nutricionais que tornam o seu consumo altamente saudável. Ricos em antioxidantes e fibras, auxiliam o bom funcionamento do organismo e a perda de peso, são uma arma poderosa contra as doenças cardiovasculares, graças à vitamina E e C agem como anti-inflamatório natural, possuem grandes teores de vitaminas A, B e K, minerais como potássio, magnésio, gorduras monoinsaturadas e uma infinidade de outras qualidades, umas já determinadas e outras ainda por qualificar.
Mas, apesar destas características, podia este fruto apresentar-se na natureza em formas não amigáveis para o consumo. Podia ser duro, os frutos enormes ou infinitamente pequenos, com uma pele difícil de descascar, com mau sabor, pegajoso, rugoso, no fundo horrível! Mas não, tivemos tanta sorte que além dos benefícios para a saúde, com facilidade pode fazer parte de tudo o que é receita culinária, em torradas, canapés, saladas, sanduíches, molhos, sobremesas, doces, salgados, etc.
Afinal esse fruto sempre existiu! Ganha cada vez mais espaço nos cardápios saudáveis por esse mundo fora, é um dos mais bem-sucedidos frutos actualmente, ao ponto de ser apelidado de “fruto da moda”. Esse fruto, como já decerto adivinhou, é o abacate.
O seu consumo anual nos EUA já atinge os 3,68 kg per capita (328 milhões de pessoas), tendo aumentado 400% de 2001 a 2018[1] e na Europa (750 milhões de pessoas) tem vindo a aumentar consistentemente e prevê-se que atingirá os valores dos EUA nos próximos 8 anos.[2]
Em Portugal, fruto de uma campanha não sustentada em factos credíveis, ou pior ainda, baseada em dados errados (e na maior parte das vezes propalados publicamente sem contraditório por pessoas com responsabilidades), conseguiram-se incutir na opinião pública ideias completamente erradas.
Atentemos então nos aspectos em que os detractores do abacate normalmente acusam os produtores em Portugal.
Mito 1: as espécies tropicais são ‘invasoras’
O abacate é uma espécie tropical, considerada invasora portanto! Estamos todos de acordo quanto ao “tropical” e não vemos mal nisso! Se a cultura se adapta ao nosso clima actual (há consenso sobre o aquecimento global), não é por aí que vem mal ao mundo! Se não adaptássemos as culturas às mudanças climáticas é que seria grave! Já quanto à “invasora” teremos de ver o conceito: “entende-se por espécie invasora aquela que, oriunda de certa região, penetra e se aclimata em outra onde não era encontrada antigamente (espécie introduzida), prolifera sem controlo e passa a representar ameaça para espécies nativas, para a saúde e economia humanas e/ou para o equilíbrio dos ecossistemas que vai ocupando e transformando a seu favor”[3]. Ora, tanto quanto se sabe, as plantações de abacateiros têm aproveitado maioritariamente solos que estavam desaproveitados, o seu controlo é rigoroso, não representam ameaça às espécies nativas (já vamos ver quais são as espécies nativas!), não são prejudiciais para a saúde humana (antes pelo contrário), não prejudicam a economia nem contribuem para o desequilíbrio do ecossistema (já veremos também).
Muito bem! Agora falemos das culturas autóctones. Convidam-se os leitores a identificarem as que são nativas de Portugal. Provavelmente não saberá que no Algarve não havia alfarrobeiras e que foram os fenícios que as trouxeram no Séc. XII a.C. assim como a oliveira e a vinha. Mais tarde foram os gregos que trouxeram o loureiro, a amoreira, a amendoeira e a figueira. Seguiram-se os cartagineses com o aipo, a cebola, o alho, a romãzeira, a tamareira e a palmeira. A vinha apenas encontrou desenvolvimento com os romanos no Séc. III e o mesmo aconteceu relativamente à ameixeira, a cerejeira, o pessegueiro, o damasqueiro e a ginjeira. E depois vieram os navegadores portugueses com a introdução do milho (a mais importante cultura arvense em Portugal) e que se foi adaptando às regiões Norte, Centro e Algarve e poderíamos continuar por aí fora… Ou seja, se quiserem continuar com as culturas realmente originárias, teremos que nos dedicar aos sobreiros, aos carvalhos, e pouco mais, porque nem o a espécie do pinheiro bravo actual (atlântica) é a indígena (pinaster) que se extinguiu! [4]
Mito 2: o abacate consome muita água
Outra das ideias que é difundida (sendo das maiores falsidades que se têm dito nos últimos tempos) é o consumo muito elevado de água. Começou por dizer-se que era a cultura que mais consumia e que para produzir um quilo de abacates eram necessários 2 mil litros de água! Não referiram porém que de facto é essa a referência, mas apenas para as explorações na América do Sul[5]. Em vários estudos e conferências apontou-se 10.000 a 12.000 m3 por hectare por ano. Depois, números oficiais do Ministério da Agricultura referiram apenas cerca de 7.300 m3 por hectare por ano mas, com tal campanha e tanta desinformação, o mal estava feito, ninguém duvidou dos números, ninguém pediu confirmação, ninguém cruzou informação.
