Com os preços a atingir o seu pico e o euro a desvalorizar, o impacto dos custos de produção e a quebra acentuada dos preços da carne de porco, o pesadelo parece não ter fim e a questão que se coloca é: como vamos enfrentar tudo isto até à primavera de 2022?
Terminada a COP 26, que, como era de esperar, ficou aquém das expectativas e ambições, ficamos com as intenções de descarbonização a várias velocidades, sabemos que a União Europeia e os EUA estão de acordo com a neutralidade carbónica em 2050 e regressamos ao “drama” do momento e que mais nos aflige: a contínua subida dos preços das principais matérias-primas para a alimentação animal e humana, com impacto nos preços dos alimentos.
No caso dos suínos, o impacto dos custos (em alta) e os preços da carne de porco, em quebra acentuada, com uma evidente deterioração das margens. De facto, quando pensávamos que os preços tinham atingido o seu pico, os mercados não deixam de nos surpreender, o euro desvaloriza e parece que o “Céu é o limite”.
O pesadelo parece não ter fim e a questão que se coloca é: como vamos enfrentar tudo isto até à primavera de 2022? Para além dos nossos apelos, públicos e ao Governo, os suinicultores manifestam-se, tal como os produtores de leite, com ameaças de falências, redução de efetivos, empobrecimento, abandono do território, desertificação, maior dependência. No caso do leite, é provável que se avance com medidas de apoio à redução da produção. Nos suínos, ainda aguardamos as que foram propostas no último Conselho Agrícola e cujas decisões o Comissário Agrícola transferiu para os Estados-membros, dando a entender que não era o momento mais adequado e que o mercado se encarregaria de assegurar as necessárias correções. Muito provavelmente, redução de efetivos, sem quaisquer ajudas.
Para já, na sequência dos alertas sucessivos para a crise ao nível dos preços do abastecimento e da logística, com níveis históricos em alta e uma crise energética, com todas as consequências negativas para a pecuária – destacando-se a suinicultura – o Governo (Economia e Agricultura) decidiram reativar a Comissão de Acompanhamento que funcionou durante a pandemia.
Veremos se vamos encontrar soluções, mas não existe outro caminho a não ser repercutir os preços no consumidor, ou seja, a inflação vai ser uma realidade, sob pena de assistirmos a um descalabro na agropecuária nacional.
Sinceramente, com todos os setores a enfrentarem este problema do agravamento dos custos e dificuldades de fornecimentos, com taxas de inflação nos EUA (6,2%), Rússia (7,4%) Brasil (10,6%), não se percebe como as previsões da Comissão para 2022 apontam para níveis de 2,4% em 2021 e 2,2% em 2022, regressando a 2,4% em 2023.
Até a China, um mercado determinante para o nosso país, na sequência da crise energética, tem atingido os níveis mais elevados dos últimos 25 anos no índice de preços no consumidor. Infelizmente, corremos sérios riscos de estagflação.
Numa conjuntura de profundas preocupações e com uma agenda política europeia (e nacional) que parece estar em contraciclo com as necessidades atuais, alertamos mais uma vez: temos de cuidar do presente para estarmos melhor preparados para enfrentar o futuro, que não tem de ser necessariamente disruptivo e doloroso.
A transição deve ser coerente e planeada e uma vez que países em diferentes fases de desenvolvimento, têm naturalmente expectativas diversas para o futuro é legítimo que existam fundos e apoios transição esse processo. Sobretudo os países menos desenvolvidos que esperam por financiamentos que, já o sabíamos, apesar de comprometidos, nunca foram recebidos.
É inegável que as alterações climáticas são, e devem ser, a grande prioridade da nossa geração, mas o seu combate deve ser planeado, com compromissos exequíveis e sem hipocrisia, para ser levado a sério.
Uma das conclusões de Glasgow é a de que esse combate passa por três grandes áreas estratégicas, com grande impacto nas nossas vidas: a redução das emissões, as energias renováveis e a florestação. O problema, que não é de somenos, reside na definição de estratégias e na sua execução temporal.
Quanto às emissões, não existe um compromisso dos principais blocos, com a Europa e os Estados Unidos a pretenderem descarbonizar mais rapidamente, até 2050, e outros, como a China, a Índia ou a Rússia, a comprometerem-se com estas metas para 2060 ou 2070.