É verdade que se formos para o continente americano, especialmente na América do Sul (Perú, Colômbia, etc) e México, os grandes produtores mundiais, os gastos com água nem sequer se podem comparar com os utilizados em Portugal, em Espanha, ou por exemplo em Israel. Em Entre nós, na generalidade, não se opta por uma exploração de abacates sem a instalação de um sistema de irrigação e fertilização modernos, sem colocação de sondas para medição da temperatura e humidade do solo, sem a instalação de uma estação meteorológica, sem usar os modernos meios de controlo do desenvolvimento vegetativo do pomar por meios aéreos (drones ou satélite). Com todos os meios tecnológicos disponíveis actualmente, garante-se que cada planta receba a quantidade de água que necessita e apenas essa. Quer com rega a gota, quer com micro-aspersão, as áreas regadas diminuem drasticamente, nomeadamente em comparação com aquelas que se usavam antigamente (aspersão, alagamento, etc). As perdas por lixiviação e por evapotranspiração são mínimas e os consumos reduzem-se drasticamente.
E tanto assim é, que foi uma agência do próprio Ministério da Agricultura que veio já em 2019 a produzir um documento[6], onde claramente se refere que “têm surgido notícias não fundamentadas, referindo que o abacateiro é muito exigente em água, cujo consumo supera em muito o de outras culturas regadas nomeadamente citrinos, amendoeiras, figueiras, oliveiras, alfarrobeiras e outras[7].”
Este estudo, depois de analisar largamente uma série de factores, aponta para gastos médios de 5.600 a 6.600 m3 por hectare/ano. E o leitor julga que mesmo assim é muito? Eu diria imediatamente que sim! Porém, vejamos a comparação com as outras culturas no Algarve: Amendoeiras (7.500 – 7.900 m3), Citrinos (6.400 – 7.600 m3), Diospireiros (6.800 – 7.200 m3), Figueiras (5.500 – 5.800 m3), Nogueiras (8.600 – 9.000 m3), Romãzeiras (6.300 – 6.500 m3), vinho de mesa (5.600 m3), sempre por hectare e por ano![8] E agora pergunta-se: alguém se manifestou contra alguma destas culturas?
E conclui este mesmo estudo: “Pelo exposto podemos concluir que a cultura do abacateiro, tal como é efectuada na Região do Algarve, não exige maiores volumes de água para rega, comparativamente com outras fruteiras típicas do nosso clima…constatamos que os volumes totais a aplicar anualmente se situam entre os 4.800 e os 6.800 m/ha”.[9]
Assim sendo, se tivermos em conta que para uma produção média (conservadora!) de 12.000 kg por ano por hectare gastamos 5.000.000 litros (5.000 m3), veremos que serão necessários apenas 416 litros para produzir um quilo de abacates, ou seja, apenas a quinta parte dos 2.000 litros que tantas vezes anunciam erradamente em Portugal. Se conseguirmos chegar ao dobro da produção (como os israelitas já conseguem!), então os valores ainda serão ainda mais reduzidos.
Ninguém duvida que a água é um bem escasso, portanto precioso! Que temos de fazer o seu uso muito criterioso. Visite um pomar de abacateiros em Portugal! É o que podemos lá encontrar! Deveriam isso sim, ser apontados como exemplos a seguir pelas outras culturas, assim tivessem estas um retorno para o agricultor que lhe permitisse aplicar toda a tecnologia que o retorno dos abacates permite!
Mito 3: o abacate consome muitos pesticidas
A utilização de pesticidas, nomeadamente herbicidas e insecticidas. Para o leitor menos habituado com os produtos químicos, existem princípios activos de alguns herbicidas, ainda não proibidos pela UE, sobre os quais recai alguma pressão, pela possibilidade de contaminação de solos e aquíferos se utilizados sem controlo. Pois acusam também os pomares de abacateiros por usos exagerados de herbicidas! Analisemos a questão: primeiro, nos pomares jovens, usam-se normalmente mantas de ensombramento, reduzindo drasticamente o crescimento de ervas; segundo: quando os pomares atingem o seu desenvolvimento total, as copas das árvores são tão grandes e compactas que dificilmente os raios de sol chegam à terra entre as árvores. Ou seja, num pomar de abacateiros adulto, os herbicidas (se usados), reduzem-se ao mínimo, sendo seguramente muito inferiores quando comparados com as outras culturas. Por outro lado, como todas as produções são apertadamente controladas para certificação, nem sequer se coloca esse problema.
Quanto a insecticidas em geral: por enquanto (talvez por se tratar de uma cultura ainda não comum!), não se conhecem pragas que ataquem os abacateiros em Portugal. O seu consumo em tratamentos fitossanitários é assim próximo do zero!
Mito 4: as monoculturas são más
“Temos de acabar com as monoculturas”! É o que se ouve por aí! Vamos por partes! Primeiro temos de saber o que considera uma monocultura! Se tivermos uma horta atrás de casa com 100m2 de couves, é uma monocultura? Não! E um laranjal com 1 hectare, é ou não? E 5 hectares de milho? Onde está a fronteira? Portanto, há que definir o que entendemos por monocultura.
Mas, já que referimos algumas áreas, podemos avançar com estes números: “Actualmente, com base num inquérito realizado por técnicos da DRAP Algarve, estima-se que até final de 2019 a área plantada de abacateiros supere os 1.100 ha… Comparativamente com os citrinos que ocupam na região actualmente uma área de quase 15.000 ha, a área de abacateiros com os seus quase 1.100 ha, longe de ser uma monocultura intensiva, como por vezes é referido por organizações sem conhecimentos técnicos da cultura, os pomares de abacateiros representam apenas 7,3 % dessa área”[10].
E conhecem-se algumas plantações que foram “roubadas” à produção de forragem para o gado ou instalaram-se em terrenos de sequeiro que quase nada produziam.
Mito 5: as plantações de abacate não criam postos de trabalho
Um último argumento que agora trouxeram à discussão (discussão não, porque é que coisa que não tem havido!), é que fruto da mecanização dos pomares de abacateiros, estes não criavam postos de trabalho! Então mas a preocupação não era com a ”invasão” de estrangeiros? Que já descaracterizavam a população na Costa Vicentina! Que já não havia instalações para os alojar! Então? Se se criam empregos, aqui d’el rei que vêm os estrangeiros! Se se poupa em mão de obra, também não presta porque não se criam postos de trabalho! Venha lá entender isto quem puder!
Em conclusão: o abacate, por todos os seus benefícios é o fruto da moda. Adapta-se perfeitamente ao clima actual de algumas zonas do nosso país. A sua cultura é altamente controlada, quer em produção integrada quer biológica, já que o seu escoamento é feito através de grandes organizações de produtores ou cadeias alimentares sobre as quais recai um elevado controlo desde a sua produção. Os consumos de água são medianos em comparação com as outras culturas. A área de ocupação é ainda irrisória quando comparada com as culturas “tradicionais” no Algarve e proporciona aos agricultores retornos acima do habitual.
A chamada “Agricultura 4.0”, ou seja, aquela que utiliza as mais modernas tecnologias é já uma realidade em Portugal. As ferramentas digitais, ao trabalho conectado e optimizado (IoT – “Internet to Things”) o controlo remoto das máquinas M2M (“Machine to Machine”), o uso de GPS, de drones, pilotos automáticos, telemetria, sensores ou detecção automática de frutos, são já ferramentas disponíveis e que tornam o processo de tomada de decisão muito mais eficaz conduzindo a uma maior produtividade, à redução dos custos e à sustentabilidade.
Por outro lado, só devemos produzir o que o mercado pede. Goste-se ou não, é a lei da oferta e da procura que determina o preço. E a produção de abacates ainda não satisfaz a demanda. Há assim que aproveitar a janela de oportunidade que parece ter surgido e que se manterá nos próximos anos.
De uma coisa podemos estar certos: os europeus e americanos vão continuar a consumir abacates nos próximos tempos, sendo a tendência para que os primeiros cheguem depressa aos consumos médios dos segundos.
Agora, há que ponderar: ou os produzimos nós (porque podemos!) e estamos próximo do mercado consumidor ou continuaremos a importá-los da América. Sugiro aos leitores mais preocupados com a pegada de carbono (e bem!), que façam a avaliação! Já para não falar no controlo de pesticidas, herbicidas, limitadores de crescimento e outros produtos banidos na União Europeia: preferirão consumir dos “nossos” rigorosamente controlados, ou consumir os dos “outros” sem garantias?
Por tudo isto e salvo melhor opinião, não me parece que a produção de abacates em Portugal seja uma “patetice”.