Neste plano, é de saudar o compromisso dos EUA sobre as emissões de metano, cuja mensagem assenta na tecnologia, na alimentação animal, gestão de efluentes e energias renováveis para atingir os objetivos, sem a necessidade de reduzir efetivos e a produção de carne, ou alterar regimes alimentares. A pecuária constitui um elemento central e era bom que a União Europeia, que assinou uma declaração com os EUA, fosse coerente com esta mesma estratégia. A criação de um Observatório e os fundos disponíveis ao nível da investigação e desenvolvimento parecem ser bons indicadores.
Nas energias renováveis, temos a revisão da RED II e os riscos de algumas matérias-primas utilizadas na alimentação animal (coprodutos das indústrias agroalimentares), poderem ser utilizadas nos biocombustíveis de segunda geração, o que é incoerente com a economia circular, combate ao desperdício ou redução das emissões, pondo em causa igualmente o abastecimento à indústria de alimentação animal e possibilidades de crescimento de produções agrícolas.
Por exemplo, contrariamente a Espanha, que tem privilegiado o óleo de colza no biodiesel, Portugal legislou em sentido contrário, potenciando cada vez mais uma menor utilização daquele produto, diminuindo a capacidade de produção de uma fonte de proteína de excelência – o bagaço de colza – tornando-nos mais dependentes das importações.
Finalmente, a florestação ou o combate à desflorestação, onde a União Europeia quer liderar Multiplicam-se, e justamente, os apelos e investimentos à florestação, bem como a pressão, de retalhistas e consumidores, sobre as cadeias de abastecimento livres de desflorestação. Matérias-primas como a soja, palma, café ou cacau são diabolizadas, mas há que olhar para os países exportadores, para a origem, e cooperar seriamente com
esses países, no caso da soja, o Brasil, Argentina e Paraguai, que, com os Estados Unidos, são os principais fornecedores do mercado europeu. Sem uma transição adequada e investimentos a nível local, teremos disrupções e mais custos porque, na conjuntura atual, e pese embora a promoção das proteaginosas e outras fontes alternativas (algas, insetos, farinhas de carne), não existem alternativas sustentáveis.
Por outro lado, a sociedade civil, influenciada pelo ruído dos ambientalistas e das redes sociais, insiste em não reconhecer, entre outros, as moratórias sobre a desflorestação na Amazónia, o “balanço de massa”, e o esforço relativamente ao fornecimento de soja responsável que está a ser feito nesses países. É verdade que existe uma perceção negativa e, muitas vezes, um discurso e uma prática dos seus líderes em contraciclo com os “valores” europeus, que os (nos) penaliza.
Tal como era de esperar, sobretudo no rescaldo da COP 26, no dia 17 de novembro, a Comissão Europeia apresentou a sua proposta sobre cadeias de abastecimento, visando determinadas matérias-primas, provenientes de zonas de desflorestação ou de florestas degradadas. No essencial, a proposta não aborda os problemas na origem, onde esta questão constitui um problema sério, arriscando-se a União Europeia a uma oportunidade de liderar o caminho para o fim da desflorestação.
Vai exigir rastreabilidade e segregação, bem como processos de “due dilligence”, ou seja, auditorias jurídicas. Está previsto um orçamento total de 16.519.000 € para a criação e implementação do Regulamento durante os primeiros cinco anos de funcionamento (provisoriamente previsto de 2023 a 2027). Espera-se que os Estados-membros forneçam adequadamente pessoal e recursos às autoridades aduaneiras.
Na prática, corremos um sério risco de aumentar os preços, reduzir o número de fornecedores e de origens, criar mais constrangimentos logísticos, amplificando a reduzida oferta de fontes de alta proteína. Quem assumirá depois a responsabilidade das consequências? Existem alternativas a este modelo. Onde estão os mecanismos para a transição justa e inclusiva, de que tanto se fala?
Com um planeamento adequado e consistente, seria possível evitar disrupções que, no limite, podem afetar a disponibilidade de alimentos. A Alimentação, tal como a conhecemos, não pode ser dada como garantida. A transição não tem de ser disruptiva e dolorosa. No entanto, com este rolo compressor que nos condiciona, é, infelizmente, o mais provável.
Jaime Piçarra,
Secretário-Geral da IACA
O artigo foi publicado originalmente em FPAS.